10 anos: O pecado (Geo)capital

É um dos nomes do momento em Portugal. A Geocapital  cumpre este ano uma década de actividade, mas continua envolta em mistério. A empresa, com génese em Macau, permanece em silêncio, mas investigadores e académicos que investigam as relações entre a China e África fazem o balanço destes 10 anos. O veredicto? Negativo.

1.Ho

João Paulo Meneses

Paula Roque e Chris Alden têm investigado, a partir de Oxford e de Londres, o investimento chinês em África. E interessaram-se pela Geocapital. No artigo “China em Moçambique: Prudência, Compromisso e Colaboração” lembram que “nenhum dos mega-projectos de agricultura anunciados (no contexto da Geocapital) se materializou”.

Na mesma linha, a investigadora Ana  Cristina Alves – no livro “A Mamba e o Dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva”, de 2012 –  escreve que “apesar de toda a publicidade e das elevadas expectativas geradas em torno dos três empreendimentos da Geocapital em Moçambique, o seu sucesso na canalização de investimentos para o desenvolvimento do Vale do Zambeze é extremamente limitado”.

Ao PONTO FINAL, Ana Alves explica que “a Geocapital entrou com grande estrondo no mercado sino-lusófono, sobretudo pelo perfil do capital politico que estava por detrás da iniciativa e pelas promessas de investimento de larga escala, sobretudo em Moçambique, mas com o passar dos anos a incapacidade de ultrapassar os obstáculos que foram surgindo tornou-se evidente e o vigor inicial da Geocapital acabou por se esfumar”.

A investigadora, que continua a seguir o financiamento chinês de infra-estruturas em África, mas também na América do Sul e no Sudeste Asiático, reconhece que há 10 anos, quando tudo começou, a empresa fundada em Macau por Stanley Ho, Almeida Santos [entretanto falecido] e Jorge Ferro Ribeiro alcançou uma notória visibilidade (“apesar da sua curta existência, a sociedade tem rentabilizado uma carteira de investimentos impressionante no mundo lusófono”, escreveu), mas que o fulgor se perdeu.

 

BANCOS EM MOÇAMBIQUE. E MACAU?

A Geocapital não prometeu apenas fazer a diferença no sector agropecuário na África Lusófona. Também a área financeira foi um alvo da empresa. Chegaram a ser anunciados bancos de investimento para Timor e Macau, mas as intenções ficaram-se, essencialmente, por Moçambique, onde começou por ser accionista do Moza Banco.

O Moza Banco foi criado no final de 2007 e iniciou as suas operações em Junho de 2008, em associação com Prakash Ratilal, um alto funcionário da FRELIMO e ex-presidente do Banco de Moçambique. No final de 2010, a Geocapital vendeu 25,1 por cento da sua participação no Moza Banco, por 9,5 milhões de dólares, à filial africana do extinto Banco Espírito Santo.

Numa primeira fase a Geocapital ainda ficou com uma pequena parte do Moza, mas acabou por sair. Em 2014 foi anunciado o regresso ao sector bancário de Moçambique, agora no Banco Mais (antigo Banco Tchuma), em parceria com um fundo de investimento da Tunísia, Tuninvest.

A empresa tem também, segundo o seu portal na Internet (que, contudo, parece não ser actualizado há bastante tempo e não é apenas por manter Almeida Santos como presidente da Assembleia Geral) participações em bancos da Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Mas sem Angola –  onde a empresa se limitou a uma parceria estratégica com a Global Pactum e com o Banco Privado Atlântico, que associa a petrolífera estatal Sonangol – e sem Macau, a estratégia global da Geocapital não se confirmou. O que aconteceu aos planos para estes bancos foi uma das questões enviadas pelo PONTO FINAL a Jorge Ferro Ribeiro. A dúvida ficou sem resposta (ver caixa nestas páginas).

Ainda assim, e através de uma tese de mestrado feita em 2012  por Susana Pereira, uma antiga estagiária na Geocapital em Macau, fica a saber-se que os planos passavam na RAEM pela “criação de um novo banco de investimento  a ser criado em parceria com o Banco Privado Atlântico, um parceiro da Geocapital em Angola que será a âncora para a concretização da plataforma bancária comum, ligando todos os países de língua portuguesa a Macau. Este novo banco tem como objectivo desenvolver o investimento e o comércio entre os PLP´s, China e Macau, onde um dos accionistas, Stanley Ho, tem uma parceria com o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) depois da venda a este do Banco Seng Heng em Macau, que era integralmente detido por aquele que se tornou no ICBC Macau”.

