Macau tem de planear leis laborais “mais flexíveis” a longo prazo, avisa especialista

FOTOGRAFIA: Eduardo Martins

O mercado de trabalho de Macau necessita de leis laborais “mais flexíveis” e de uma estratégia planeada a longo prazo que resolva os problemas de colocação da mão de obra local não qualificada. Na opinião da especialista em Direito Laboral, Helena Kok, a protecção dada aos trabalhadores locais pode ser prejudicial ao desenvolvimento da própria competitividade do mercado laboral local.

Eduardo Santiago

eduardosantiago.pontofinal@gmail.com

A revisão dos direitos laborais e a implementação de leis “mais flexíveis” na contratação de trabalhadores não-residentes foram alguns dos aspectos assinalados ontem por Helena Kok numa palestra sobre os desafios do mercado laboral de Macau para o futuro. No evento, organizado pela Câmara do Comércio França-Macau, a especialista em Direito Laboral considerou que o Governo precisa de planear uma estratégia “a longo prazo” para lidar com a escassez de mão de obra local não qualificada, assim como implementar políticas laborais “mais flexíveis” na questão das quotas de trabalhadores não residentes.

“Acho que as políticas laborais deviam ser mais empíricas e flexíveis pois há falta de planeamento a longo prazo. Tudo o que temos assistido em matéria de Direito Laboral têm sido medidas aplicadas a curto prazo, pois muitos dos responsáveis governamentais são nomeados para mandatos muitos curtos, sendo que os directores dos serviços são nomeados para um ou dois anos”, referiu Helena Kok, advogada da MdME Lawyers.

A especialista em Direito Laboral assinalou as dificuldades dos empregadores locais na contratação de mão de obra local não qualificada e das restrições à importação de mão de obra estrangeira para ocupar esses cargos. “O Governo de Macau precisa de aprofundar esta questão da falta de trabalhadores qualificados locais e saber o que fazer com os trabalhadores locais sem qualificações, pois temos falta de trabalhadores sem qualificações para fazer aquilo que apelido de trabalho sujo, difícil e perigoso”, indicou Helena Kok.

Para isso, as autoridades de Macau têm de “pensar mais à frente” e planear uma estratégia a médio-longo prazo. “Se um empregador local disser que precisa de 300 empregados para serviço de limpeza de quartos, porque os locais não querem fazer este tipo de trabalho, as autoridades são capazes de sugerir que se calhar devia pensar-se na introdução de tecnologia para a limpeza de quartos automática. Quando se sugere a contratação de trabalhadores não-residentes, dizem que não é necessário porque esses trabalhadores podem fazer o tal trabalho sujo, difícil e perigoso. Os trabalhadores residentes são intocáveis, não podem sofrer. Será esta a mentalidade correcta? Isto vai criar trabalhadores preguiçosos”, frisou Helena Kok, acrescentando que o Governo tem de mudar de mentalidade, “pensar mais à frente e planear a longo prazo”.

Segundo a advogada, a protecção do Governo aos trabalhadores locais poderá ser prejudicial no futuro. “Os croupiers e motoristas são dois tipos de emprego protegidos e quase exclusivos para residentes locais. Já passaram quase 20 anos da abertura do mercado do jogo e já não há croupiers novos. Há 20 anos era uma profissão com um salário bom que permitia criar uma família e enviar as crianças para a universidade, mas a geração actual já não quer ser croupier. Se promovermos todos croupiers a cargos de maior responsabilidade, quem será croupier? Os não-residentes não podem ocupar este cargo porque estão praticamente reservados aos locais. Qual é o plano a longo prazo para daqui a 10 ou 20 anos?”, questionou.

Outro exemplo dado por Helena Kok foi o de motorista. “Acham que esta geração vai querer ser motorista? É bom que haja políticas de protecção de emprego para os residentes locais, mas também temos de encarar a realidade do mercado sob uma perspectiva mais ampla e seguindo uma estratégia que permita a sustentabilidade do mercado laboral a longo prazo e responda às necessidades imediatas”, referiu.

FOTOGRAFIA: Eduardo Martins

Ainda sobre a questão da protecção aos trabalhadores locais, a advogada recordou que na actual legislação laboral está definido que os “trabalhadores locais adequados” têm prioridade sob os trabalhadores não-residentes quando concorrem à mesma posição de trabalho. Na opinião de Helena Kok, a designação de “adequado” pode ser extrapolada pelos empregadores no momento da decisão e prejudicar a própria competitividade e valor do mercado laboral de Macau. “Quase basta enviar um currículo com uma fotocópia do BIR para se garantir emprego, o que pode baixar os padrões de empregabilidade”, disse Helena Kok durante a apresentação.

Helena Kok assinalou ainda que no actual contexto pandémico houve uma descida de 4% na taxa de aprovação de trabalhadores não-residentes sem qualificação, mas um aumento na taxa de aprovação de trabalho para não-residentes qualificados. “Isto quer dizer que necessitamos de mais pessoal especializado e qualificado estrangeiro. Não o temos, e o Governo sabe disso”, afirmou.

Sobre os desafios para a revisão das leis laborais em Macau, Helena Kok reconheceu que o mercado local “é muito peculiar” e que é “impossível” um consenso entre todos os empregadores. “O mercado de trabalho de Macau é muito peculiar porque é constituído por mais de 90% de pequenas e médias empresas, sendo o trabalho do Governo muito complicado porque é impossível agradar a todos. Temos as pequenas e médias empresas e depois temos as seis concessionárias. Como é que se pode implementar direitos laborais que sejam aceites pela generalidade dos empregadores? É algo impossível. A legislação de leis laborais em Macau é uma missão difícil e admiro profundamente os meus colegas da DSAL, mas não se deve invocar a harmonia social para se implementar isto e aquilo. O objectivo deve ser a harmonia social, e a harmonia social só pode ser alcançada por políticas que sejam aceites na generalidade”, concluiu.

 

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