“Macau integrar-se-á totalmente na China, antes até de 2049”

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Em 1996, Chan Chak Mo propôs-se ocupar uma das oito vagas existentes no hemiciclo do território para os deputados eleitos pela via directa. Ficou em 10.º lugar. Em 2001, optou pela via indirecta – a qual considera mais “fácil” – e é desde então deputado. Para o empresário e presidente da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, é natural que os deputados defendam os seus interesses no hemiciclo. Frontalmente contra a limitação do número de turistas, Chan Chak Mo considera crucial o desígnio de transformar Macau num centro internacional de turismo de lazer. Céptico, o deputado duvida que a estratégia “Uma Faixa, Uma Rota” possa beneficiar Macau. Pragmático, acredita que a integração na República Popular da China pode acontecer ainda antes de 2049. Chan Chak Mo em entrevista ao PONTO FINAL.

Isadora Ataíde

– Como se tornou um homem de negócios?

Chan Chak Mo – É uma história muito interessante, porque o meu primeiro emprego foi na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, no casino do Hotel Lisboa, em 1979. A minha educação foi feita nos Estados Unidos e eu recebi treino em Las Vegas. Quando vim para Macau, achava tudo muito diferente. Então falei com o chefe e disse que precisávamos de serviços, de infra-estruturas, para trazer mais jogadores para o Hotel Lisboa. Sugeri que necessitávamos de bons restaurantes, de centros de beleza e de espaço para as crianças brincarem. Em Las Vegas os casinos são orientados para as famílias: os pais vão jogar e deixam as crianças a brincar, e depois disso precisam de um bom espaço para jantar. O meu patrão disse que sim, disse “faça isso”. Então abri um parque para crianças em 1987 e depois criei um bar e um restaurante.

– Os seus negócios estão a ser afectados pela contracção das receitas do jogo?

C.C.M. – Sim, definitivamente, especialmente os restaurantes de alto nível. As áreas com produtos de alto custo são as mais afectadas, como o sector das jóias e dos produtos electrónicos.

– A campanha anticorrupção, lançada pelo Governo Central, é responsável pela queda das receitas?

C.C.M. – Eu não creio que haja um responsável. Penso que as coisas estão a mudar e as pessoas já não gastam tanto como antigamente. O crescimento a que assistimos desde 2004, com a abertura dos primeiros mega-casinos, não é sustentável. Não se pode estabelecer uma relação directa entre a campanha anticorrupção e a queda das receitas no sector do jogo. A campanha é apenas contra os funcionários públicos na China. Eu acredito que as pessoas estão mais preocupadas em fazer dinheiro e não em perder dinheiro nas mesas de jogo. Não me parece que a política do Governo chinês as afecte, porque ninguém se importa sobre onde você joga. Ninguém quer saber se aposta em Macau, em Singapura ou em Las Vegas.

– No seu entender, que medidas podem favorecer a recuperação da economia?

C.C.M. – A meu ver, temos de mudar a nossa estratégia significativamente, tendo como exemplo Las Vegas. Eles já não se concentram apenas no jogo. Têm restaurantes, clubes nocturnos, comércio, convenções, hotéis e parques. Eles souberam diversificar. Eu creio que temos de fazer o mesmo, até porque quando o nível educacional das pessoas cresce, elas passam a jogar menos. Macau tem de se tornar um destino turístico.

 

– Nesse âmbito, concorda com a limitação do número de turistas?

C.C.M. – Essa é uma pergunta difícil, mas é muito complicado reduzir o número de turistas. Se aplicarmos esta política, outros poderão fazer o mesmo connosco. É um princípio básico. Temos um forte argumento, que são as limitadas estruturas de Macau, nomeadamente o espaço. Penso que devemos diversificar os nossos turistas e, para tal, temos de atrair turistas internacionais a partir de Hong Kong. Também é preciso aumentar a duração das visitas: quanto mais tempo as pessoas ficam, mais elas gastam. As pessoas que visitam Macau por cinco horas não gastam muito em comida e souvenirs, não gastam em hotéis. Se você vem de longe, fica aqui pelos menos três ou cinco dias e isso pode ser uma boa notícia para nós. Eu não creio que devamos limitar o número de turistas, porque quanto mais pessoas visitam um local, mais atractivo o sítio se torna. É preciso mais investimentos em aspectos turísticos, como infra-estruturas, atracções, museus e parques. Os novos hotéis, por que razão estão a ser construídos? Para poderem receber mais visitantes.

– Gizou alguma estratégia tendo em vista o investimento na área de Hengqin, da Zona de Comércio Livre de Guangdong?

C.C.M. – A meu ver, a zona precisa de mais apoio governamental, tanto de Macau como da China. O Governo de Macau tem feito muito em prol das pequenas e médias empresas, assegurando uma área para mais de 30 projectos, além de espaço para construir habitação, não tenho certeza. Eu penso que o Governo segue na direcção certa. Mas a partir de agora é preciso chutar a bola para o Governo chinês, porque é muito difícil investir numa nova área comercial. Há muita regulação, muitas agências, quem investe precisa de licenças, de edifícios, há a questão dos impostos, e nunca se sabe quem tem a decisão final, quais são as políticas de favorecimento para alguns tipos de negócio. É fácil dar terra, mas e o dinheiro? E edifícios para as pessoas que vão para lá trabalhar? É fácil para o Governo Central apontar as directivas, mas ao longo do caminho há muitas instâncias governamentais e é difícil concretizar os negócios. Transformar uma área de agricultura numa área de negócios é muito difícil. É preciso dinheiro e é preciso tempo. Por exemplo, a zona de comércio livre de Xangai, foram precisos 25 anos para que alcançasse sucesso e eles têm montes de dinheiro. Acredito que a zona de Guangdong terá sucesso, eles têm o apoio do Governo Central e empresas multinacionais, mas o mesmo não se passa em Macau.

