“Há tantas boas histórias para contar em Macau” 

FOTOGRAFIA: Sue Anne Tay

Muitas histórias e tão poucas acessíveis a públicos de língua inglesa. Paul French quer ajudar a remediar isso, tanto pela via da literatura como pelo cinema. ‘Estranhos na Praia: uma história de refugiados e resistência em Macau durante a Guerra’, mal acabou de ser editado, tem já associado um projecto de adaptação ao cinema. Nesta entrevista ao Ponto Final, o autor britânico explica a origem de tudo isto.

Ricardo Pinto   

 

Como começou o processo de escrita deste romance?

A maior parte da minha escrita é sobre Pequim e especialmente Xangai na primeira metade do século XX. Tenho um interesse particular na comunidade judaica de Xangai e escrevi antes sobre vários aspectos dessa comunidade – sobre pessoas lá há muito estabelecidas e refugiados mais recentes. Ao examinar os registos dos judeus europeus refugiados que chegaram a Xangai para escaparem ao fascismo, vi alguns indicando que nalguns casos, principalmente mulheres jovens, com pouco mais de 20 anos, tinham-se mudado depois para Macau. Investiguei um pouco mais e encontrei mais alguns casos. Era apenas um pequeno número de refugiados judeus, mas interessante. Os registos em Xangai são escassos e em Macau são quase inexistentes. Decidi escrever com o que tinha, criando personagens compostos na esperança de que isso estimule a memória de pessoas que passaram por tudo aquilo, ou dos seus filhos. Sinto que a não-ficção literária é uma boa maneira de atingir um público maior do que se consegue através de um livro de história puro.

Que fontes primárias usou nessa investigação?

As fontes primárias incluíram registos dos refugiados judeus em Xangai, jornais publicados em várias cidades costeiras da China e algumas (muito poucas) menções em memórias. Existem alguns artigos de revistas e jornais da época. No entanto, as principais foram os registos britânicos e aliados do consulado britânico em Macau sob a direcção de John Pownall Reeves, bem como os arquivos do Grupo de Apoio ao Exército Britânico – British Army Aid Group (BAAG), agora instalado em Canberra, Austrália) –, que organizou algumas fugas a partir de Macau. Somente quando publiquei o trabalho originalmente como um conto e, depois, num podcast para a RTHK3 (canal público de rádio de Hong Kong), fui contactado pelos filhos de alguns refugiados judeus de Macau que me deram mais detalhes.

A obra é baseada em factos históricos. Mas quão próxima está da realidade?

Está tão próxima quanto me era possível por agora, embora vá buscar muitos fragmentos de memórias e experiências a Xangai, e os leve para Macau –, a par de casos de sobrevivência já passados em Macau, combinando-os depois num único personagem. Utiliza ainda parcialmente histórias de diferentes fugas a partir de Macau, mais uma vez combinando-as numa única história. Foi a primeira vez que tentei este tipo de abordagem. Senti neste projecto que os registos eram tão escassos que, se ficasse à espera até ter o material suficiente para escrever um livro como os anteriores – ‘Meia-noite em Pequim’ ou ‘Cidade dos Diabos’ –, isso provavelmente jamais aconteceria. É melhor ter um relato semi-fictício desse momento histórico do que não ter relato algum.

Quer falar-nos das pessoas e lugares reais que usou para desenvolver os personagens e o cenário da narrativa?

Os personagens dos refugiados judeus e dos fugitivos britânicos de Hong Kong são composições de pessoas reais sobre as quais conheço alguns detalhes, mas não todos, da vida que tiveram em Macau. Quanto aos lugares, são todos reais. O Aurora é mencionado em vários livros de memórias como um conhecido Salão de Bilhar, um Café ou uma Pensão, tido como muito acolhedor para os refugiados judeus. Essa característica foi-se tornando cada vez mais conhecida entre os refugiados judeus que chegavam a Macau. O hóspede judeu mais famoso da Pensão Aurora foi Israel Epstein, nascido de uma família judia polaca e criado na China. Como se sabe, Epstein acabaria por ficar pela China depois da guerra, tornando-se membro do Partido Comunista e cidadão da República Popular da China. A sua passagem pela Pensão Aurora está documentada num livro de memórias.