1.Ferro Ribeiro

A APOSTA NA AGROPECUÁRIA

Foi, ainda assim, no âmbito do sector agrícola de Moçambique que as promessas da Geocapital se fizeram mais tangíveis. Ana Cristina Alves explica que “na altura da criação da Geocapital (2005-2006), Maputo procurava investidores para impulsionar o desenvolvimento do Vale do Rio Zambeze – uma área que cobre 28% do território nacional com vastos recursos hidrográficos e minerais e um imenso potencial agrícola. As boas perspectivas de investimentos nos sectores do agronegócio e da energia chamaram imediatamente a atenção da Geocapital”.

“O insucesso na aquisição de uma participação em Cahora Bassa não desmobilizou, porém, as ambições da Geocapital no vale do Zambeze. Em Setembro de 2005, a Geocapital assinou um memorando de entendimento com o Gabinete de Planeamento do Vale do Zambeze, então liderado por Sérgio Vieira, um velho conhecido de Almeida Santos. O objectivo era explorar as oportunidades de desenvolvimento dos recursos naturais, nomeadamente, hidroeletricidade e energia térmica, carvão, gás, agro-indústria, transporte ferroviário, portos, minerais, imobiliário e turismo”, criando uma empresa com mais duas sociedades locais (a ZAMCORP) “para promover o desenvolvimento do vale do Rio Zambeze através do acesso privilegiado ao capital chinês”.

A Geocapital detém –  ou detinha –  directamente 35 por cento. Ana Cristina Alves lembra que a empresa chegou mesmo a abrir uma filial da corporação  –  a ZAMCORP International – em Hong Kong.

É neste contexto que a investigadora portuguesa, actualmente radicada em Singapura, conclui que “apesar de toda a publicidade e das elevadas expectativas geradas em torno dos três empreendimentos da Geocapital em Moçambique, o seu sucesso na canalização de investimentos para o desenvolvimento do Vale do Zambeze é extremamente limitado”.

 

O QUE FALHOU

“As ligações políticas com o partido no poder têm uma importância fundamental em todos os grandes projectos de investimento em Moçambique – um facto de que tanto os interesses públicos chineses como os privados se aperceberam numa fase ainda precoce. Esta particularidade não é, no entanto, específica dos negócios entre Moçambique e a China, uma vez que reproduz uma fórmula que é comum a todos os outros investidores. Operando sem os vínculos formais ao Estado chinês, de que beneficiam as suas contrapartes públicas, a Geocapital acreditou que podia garantir o acesso a oportunidades de investimento no vale do Rio Zambeze através das suas estreitas relações pessoais em Moçambique”, escreve Ana Cristina Alves.  “Esta ousada iniciativa, que terá gerado frutos noutros países lusófonos, confiava, em grande parte, nas redes pessoais e no conhecimento local para superar obstáculos locais e proporcionar projectos sólidos para a empresa. Não obstante estas redes terem superado dificuldades que teriam impedido qualquer outra instituição de penetrar no mercado moçambicano, de um modo geral a Geocapital atingiu resultados muito aquém do esperado, particularmente no que toca à atracção de investimentos para o vale do Zambeze”, concluiu a investigadora, no texto já citado.

Ao PONTO FINAL, Alves sintetiza as conclusões a que chegou, ressalvando que seria necessária uma investigação “com mais profundidade”: “A minha impressão é que interesses divergentes dentro do grupo, obstáculos institucionais e fricções de interesses nos países-alvo ditaram o fracasso da iniciativa”.

 

“CAPITAL POLÍTICO”

Outro autor que se interessou nestes anos pelo papel da Geocapital foi Ross Anthony. No ano passado, Anthony  escreveu que a “Geocapital  tem usado relações pessoais com as elites de Moçambique para garantir negócios, ultrapassando os normais obstáculos administrativos, o que lhe terá permitido dissuadir outros concorrentes”.

Confrontada pelo PONTO FINAL com esta afirmação, Ana Cristina Alves disse concordar “em grande parte. A grande mais-valia da Geocapital era sem duvida o capital politico – guanxi –  com as elites governantes…”.

“À margem do Fórum Macau, foi surgindo gradualmente, nos círculos internos da elite financeira de Macau, a ideia da criação de um fundo de investimento privado luso-chinês com o objectivo de canalizar investimento chinês para os países lusófonos. Este fundo privado materializou-se em 2006, sob o nome de Geocapital, através de uma sociedade conjunta liderada pelo magnata de Hong Kong, Stanley Ho, e por um financeiro lusófono (Jorge Ferro Ribeiro). Um olhar mais atento sobre as principais figuras da Geocapital revela o papel decisivo desempenhado pelas relações pessoais entre capital financeiro e político na criação deste empreendimento”, lê-se em “A Mamba e o Dragão. Relações Moçambique-China em perspectiva”.

