Jaime Nina: “[Na China] tem havido um bloqueio à divulgação de dados”

FOTOGRAFIA: YUAN ZHENG/EPA

Ao PONTO FINAL, o infecciologista do Hospital Egas Moniz e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, referiu a discrepância na taxa de letalidade do Covid-19 entre o interior da China e o resto do mundo. Na opinião de Jaime Nina, a explicação poderá estar no facto de as autoridades chinesas não estarem a identificar os casos de infecção mais leves. Apesar do aumento no número de casos e de mortes, o médico diz que o novo coronavírus “está a perder balanço”.

André Vinagre

andrevinagre.pontofinal@gmail.com

Para Jaime Nina, os números divulgados pelas autoridades do interior da China “não fazem muito sentido”. Ao PONTO FINAL, o infecciologista diz mesmo que “tem havido um bloqueio à divulgação de dados” por parte de Pequim. Ainda que os números oficiais indiquem um aumento no número de mortes nos últimos dias, o clínico do Hospital Egas Moniz e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical indica que o ritmo do incremento está a baixar.

Só ontem, a China reportou 254 novas mortes atribuídas ao Covid-19 e 15.152 novos infectados. Só em Hubei, foram registados 14.840 novos casos, dez vezes mais do que nos dias anteriores. Segundo o jornal South China Morning Post, este aumento exponencial deve-se a uma alteração na metodologia de contagem: o novo método de contagem inclui nas listas os casos clinicamente diagnosticados, mas que não foram ainda sujeitos a exame laboratorial, até agora ausentes das estatísticas.

Porém, a nível global, “aparentemente, está a perder balanço”. “O aumento, em percentagem, tem vindo a baixar nos últimos dias, mas ainda é cedo para dizer se isso é uma tendência sustentada ou se é optimismo da nossa parte”, refere o médico. “Claro que isto ainda é muito recente e ainda estamos muito em cima do acontecimento, ainda é possível que haja uma variação”, ressalva Jaime Nina.

Haverá, então, tendência para os números começarem a estabilizar? “Ainda é cedo demais para dizer, mas eu diria que, aparentemente, está”. “Claro que os números são muito influenciados por aquilo que se passa na província de Hubei, três quartos do total são provenientes da província de Hubei e o Governo chinês não tem estado a dar as melhores informações”, afirma. Segundo Jaime Nina, “tem havido um bloqueio à divulgação de dados”.

E justifica com o facto de, fora da China, a taxa de letalidade ser de cerca de 0,3% e dentro do país ser de 2%. “É o mesmo vírus, é a mesma doença, não é possível num sítio ter uma taxa de 2% e noutro ter dez vezes menos”, diz, explicando: “Provavelmente, só os casos graves é que estão a ser diagnosticados na China e os casos mais leves não estão a ser identificados”. Quando o número de infectados é menor do que o real e o número de mortes se mantém, a taxa de letalidade do coronavírus aumenta, nota o infecciologista.

Sobre as notícias que davam conta de que o período de incubação, que as autoridades estipularam ser de 14 dias, ter aumentado para 24 dias, Jaime Nina clarifica que se trata apenas de um rascunho de um artigo científico de um grupo de investigação chinês que analisou 1.099 casos. Nesses casos, o grupo de investigadores terá verificado que, num dos pacientes, o período de incubação foi de 24 dias.

Segundo Jaime Nina, que cita as conclusões deste estudo, o período de incubação segue uma distribuição normal, ou seja: “A média [do período de incubação] é um pouco inferior a uma semana, dois terços dos doentes têm entre quatro e oito dias, depois 90% dos doentes têm entre dois dias e 10 dias, 99% têm entre um dia e 12 dias – quando se colocou o período nos 14 dias foi a pensar nisso. E depois, o que este estudo traz de novo é que há um número muito pequeno de doentes que tem menos de um dia de período de incubação, encontraram um doente cujo período de incubação se mede em horas e não em dias, e no outro extremo também encontraram um doente que teve um período de incubação de 24 dias”. 

 

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