25 de Abril: As memórias do dia que levou a democracia a Portugal

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

A Revolução dos Cravos aconteceu há 47 anos. À boleia de um golpe de estado liderado por um movimento militar, chegavam a Portugal os ideais de liberdade e democracia que, durante o período do Estado Novo, se tinham perdido. Em Macau, há quem tenha vivido o dia por dentro e as memórias são recordadas agora ao PONTO FINAL.  

Texto: André Vinagre

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

Domingo celebram-se 47 anos desde que aconteceu o 25 de Abril em Portugal, data que é sinónimo de liberdade e democracia. Um movimento liderado por militares irrompeu pelas ruas e depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933. O PONTO FINAL falou com seis portugueses que vivem em Macau, que recordaram 1974 e assinalaram a importância de não esquecer Abril.

Manuel Geraldes tinha 24 anos, era alferes e fazia a sua primeira recruta na Escola Prática de Administração Militar (EPAM). Ali, foi contactado para aderir ao movimento dos capitães, no sentido de participar na primeira reunião de preparação do golpe de estado, que se realizou em Óbidos, a 1 de Dezembro de 1973. “Não me esqueço de nada da reunião”, diz.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

O capitão de Abril recorda: “Foi exposta a situação muito claramente e, ao fim do dia, foi submetida uma votação sobre as opções, uma vez que toda a gente manifestou o seu descontentamento em relação à situação. Havia uma opção meramente de reivindicação profissional, havia uma opção de reivindicação profissional mas também política de democratização, e uma solução de não reivindicação mas de preparar um golpe de estado. A votação teve como resultado a votação maioritária para o golpe de estado”. Manuel Geraldes votou no golpe de estado, “com certeza”.

O ambiente entre os militares era de confiança. “Vimos o regime a apodrecer cada vez mais e as pessoas a ficarem insatisfeitas e frustradas”, lembra o jovem alferes que passou a actor na preparação da revolução.

Depois da decisão tomada, chega o dia da acção. “O dia 25 começa no dia 24 à tarde”, diz, sublinhando que foi na véspera que soube que a sua missão seria conquistar os estúdios da RTP. Além disso coube-lhe a tarefa de deter o oficial de dia, um homem ligado ao regime, que não participaria no golpe. Na noite de 24 para 25 de Abril, Geraldes teve também de acordar os restantes militares para os pôr ao corrente da missão que tinham: ocupar a estação pública.

A alegria explodiu quando, pelas 4h30 da madrugada, o jornalista Joaquim Furtado leu, nos estúdios do Rádio Clube Português, o comunicado do Movimento das Forças Armadas. Os dias seguintes foram passados ainda na RTP, a coordenar tarefas junto do pessoal da televisão pública. A 1 de Maio, Manuel Geraldes vai à rua tomar o pulso à população e dá de caras com a euforia do povo. “Foi inesquecível”, afirma. Já o dia da revolução é descrito como “um dia que valeu uma vida”.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

O CONTINGENTE MILITAR À FRENTE DO MINISTÉRIO

Manuela António diz ter vivido o 25 de Abril de forma “peculiar”. A advogada era, à data, técnica no Ministério das Finanças. Na madrugada de dia 25 de Abril, Manuela António tinha estado numa reunião no Ministério do Exército e quando saiu surpreendeu-se ao ver a presença de um contingente militar.

“Só quando cheguei a casa é que me telefonaram a dizer que terá sido um golpe militar”, conta Manuela António. A informação era escassa e isso levou a mais questões: “Inicialmente não sabíamos se era de extrema-direita porque o regime estava decadente e preso por arames, e havia o risco de a extrema-direita tentar tomar conta do regime”.

De manhã, a situação ficou mais clara e constatou-se que a iniciativa pertencia ao Movimento das Forças Armadas. “Fiquei contente, era altura de o regime mudar”, diz, sublinhando que “era altura da esperança que nós tínhamos alimentado ao longo dos anos” e “uma esperança de liberdade, uma esperança de democracia, que era uma experiência que nós não tínhamos”.

Na opinião da advogada radicada em Macau há quase 40 anos, “o que mais preocupava as pessoas era a existência de uma guerra”. Além disso, “as pessoas mais jovens sentiam necessidade de liberdade de expressão”.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

FOTOGRAFAR A REVOLUÇÃO

“Incrível” é o adjectivo usado por António Mil-Homens para descrever o seu 25 de Abril. Um mês antes da revolução, Mil-Homens estava em Lisboa e tinha sinalizado a compra da sua primeira máquina fotográfica, uma Nikkormat FTN. “Tinha acordado com o dono da loja uma data que correspondia ao dia em que eu teria o resto do dinheiro para efectuar o pagamento e essa data era precisamente 25 de Abril”, indica. Com a máquina nova, fotografou Salgueiro Maia, um dos capitães de Abril que liderou as forças revolucionárias, enquanto este estava em cima do blindado, à frente do Quartel do Carmo.

