Economia local pode dar “um salto” com regresso dos vistos para todas províncias chinesas, dizem analistas

FOTOGRAFIA: Eduardo Martins

A reabertura das fronteiras de Macau para todas as províncias na China a partir desta quarta-feira poderá dar um novo fôlego à economia local no último trimestre de um ano marcado pela crise económica causada pela pandemia da Covid-19. Quando faltam sete dias para o início das celebrações da Semana Dourada, o sistema de prevenção e controlo da pandemia nos casinos será colocado à prova numa altura em que a indústria do turismo prepara-se para o regresso gradual de milhares de turistas do interior da China.

Texto: Eduardo Santiago

Fotografia: Eduardo Martins

O alargamento da emissão de vistos turísticos para Macau em todas as províncias da China a partir de hoje irá beneficiar a economia local no último trimestre de 2020, caso não surjam novos casos de infecção por Covid-19, afirmaram vários especialistas ao PONTO FINAL. Sem novos casos de infecção no território há 89 dias, o Governo de Macau implementou gradualmente medidas de prevenção e controlo da pandemia, mas só no final do mês de Agosto é que as fronteiras com a China foram normalizadas com a emissão de vistos turísticos para Zhuhai e Guangdong. A partir de hoje, o Governo Central vai passar a autorizar a emissão de vistos para todas as províncias, uma medida encarada por diversos especialistas como sendo vital para Macau, cuja economia é altamente dependente do turismo chinês.

“Será melhor do que a situação que vivemos aqui depois de Fevereiro e Março. Em Janeiro foi mais ou menos com uma quebra, mas os valores das receitas foram elevadíssimos comparados com o que estamos a observar este ano. Com a entrada deste circuito mais amplo de visitantes chineses em Macau há expectativas de que a economia dê um salto porque o único factor que influencia verdadeiramente a economia local é o factor China. Vai levar algum tempo, mas acredito que neste último trimestre as coisas vão conseguir dar a volta se não houver um novo surto de Covid-19”, afirmou o economista Albano Martins ao PONTO FINAL sobre a reabertura das fronteiras de Macau para todas as províncias na China.

Nos primeiros oito meses do ano, Macau recebeu 3.570.019 visitantes, uma diminuição de mais de 87% face ao mesmo período do ano anterior. Apesar das quebras do número de visitantes, o mês de Agosto registou um total de 227.113 turistas, uma subida de 206,9% em relação ao mês de Julho e causada, em parte, pelo reinício da emissão de vistos turísticos na cidade de Zhuhai e na província de Guangdong. Ainda assim, pouco menos de metade dos visitantes em Agosto foram provenientes da cidade de Zhuhai (88.470).

Apesar dos valores residuais em comparação com anos anteriores, Albano Martins frisou que o mercado chinês representa 200 milhões consumidores. “Acredito que a abertura das fronteiras a toda a China vai trazer um novo ar a esta economia, doutra forma a economia não sobrevive pois está habituada a viver à custa de milhares e milhares de visitantes. Foi estruturada, pensada e preparada para esse tipo de massa. Se eles vêm mais do que têm vindo até agora no último mês? Acredito que sim”, assinalou o economista, referindo-se às celebrações da Semana Dourada da próxima semana.

FOTOGRAFIA: Eduardo Martins

Planeamento cauteloso para recuperar economia

Na perspectiva do professor de Gestão Internacional de Resorts Integrados da Universidade de Macau, Glenn McCartney, a estratégia das autoridades para alcançar a recuperação económica tem sido gradual e correcta. “Creio que estamos a assistir a um planeamento muito cauteloso de recuperação económica por parte das autoridades. Não vejo que haja problema em reabrir as fronteiras com toda a China porque foram implementadas várias medidas de prevenção e controlo da epidemia, nomeadamente o código de saúde ou a obrigatoriedade de mostrar um resultado negativo do teste de ácido nucleico. Passaram-se muitos meses desde que a indústria hoteleira e dos casinos teve um número significativo de visitantes, por isso considero que esta abordagem foi a mais correcta”, disse o especialista em marketing e turismo, frisando, no entanto, que as próximas semanas serão decisivas para avaliar o impacto da reabertura das fronteiras a todas as províncias da China. “A partir de amanhã [hoje] será importante ver se este processo gradual de recuperação vai ter continuidade desde a reabertura das fronteiras com Guangdong e Zhuhai no final do mês de Agosto. E se isso irá ter impacto nas receitas de jogo, porque no fundo isso é fundamental para a recuperação de toda a indústria de turismo de Macau”.