Da mesma forma, também o consulado britânico era um sítio bem real. Foi administrado naquele período por John Reeves e a sua esposa, Rhoda, e localizava-se muito perto dos consulados japonês e alemão. Reeves viria também a escrever as suas memórias de Macau depois da guerra.

O que ficou a saber sobre o modo de vida da comunidade judaica em Macau durante aqueles terríveis anos de perseguição e genocídio?

Em Macau, como em Xangai, eles estavam, razoavelmente a salvo da perseguição e assassinatos nazis. Em Xangai, havia sempre a possibilidade dos japoneses fazerem um favor aos nazis, entregando-lhes os refugiados para que fossem mortos (e os nazis de Xangai pediram-no!). Em Macau, a preocupação era que os japoneses não respeitassem a neutralidade portuguesa e assumissem o governo da colónia (como fizeram em Timor), e então a vida tornar-se-ia muito mais perigosa para os refugiados judeus. Obviamente, as oportunidades de trabalho eram na altura muito limitadas e muitos desses refugiados eram pobres e sofriam das mesmas más condições de alojamento e escassez de alimentos que o resto de Macau. Para os mais religiosos, talvez tudo fosse ainda mais difícil, pois Macau não tinha uma única sinagoga, ao passo que Xangai tinha várias. Julgo que esse terá sido mesmo um factor pelo qual foram principalmente os judeus mais jovens que se mudaram de Xangai para Macau. Eram, porventura, menos praticantes.

A revista Macau Closer publicou há uns tempos correspondência, datada de 1945, entre o cônsul da Alemanha em Cantão e uma mulher alemã que morava em Macau, criticando-a severamente por manter um relacionamento íntimo com um judeu. Nas cartas, o diplomata ameaçava-a com a perda da nacionalidade se não pusesse fim a essa relação. Terá sido um caso isolado ou, pelo contrário, a comunidade judaica não terá conseguido encontrar em Macau um porto tão seguro quanto isso? As correntes anti-semitas tinham apoios significativos em Macau?

Não encontrei exemplos particulares de anti-semitismo evidente em Macau por parte das autoridades portuguesas. O caso que mencionou foi levantado pelo cônsul alemão em Cantão, Franz Siebert, um diplomata leal ao regime nazi capturado pelos americanos após o fim da guerra na China. Essa era uma táctica bastante comum para ameaçar os alemães “arianos” casados ​​ou que mantivessem relacionamentos com judeus: a perda de nacionalidade, e se necessário, represálias contra familiares que pudessem ter na Alemanha. Por exemplo, quando os judeus de Xangai se envolveram em manifestações contra o regime nazi, foram de imediato informados de que as suas famílias na Europa seriam punidas por isso. Até Dezembro de 1941, os britânicos e americanos em Xangai ofereceram alguma proteção à comunidade judaica, apresentando regularmente protestos diplomáticos contra o uso desse tipo de tácticas. Mas depois da queda de Hong Kong e do início das hostilidades entre o Japão e as nações aliadas, estas deixaram de poder ajudar.

Este é o seu primeiro livro que tem Macau por cenário, mas não é o seu primeiro escrito sobre Macau – longe disso. Antes tinha já escrito artigos sobre as interacções de Macau com o cinema americano, particularmente com o género do ‘film noir’; também sobre alguns acontecimentos controversos da história de Macau; e participou mesmo no Concurso de Contos do Festival Literário de Macau, há alguns anos. O que o fascina nesta terra?

Eu sempre achei Macau fascinante. Constantemente, há algo que aqui se passou que acaba por se destacar nas minhas investigações sobre a China ou Hong Kong. Talvez o mais fascinante seja o contraste com a ultra cosmopolita Xangai da época, com a antiga capital de Pequim e com a colónia britânica de Hong Kong. Há tantas boas histórias para contar em Macau – e tão poucas entre elas têm sido contadas aos públicos de língua inglesa.

Tem outros projectos em andamento relacionados com Macau?

Com excepção de ‘Estranhos na Praia’, de momento, não. Quer sugerir algum?

