Oficiais chineses vigiados nos casinos de Macau

Macau não só vigia os oficiais da China continental que vêm à cidade jogar, mas também informa os superiores assim que eles entram num casino. A revelação, feita por Ho Iat Seng em Pequim, levanta dúvidas tanto sobre a autonomia da RAEM como sobre a protecção de dados pessoais.

Fotografia: Eduardo Martins

 

Vítor Quintã

 

“Macau vigia os oficiais do Governo do continente que vêm jogar. Assim que um entra num casino, imediatamente toda a gente sabe. É só preciso ele/ela sentar-se [a uma mesa de jogo] e vai logo receber uma chamada do líder do serviço ou departamento onde trabalha”. A revelação foi feita ontem pelo presidente da Assembleia Legislativa de Macau, Ho Iat Seng, numa conferência de imprensa realizada à margem da Assembleia Popular Nacional, o principal órgão legislativo chinês, que decorre em Pequim.

Segundo a imprensa em língua chinesa de Hong Kong e Taiwan, Ho Iat Seng disse que a cidade “tem métodos internos” para saber quem anda a jogar nos casinos locais. “Porque não é apenas o continente. Desde que haja casinos, o resto do mundo vai também prestar atenção a quem vem da China” para apostar em Macau, sublinhou o político.

Em 2009, um estudo da imprensa oficial chinesa concluiu que 57 por cento dos maiores jogadores dos casinos da RAEM eram oficiais do Governo da China continental ou gestores de topo em companhias estatais, que em média perdiam 3,3 milhões de dólares norte-americanos – dinheiro dos cofres públicos. Isto porque “o controlo sobre os ‘sacos azuis’ não era suficientemente apertado”, admitiu ontem Ho Iat Seng.

O presidente da Assembleia Legislativa acrescenta, no entanto, que a situação mudou por completo desde que o Presidente chinês Xi Jinping lançou uma campanha anti-corrupção em 2013. “A maioria das pessoas que vêm agora [a Macau] são empresários e pessoas normais”, diz o político, porque “mesmo para gestores de bancos e instituições financeiras tornou-se muito difícil vir a Macau”.

 

Dúvidas e privacidade

 

A revelação de Ho Iat Seng levanta dúvidas sobre a autonomia de Macau, uma vez que a Lei Básica sublinha que o Governo local é o único “responsável pela manutenção da ordem pública”, o que inclui as forças de segurança. O PONTO FINAL perguntou tanto à Polícia Judiciária (PJ) como à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) quem estava, afinal, a vigiar os oficiais do continente e se a partilha de informação era autorizada por algum acordo existente, mas não recebeu qualquer resposta.

Outra questão prende-se com a protecção da privacidade na RAEM. Segundo a página do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP), é preciso notificar o GPDP e pedir autorização para “transferir dados pessoais para um local situado fora de Macau”, incluindo a China continental. O PONTO FINAL perguntou à DICJ, à PJ e ao GPDP se tinha sido pedida autorização para a transferência de dados pessoais sobre oficiais chineses para o continente, mas não recebeu qualquer resposta.

As regras sobre transferência de dados foram, aliás, usadas pelo Gabinete para em 2013 multar a Wynn Macau em 20 mil patacas após a operadora de jogo ter enviado para os Estados Unidos da América informações sobre a estadia no território de membros do Governo das Filipinas que terão estado alojados no hotel com Kazuo Okada, antigo sócio da Wynn. Dois anos depois, o GPDP acusou também os organizadores de um referendo civil sobre a reforma eleitoral de transferência ilegal de dados pessoais. Um dos líderes do referendo, Jason Chao, disse ao PONTO FINAL que não tinha “havido mais novidades” após os organizadores terem apresentado a sua defesa em Setembro de 2016.

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