Para o economista José Luís Sales Marques, a expectativa geral é que as medidas de abertura a todas as províncias da China possam contribuir “para uma melhoria significativa da procura no sector do jogo e do turismo”, mas que há factores a ponderar, nomeadamente as novas regras de entrada nos casinos. “É evidente que uma coisa são as expectativas mais optimistas que apontam nesse sentido, e embora estejamos na recta final do ano, no computo geral, o seu efeito poderá ter um efeito positivo maximizado que irá reduzir um pouco a quebra da nossa economia, pois essa vai acontecer de certeza absoluta”, indicou Sales Marques, acrescentando que o teste de ácido nucleico à entrada dos casinos poderá fazer com que “essas expectativas não sejam atingidas” e afastar turistas das salas de jogo.

Na opinião de Glenn McCartney, as medidas implementadas pelas autoridades de Macau vão servir para o controlo do fluxo de pessoas. “As autoridades não querem ter um novo surto depois da reabertura das fronteiras, porque isso significaria um enorme retrocesso quando há a possibilidade de regresso de várias pessoas. Os indicadores das últimas semanas são positivos, mas se houver muitas pessoas a entrar no território os sistemas podem sofrer uma grande pressão”, explicou o especialista em marketing e turismo.

Semana Dourada sem precedentes

Questionado sobre a importância da Semana Dourada na revitalização da economia, o professor universitário não acredita que o número de turistas seja comparável ao dos anos anteriores, mas assinalou que o ímpeto pelo consumo poderá ser maior devido ao fenómeno de “gastos por vingança”. “Não vamos ter uma Semana Dourada com o mesmo tipo de números que tivemos no ano passado. Isso é uma certeza. Nem podemos comparar os números de pessoas de 2019 apesar de haver alguma especulação para este ano de uma diminuição de 30%, 40% ou 50% em relação ao ano passado. Mas ninguém pode ter a certeza pois são tudo previsões de bola de cristal”, referiu McCartney, apontando para a possibilidade de haver muitos turistas do interior da China que desejam visitar o território com o desejo de gastar dinheiro depois de meses de confinamento. “Estamos a lidar com um fenómeno nunca antes registado na Semana Dourada, nomeadamente a questão da procura reprimida na China que poderá materializar-se num fenómeno designado de ‘gastos de vingança’, ou seja, pessoas que viajam pela China, como por exemplo para a ilha de Hainão, e gastam elevadas quantias de dinheiro em compras na sequência de um longo período de restrições provocadas pela Covid-19”, explicou o especialista em marketing e turismo.

Já o economista José Luís Sales Marques apontou para o facto de haver outros destinos turísticos na China para além de Macau. “Há muitas cidades chinesas que estão a procurar captar o turismo doméstico. Macau é uma alternativa e é único do ponto de vista do jogo, mas do ponto de vista do turismo, propriamente dito, não é o único destino para o mercado chinês. A Semana Dourada será um bom indicador para percebermos até que ponto é que essa propensão, esse desejo, de vir visitar Macau, se mantém forte no público não jogador, ou no mercado em que o jogo não é o elemento fundamental”, considerou Sales Marques.

FOTOGRAFIA: Eduardo Martins

No entender de Glenn McCartney, a indústria de turismo e do jogo “fez tudo” para assegurar as condições para o regresso dos turistas nos últimos meses. “A Semana Dourada será oportuna para que a indústria possa voltar a ter receitas nos restaurantes, casinos e hotéis. Claro que haverá poucos espectáculos de diversão neste período porque não há a possibilidade de trazer artistas. A oferta para além do jogo será mais reduzida em comparação com anos anteriores e será focada principalmente na alimentação e nas acomodações dos casinos. Haverá algum lazer, mas teremos poucos eventos com aglomeração de pessoas”, antecipou o especialista.

Em relação ao facto de Macau não receber turistas de Hong Kong na Semana Dourada, Albano Martins afirmou que a ausência de um corredor especial com a cidade vizinha terá um grande impacto nas receitas, apesar da reabertura das fronteiras para todas as províncias chinesas. “O facto de não haver Hong Kong vai ter impacto. Os jogadores de Hong Kong são grandes apostadores e são grandes dinamizadores nesta economia. Não há dúvida nenhuma, aliás, no passado, Macau estava totalmente nas mãos de Hong Kong. Ainda está nas mãos de Hong Kong porque são os nossos grandes fornecedores. Macau não compra directamente ao Japão nem a lado nenhum. Compramos na maior parte dos casos via Hong Kong. Hong Kong vai fazer muita falta e é preciso que Hong Kong cresça e que Macau cresça também. Em relação ao fluxo turístico, se Macau é um centro que está livre de coronavírus, porque que é que as pessoas não podem vir através de um transporte aéreo através de Hong Kong directamente para Macau?”, questionou.

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