A sua obra de maior sucesso até hoje, ‘Meia-noite em Pequim’, está a ser adaptada para uma série de televisão. É possível que o mesmo aconteça com este seu livro sobre os judeus em Macau?

Sinto-me muito feliz por tanto ‘Meia-noite em Pequim’ quanto a ‘Cidade dos Diabos’ estarem a ser adaptadas para a TV – a primeira em Pequim, justamente, e a segunda em Los Angeles. Actualmente, estou a trabalhar com uma produtora de cinema de Xangai para desenvolver ‘Estranhos na Praia’ como uma coprodução entre a China, o Reino Unido e a Austrália. Para esse efeito, já visitei alguns locais em Portugal que poderão funcionar como cenário para recriar a velha Macau, dado que é um pouco difícil fazê-lo hoje em Macau! Já escrevi, inclusive, um guião para esse projecto, um pouco mais ficcionado do que o livro, para lhe acrescentar tensão e emotividade. Vamos ver se consigo ter luz verde para este projecto. Já é tempo de Macau voltar a aparecer em grande no cinema – afinal, a película de von Sternberg, ‘Macao’, tem já quase 70 anos!

Em ‘Cidade dos Diabos’, escreveu também sobre a actividade de grupos de criminosos portugueses em Xangai, nos anos 30, início dos anos 40. Alguns desses gangsters seguiram a mesma rota de fuga para Macau que os refugiados judeus. Eles foram um factor em Macau durante o conflito, nomeadamente na guerra subterrânea entre as seitas chinesas patrióticas e as pró-japonesas?

Tanto quanto sei, não. Xangai teve importantes grupos de gangsters portugueses na década de 1930 e ao longo da Segunda Guerra Mundial, os quais basicamente exploravam casinos. Era comum dizer-se na altura que esses gangsters tinham diplomatas portugueses nas suas folhas de pagamentos. Não tenho dúvidas de que esses grupos usavam as rotas de contrabando entre Xangai e Macau, e também para Manila, onde se sentiam igualmente à vontade. Mas acho que os portugueses não terão depois ficado em Macau por muito tempo, tendo regressado a Lisboa antes das rotas marítimas ficarem fechadas ao tráfego devido às hostilidades. Não tenho conhecido que tenham estado envolvidos no lendário contrabando do tempo da guerra, a partir de Macau. Teria sido uma óptima pergunta para colocar a Stanley Ho!

Os livros em torno de crimes da vida real estão mais populares do que nunca. É esse o género literário que tem estado sempre à cabeça das suas prioridades?

Escreva um livro sobre a China, e as pessoas interessadas na China lêem-no. Defina o livro no passado, e as pessoas que gostam de História lêem-no. Conte a história de um crime, e todas as pessoas que gostam de romances policiais lêem-no. Torne esse crime real, e o público-alvo não para de crescer. Decidi escrever livros sobre a China que pudessem ser lidos por muito mais pessoas do que normalmente são. Crime, e em particular o crime real, é o género que mais vende na maioria dos países, tanto em termos de romances como de séries de televisão. Enfim, diria que não foi uma decisão difícil de tomar.

Residiu na China durante muitos anos, mas mudou-se recentemente para Londres. Que impacto poderá essa mudança ter no seu trabalho, e como tem vivido estes tempos de pandemia?

Voltei para Londres devido a problemas familiares – o velho problema dos expatriados com pais idosos que requerem cuidado e atenção. Por regra, viajava para a China ou outro destino na Ásia, por alguns meses na Primavera e mais alguns no Outono. Mas isso este ano não aconteceu, claro. À parte esse problema, a minha vida em confinamento não é muito diferente da minha vida normal. Sempre trabalhei a partir de casa; tenho uma extensa biblioteca e acesso a muitos recursos online; só preciso de um portátil e de ligação à Internet.

Que livros recomenda aos nossos leitores?