O momento foi “um duplo entusiasmo”: “O de ver acontecer algo que veio a transformar Portugal e a pôr fim àquela longa noite, e foi também o arranque do meu percurso assumido fotograficamente, com a minha primeira máquina fotográfica”. Por outro lado, o fotógrafo recorda que, pouco antes da revolução, tinha iniciado actividade numa organização marxista-leninista que entretanto veio a dar origem à União Democrática Popular (UDP).

Questionado sobre os tempos após a Revolução de Abril, Mil-Homens diz: “Se temos um recipiente sob pressão e lhe tiramos a tampa, é inevitável que o que está lá dentro saia de forma intempestiva e incontrolável”. Actualmente, “nós estamos a sofrer aquilo que resultou não do 25 de Abril, mas sim da recuperação daqueles que, de uma forma mais discreta, já detinham o poder em Portugal”, afirma, referindo-se ao poder económico. Na sua opinião, “é o poder económico que manda nas nossas vidas, quer queiramos quer não”.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

UM ESCUDO PARA PROTEGER OS MILITARES

Também Amélia António esteve junto ao Quartel do Carmo no dia 25 de Abril de 74. Trabalhava, na altura, no Sindicato Bancário Sul e Ilhas, e, quando soube que as tropas iam a caminho do local, fez questão de os acompanhar. “Quando as tropas avançaram para o Quartel do Carmo, houve uma mobilização popular muito grande para se acompanhar o movimento numa acção de apoio e de protecção das próprias tropas”, lembra, assinalando que foi o facto de a população ter acompanhado os militares que fez com que os agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR) não disparassem. Foram momentos que se viveram “com muita expectativa”.

Foi um dia em que as pessoas viram realizar “todas as esperanças, todos os sonhos, todas as ambições, todos os desejos” de ver um Portugal “livre, a caminhar para o futuro, a desenvolver-se e a acabar com a pobreza extrema”. “Para quem tinha consciência dessas limitações todas, era um momento em que todos os sonhos eram possíveis”, diz a advogada e presidente da Casa de Portugal em Macau.

Ainda assim, diz Amélia António, “as novas gerações muitas vezes não têm a noção de como foi difícil conquistar o que hoje beneficiam”. Por isso, “eu acho que qualquer português em qualquer parte do mundo deve celebrar o dia”, defende.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

SALTOS DE ALEGRIA NA PONTE SALAZAR

Albano Martins era, em 1974, professor de Economia numa escola alentejana. Naquele dia, quando soube que tinha havido um golpe de estado, estava num autocarro Setubalense, em plena Ponte Salazar, que viria a mudar de nome, precisamente, para Ponte 25 de Abril. Dentro do autocarro, “toda a gente deu pulos, aquilo foi uma festa”.

O dia tornou-se o símbolo da liberdade. “Embora a liberdade, depois do 25 de Abril, tenha sido utilizada de alguma forma mais corrupta por governos que sucessivamente que foram usando do voto popular para criar as suas elites e benesses para os seus membros”, lamenta o economista.

“As coisas não foram fáceis, sobretudo depois de tantas décadas sem liberdade e as coisas fizeram-se com muita complicação, muitas lutas. O combate político é importante, o que não é importante é as clientelas políticas, essas não são importantes e têm de ser afastadas”, comenta.

Há quase 40 anos em Macau, Albano Martins sublinha que a data “marcou o fim da ditadura”. E isso, “sobretudo em Macau, as pessoas não se podem esquecer”. “A importância de assinalar a data cá [em Macau] é de apenas relembrar as pessoas de que nada se faz sem sacrifício. É importante que toda a gente se sacrifique um pouco por valores que são muito importantes e que não se deixem intimidar”, afirma, concluindo: “A liberdade não é apenas poesia, a liberdade vê-se o dia-a-dia”.

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

UMA FREQUÊNCIA ADIADA

Tereza Sena estava em Lisboa, tinha 18 anos e acabara de entrar na faculdade. No dia 25 de Abril tinha uma frequência de Pré-História, mas o pai disse-lhe para não ir. “O meu pai disse para não sair de casa, porque ele sabia. Ele era militar e tinha aderido ao Movimento das Forças Armadas e não deixou que eu saísse de casa”, recorda. Ao longo do dia, foram recebendo as notícias através do rádio com “muito suspense e expectativa”.

Não saiu à rua no 25 de Abril, mas saiu seis dias depois, no Dia do Trabalhador. “Aí já ninguém me agarrou em casa”, ri-se, frisando: “Foi um momento incrível porque toda a gente saiu à rua. Era um ambiente de fraternidade enorme”. Na opinião da historiadora, os princípios básicos do 25 de Abril têm-se mantido vivos, ou seja, “a liberdade, a democracia, o direito a fazermos ver o nosso ponto de vista e a defendermos as nossas opiniões”.

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