A autora não releva apenas Stanley Ho e Ferro Ribeiro: “As restantes principais figuras deste fundo de investimento luso-chinês têm ligações políticas bastante vantajosas. O eminente membro do Partido Socialista português, Almeida Santos, possui 5 por cento da Geocapital e é presidente da assembleia-geral. Almeida Santos é ex-presidente do Parlamento português (1995-2002) e tem fortes ligações pessoais, políticas e económicas à FRELIMO em Moçambique”, recordava a investigadora na obra publicada há quatro anos. E há ainda Ambrose So, um dos três administradores da Geocapital, “empresário chinês com ligações directas ao império de Stanley Ho e à nomenclatura política chinesa”.

E se a Geocapital é filha do Fórum Macau, Ana Cristina Alves lembra uma diferença que no início fez toda a diferença: “O Fórum Macau tem tido dificuldade em mobilizar capital privado chinês para investir no mundo lusófono seguindo uma abordagem inter-governamental”, remata a investigadora

 

 

Perguntas sem resposta

 

A ideia de um artigo sobre os 10 anos da Geocapital começou a ser preparada há três meses.

Na altura, foi enviado um email para o escritório da Geocapital nos arredores de Lisboa, ao cuidado de Ferro Ribeiro.

O director executivo da empresa –  Stanley Ho mantém-se como presidente – demorou poucos dias a devolver o contacto. Telefonou para dizer duas coisas: por um lado, que tinha todo o gosto em responder, mas que o assunto justificava um encontro. Por outro, que considerava uma boa ideia um artigo sobre os 10 anos de actividade da empresa, porque também teriam coisas para contar.

Ficou, então, combinado que Ferro Ribeiro iria ver a melhor altura na agenda para esse encontro, acertado para o Porto, mas em três meses o director executivo da Geocapital não se pronunciou. Nem sobre o encontro, nem sobre os emails enviados por este jornal.

Além de inquirir sobre o anúncio da constituição de bancos em Macau e Timor (chegou a ser anunciado o nome de Banco Timorense de Investimento), o PONTO FINAL quis saber como estavam os investimentos nos países lusófonos, sobretudo Angola e porque razão não avançaram os projectos para Cahora Bassa ou na área dos biocombustíveis.

Na mesma lista estava a situação da estrutura da Geocapital em Macau, já que várias notícias deram conta de dificuldades, nomeadamente dívidas a fornecedores e colaboradores e do encerramento da representação da empresa em Macau, além da demissão de Albano Martins.

 

3.Caixa Lacerda Machado

O negócio português

 

Dos raros negócios feitos em Portugal pela Geocapital, há um que se destaca: um negócio, que volvidos dez anos, continua a ser  tão lucrativo como polémico.

Foi em 2005 que a TAP (que ficou com uma participação de 15 por cento) e a Geocapital (com 85 por cento) adquiriram a brasileira Varig Engenharia e Manutenção (VEM).

Mas em 2007, a Geocapital  alienou a  sua participação na VEM à TAP com um prémio de 20 por cento: a companhia aérea portuguesa pagou 25 milhões de dólares em vez dos 21 milhões inicialmente previstos.

No centro de decisão está Diogo Lacerda Machado, então administrador da Geocapital, que depois da compra à Varig passou a ser administrador não executivo da TAP Manutenção e Engenharia Brasil, como foi rebaptizada a empresa comprada em 2005.

A TAP Manutenção e Engenharia Brasil é considerada um dos maiores problemas da transportadora portuguesa, responsável por uma parte dos prejuízos anuais. Informações não desmentidas dizem que desde 2007 a TAP já perdeu mais de 4,4 mil milhões de patacas com esta unidade de negócio.

O advogado Diogo Lacerda Machado esteve esta semana no parlamento português, por requerimento do PSD, que exige explicações sobre o processo e o seu papel como “negociador”, numa polémica adensada pelo facto do primeiro-ministro português, António Costa, ter reconhecido que Lacerda Machado se trata do seu melhor amigo.

Como administrador da Geocapital, o advogado foi ou é presidente do Banco da África Ocidental (Guiné-Bissau) e vice-presidente da Caixa Económica de Cabo Verde. Entre 1988 e 1990 trabalhou com o então secretário-adjunto para a Justiça, Magalhães e Silva, em Macau, nomeadamente na preparação do sistema de administração judicial para a transição do território e na modernização da legislação de Macau.

 

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