Sobre Macau, em inglês, não existem muitos. Mas vale a pena ler as memórias de John Reeves, ‘The Lone Flag: Memoir of a British Consul in Macau during World War II (Hong Kong University Press, 2014), bem como ‘Wartime Macau: Under the Japanese Shadow’ (Hong Kong University Press, 2016), editado por Geoffrey C. Gunn. Para uma visão geral do que se tem escrito sobre a cidade ao longo dos tempos, ‘Macau: Mysterious Decay and Romance’ (Oxford University Press, 1997), de Donald Pittis e Susan J. Henders, é uma boa leitura. Claro, não devem também deixar de ver o filme ‘Macao’, de Josef von Sternberg – um óptimo ‘noir’, com Robert Mitchum e Jane Russell, que vale sempre a pena ver em cena. Se souberem francês e conseguirem encontrá-los, recomendo o livro ‘Macau, l’Enfer du Jeu” (1938), de Maurice Dekobra, e o filme baseado nesse romance, lançado um ou dois anos depois. Será tempo bem passado.

Quanto a outros livros, sou um tipo do ‘noir’ e, como tal, recomendo que comecem por Chandler, Hammett e Paul M. Cain, passando depois ao ‘L.A. Confidencial’, de James Ellroy, à trilogia de David Peace ‘Tokyo Year Zero’ Ano Zero e a qualquer obra de Graham Greene, que infelizmente nunca esteve em Macau. Senão, teríamos hoje um romance sobre Macau com a qualidade de um ‘The Third Man’ ou ‘The Quiet American’.

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Outras obras de Paul French

Ao longo da sua carreira, Paul French, 53 anos, natural de Londres, assinou já mais de duas dezenas de títulos, alguns deles em coautoria e outros ainda pequenos ensaios ou contos só disponíveis em formato electrónico. Trabalhou durante muitos anos como jornalista em Xangai, e é em torno da chamada capital económica da China que se situam muitas das suas obras. Eis, para além de ‘Estranhos na Praia: uma história de refugiados e resistência em Macau durante a Guerra’ (cuja recensão foi publicada na edição do Ponto Final da passada segunda-feira), alguns dos títulos mais importantes da sua bibliografia:

Coreia do Norte: Estado de Paranoia

Que segredos esconde um dos países mais reservados e perigosos do mundo? A Coreia do Norte sempre foi objecto de fascínio e preocupação por parte de todo o mundo. Nesta detalhada investigação, baseada numa série impressionante de fontes e de arquivos até agora inacessíveis, Paul French analisa a história e a política da Coreia do Norte, as complexas relações de Pyongyang com a Coreia do Sul, o Japão, a China e os Estados Unidos, e as implicações de uma liderança que antagoniza de igual forma inimigos e aliados.

(já traduzido para português)

Meia-Noite em Pequim

Janeiro de 1937: Pequim é uma mistura inebriante de privilégios e escândalos, de bares e casas de ópio, de senhores da guerra e corrupção, de rumores e superstições – e o final de tudo isto aproxima-se rapidamente. No selecionado Bairro das Legações, os residentes estrangeiros aguardam impacientemente pelo inevitável. Cada dia que passa eleva os níveis de ansiedade tanto para os chineses como para os estrangeiros que se encontram no interior das antigas muralhas da cidade. Numa dessas muralhas, próxima dos perigosos descampados, existe uma enorme torre de vigia – assombrada, segundo os locais, por espíritos raposa, que caçam mortais inocentes. E aí, numa noite fria e amarga, foi largado o corpo de uma mortal inocente. Pertencia a Pamela Werner, filha de um ex-cônsul britânico na China, e quando os detalhes da sua morte são revelados, as pessoas têm dificuldade em acreditar que qualquer ser humano pudesse tratar outro de tal forma. Setenta e cinco anos depois destes acontecimentos, Paul French decidiu finalmente dar ao caso o desfecho que lhe foi negado durante todo este tempo. 

(já traduzido para português)

 

City of Devils

Paul French é um profundo conhecedor da Xangai de outros tempos. É também o autor de The Old Shanghai A-Z , livro de referência obrigatória para quem esteja interessado na história da cidade. Tal como Meia-noite em Pequim, ‘Cidade dos Diabos’ não é um romance, mas sim a história, real, não ficcionada, de duas figuras do submundo do crime ao tempo da guerra: Jack Riley, o rei das slot-machines em Xangai, e Joe Farren, que explorava todo o entretenimento em espaços luxuosos como o clube nocturno Paramount e o salão de festas do Canídromo. Resultado de uma profunda investigação, o livro dá a conhecer as oportunidades existentes na época em Xangai, e o modo como muitos dos seus habitantes viviam completamente à margem da lei. 

