Exposição de memórias que encena um passeio pelas bancas do Mercado Vermelho

FOTOGRAFIA EDUARDO MARTINS

“É parte da memória dos cidadãos de Macau”, lembrou ontem Guilherme Ung Vai Meng, um dos 15 artistas convidados a integrar a exposição “Mercado Vermelho”. Há fotografia, desenho, pintura e técnica mista para ver até 12 de Maio, expostos em caixas de luz a lembrar as bancas do mercado. Os trabalhos apresentados no Albergue SCM homenageiam o projecto de 1934, exemplar de referência de “Arte Deco ou Tropical-Deco Macaense”, afirma Carlos Marreiros. A curadoria é de Vera Paz.

Cláudia Aranda

claudia.aranda.pontofinal@gmail.com

É a grafite, com traços intuitivos, desenhados energicamente sobre fundo branco, que o pintor Guilherme Ung Vai Meng esboça a sua homenagem ao Mercado Vermelho, projecto de 1934, inaugurado em 1936, idealizado pelo arquitecto Júlio Alberto Basto. “O mercado é parte da memória dos cidadãos de Macau”, contou ao PONTO FINAL o antigo presidente do Instituto Cultural, momentos antes da inauguração da exposição “Mercado Vermelho”, no Albergue SCM. A memória é agora objecto de estudo do pintor Guilherme Ung Vai Meng, que tem estado dedicado a investigar o culto pelos antepassados e a adoração pela ancestralidade na pintura chinesa.

As obras de 15 artistas baseados em Macau, com expressões que incluem fotografia, desenho, pintura e técnica mista, inspiradas no edifício situado na Avenida do Almirante Lacerda, vão estar expostas até 12 de Maio, no Albergue SCM. Os trabalhos estão dispostos em caixas de luz, com uma dimensão de 40 por 40 centímetros, pintadas de vermelho, que projectam o brilho de baixo para cima, destacando traços e contornos. “A ideia era que a exposição funcionasse de forma vertical, como as bancas do mercado, as pessoas quando vão às compras olham para baixo”, explica a curadora Vera Paz, chamando a atenção para o vídeo na caixa que projecta num ecrã embrulhado num amarrotado saco de plástico o dia-a-dia do mercado. “Tinha outras ideias que não foram concretizadas, como o som da água a correr, mas há o vídeo que dá o ambiente, porque o mercado é muito sensorial”, acrescenta a curadora da mostra organizada pelo Albergue SCM em parceria com a Associação Cultural d’As Entranhas Macau.

Cor e arquitectura

Expressionistas são também os traços de Cai Guo Jie, o artista de Taiwan, a viver em Macau desde 2011, que desenhou uma aguarela, em tons quentes, impressa sobre uma transparência. O artista permanece em Macau atraído pela cultura europeia e pela forma como esta coexiste com as tradições locais. Cai Guo Jie desenha inspirado pela cor da arquitectura, que gosta de destacar e introduzir nos seus trabalhos, porque acredita que a cor torna a cidade ainda mais vibrante.

João Palla homenageia quatro arquitectos e as suas obras. Exposta na caixa de luz está uma composição de desenhos que ilustram as “arquitecturas vermelhas”. “O Mercado Vermelho deu origem a outras arquitecturas, também vermelhas, nomeadamente a fábrica que fica imediatamente em frente, que é um projecto do arquitecto Manuel Vicente e do arquitecto Manuel Graça Dias. Existe, também, uma ponte pedonal, perto, que é um projecto do arquitecto Eduardo Flores. Isto, no fundo, é uma homenagem aos quatro arquitectos que trabalharam com tijolo vermelho”, explica João Palla. O artista e também arquitecto conta que fez desenho à vista, e desenho de detalhe, desta arquitectura que junta numa composição as obras que têm todas a mesma linguagem, comunicando entre si.

A composição metafórica e anti-convencional de Bernardo Amorim inverte os papéis assumidos nas bancas do mercado, colocando os porcos, os coelhos, os ratos, enquanto carniceiros, talhantes dos corpos humanos, prontos para o corte, estendidos em mesas de jogo, de bacará ou de póquer. “Roda de Alimentos” é como lhe chama o designer, funcionário da indústria do jogo. Numa terra onde tudo vai a jogo, Bernardo Amorim resolveu “humanizar os animais, pôr os seres humanos à venda e os animais às compras e a vendê-los”. Ao centro está “a barata, o deus metafórico de Macau, que está em todo o lado”, completa.

FOTOGRAFIA EDUARDO MARTINS

O arquitecto Carlos Marreiros descreve o prédio de tijolo vermelho como o “melhor embaixador, enquanto edifício de carácter público, do período ArteDeco ou Tropical-Deco Macaense”. O texto, escrito em 1985, e publicado numa revista da época, é republicado no catálogo da exposição. Exposto está o desenho de 1985, sobre cópia do projecto original do arquitecto Júlio Alberto Basto, que na época ilustrou o artigo de Marreiros sobre o Mercado Vermelho. “O que eu fiz foi brincar com o desenho original dele, e desta vez, 34 anos depois, juntei uma semi-transparência no desenho que fiz na altura e acrescentei a homenagem que está lá escrita”, explicou Carlos Marreiros.

Vera Paz fez um convite alargado “a pessoas que tinham uma relação a Macau, de várias proveniências e formações, há artistas plásticos, fotógrafos, designers, arquitectos, autodidactas”. Quinze artistas aceitaram o desafio, além dos já mencionados, também mostram trabalho António Leong, Adalberto Tenreiro, Chan Hin Io, Henrique Silva (Bibito), Alexandre Marreiros, António Salas Sanmarful, António Mil-Homens, Chan Chi Lek e Pedro Paz.

 

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