Bloody Saturday: Shanghai’s Darkest Day

Sábado, 14 de Agosto de 1937 – naquele Verão, Xangai esperava ser atingida por um tufão de “violenta intensidade”. O tufão passou, mas o que atingiu depois Xangai foi um tufão com mão humana, que lançou sobre a cidade uma tempestade de explosões nunca antes vista. O relógio existente no exterior do Hotel Cathay parou às 4:27da tarde, justamente no momento em que a aviação japonesa começou a despejar bombas e metralha na intersecção entre a Rua de Nanquim e o Bund; a segunda vaga de explosões atingiu em cheio multidões concentradas no centro de entretenimento Great World, na Concessão Francesa. Este livro recria os acontecimentos desse dia trágico, a partir do relato de inúmeras testemunhas. Nada fica por desvendar nesta obra de Paul French; aos leitores fica aberto o conhecimento de Xangai ao nível mais íntimo.

 

Carl Crow – A Tough Old China Hand: The Life, Times, and Adventures of an American 

Carl Crow chegou a Xangai em 1911 e fez da cidade a sua casa durante um quarto de século, ali trabalhando como jornalista e, depois, proprietário de um jornal. Mas foi mais do que isso: foi também negociador de reféns, sargento da polícia em situações de emergência, proprietário rural, intermediário com o Governo dos Estados Unidos, e propagandista. Entre as suas proezas contam-se a participação nas negociações em Pequim que conduziram à queda da Dinastia Qing, uma reportagem em exclusivo sobre a interferência dos japoneses na China durante a I Guerra Mundial, a negociação da libertação de reféns ocidentais por um bando de criminosos escondido numa montanha remota, e ter sido um dos primeiros ocidentais a percorrer a Estrada de Burma durante a II Guerra Mundial. Conheceu de perto a maioria das grandes figuras do seu tempo, incluindo Sun Yat-sen, Chiang Kai-shek, as irmãs Soong e o lugar-tenente de Mao, Zhou En-lai.

 

 

Through the Looking Glass: China’s Foreign Journalists from Opium Wars to Mao

A história conturbada dos jornalistas estrangeiros na China começa com a impressão dos primeiros jornais nos Estabelecimentos Europeus de Cantão, nos anos 20 do século XIX, e termina numa primeira fase com a revolução comunista de 1949. Começa também com um duelo entre dois editores decisivo para o futuro da China, e termina com um combate a punhos em Xangai, a propósito da revolução.

Os homens e mulheres do corpo de correspondentes estrangeiros assistiram da fila da frente aos grandes acontecimentos dessa época: escreveram sobre as Guerras do Ópio e a Rebelião dos Taiping; viram o Palácio de Verão ser consumido pelo fogo; sofreram na pele a Rebelião dos Boxers; assistiram à morte da Dinastia Qing; testemunharam o nascimento de uma China Nacionalista, dilacerada pelos conflitos entre senhores da guerra; acompanharam o crescimento do movimento comunista, até à vitória final; cobriram inúmeros actos de barbárie dos japoneses na sua longa campanha de agressão contra a China. Os jornalistas viram e escreveram sobre tudo isso, sendo eles próprios, em boa parte, figuras igualmente fascinantes. Um exemplo entre muitos: Ernest Hemingway.

Esta obra de Paul French não deixa também de contar o outro lado, menos lisonjeiro para os jornalistas estrangeiros na China: muitos eram bêbados, cabotinos ou vigaristas; alguns foram espiões; outros mudaram frequentemente de lado, perdendo imparcialidade e isenção; outros ainda foram, pura e simplesmente, mentirosos e patifes. Mas a maioria fez o seu trabalho de forma profissional; uma boa parte, com grande paixão; e alguns, com verdadeiros toques de génio.

 

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