– Mas são quais ao certo os seus projectos para a Ilha da Montanha?

C.C.M. – Eu tenho um terreno. Estamos a trabalhar no design e na arquitectura do edifício.

– Pensa que Macau poderá beneficiar das estratégias ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e ‘Rota Marítima da Seda’?

C.C.M. – Algumas pessoas beneficiam destas políticas, eventualmente o sistema económico de Macau e o Governo, mas para as pessoas comuns é difícil. Estou a falar de empresas locais, que não estão listadas em lugar nenhum. Para estas não será possível. Para a estratégia “Uma faixa, Uma Rota” serão precisas grandes empresas transnacionais, familiarizadas com um ambiente internacional de negócios. Macau não vai ficar para trás devido ao princípio “Um País, Dois Sistemas”, porque tudo o que acontece em Hong Kong nos inclui: as mesmas políticas que chegam lá aplicam-se aqui. O Governo Central inclui Macau política e geograficamente nas suas estratégias e, no meu entender, podemos beneficiar no aspecto turístico.

 

– E Macau enquanto plataforma para os negócios entre a China e os países de língua portuguesa?

C.C.M. – Como plataforma, muitas empresas dos países de língua portuguesa podem vir para cá e fazer negócios. Parece que, teoricamente, Macau é forte em língua portuguesa e pode fazer esta conexão. É uma grande ideia, mas ainda não consegui perceber como é que os residentes locais beneficiam desta plataforma. Eu penso que a política do Governo Central em relação a Macau e Hong Kong é muito clara, inclusive desde antes de transição. Macau tem de se concentrar no turismo e Hong Kong no sector financeiro. Eu acredito nestas directivas políticas.

 

– Como entrou no mundo da política?

C.C.M. – Nos anos de 1980, antes da liberalização do jogo, o Hotel Lisboa era o centro do universo. Eu não me preocupava muito com o que acontecia do lado de fora e nem sequer tinha muitos amigos do lado de fora. Em 1995 alguém me convidou para entrar na política e eu disse “não, eu sou um homem feliz”. O meu patrão também disse que não era uma boa ideia, porque eu tinha de me concentrar nos negócios.

– Quem o convidou?

C.C.M – Não posso dizer. É alguém conhecido. Quando finalmente me convenceram, eu candidatei-me através da via directa em 1996, junto com Chui Sai On. Naquela altura havia apenas oito membros eleitos na Assembleia Legislativa (AL). Chui Sai On ficou em nono lugar e eu em décimo. Havia muita corrupção…Falhei a primeira vez, pensei que era muito difícil, que era ridículo, e que não estava no meu sangue comprar votos. Resolvi concentrar-me nas eleições indirectas e em 2001 fui eleito.

– É mais fácil ser eleito pelo sufrágio indirecto?

C.C.M. – Sim, claro. Apenas precisa de controlar a organização que o apoia.

 

– O que mudou desde o fim da administração portuguesa?

C.C.M. – Não houve uma mudança tão grande quanto em Hong Kong. Antes dos ingleses saírem, eles colocaram muitos mecanismos em funcionamento, inclusive no que diz respeito à Lei Básica. Mas esta é a mentalidade política dos ingleses. Em Macau foi completamente diferente, porque os portugueses apenas queriam sair, ir-se embora. Estavam cá há muito tempo. Durante a Revolução Cultural também quiseram ir-se embora. Quando aconteceu a transição, em 1999, estava tudo vendido, eu penso que foi uma transição muito suave. O que quer que se quisesse fazer com o sistema político, o que quer que se quisesse colocar na Lei Básica, eu não poderia dar uma opinião, porque era o lugar deles. Então foi permitido na Lei Básica uma série de coisas que estão a acontecer agora, mesmo no que toca ao funcionamento da Assembleia, com membros eleitos directa e indirectamente e membros escolhidos pelo Chefe do Executivo. Para mim, depois de 1999, a principal mudança foi a segurança. Mudou da noite para o dia. Macau tornou-se o lugar mais seguro do mundo em alguns meses.

– A Assembleia Legislativa precisa de mais poder?

C.C.M. – Eu creio que temos poder no sentido de que o Governo tem de explicar tudo o que está a fazer. Está a ser introduzida uma nova lei do orçamento, para que possamos supervisionar o seu progresso. É um bom sistema: o Governo é eficiente e temos bons secretários. Se me perguntar se dentro de 10 anos poderíamos ter um processo político que incluísse todas as pessoas, eu penso que ainda não estamos preparados. Precisamos das pessoas certas para a tarefa e não temos pessoas suficientemente qualificadas em Macau. Estou a falar de milhares de pessoas qualificadas, de todo o sistema de administração. É por isso que tudo é lento.

 

– Mas Macau deve acompanhar Hong Kong na reforma política, tendo em vista o sufrágio universal?

C.C.M. – Tudo depende do ângulo pelo qual se olham as coisas. Singapura é vista como um bom lugar. Eles têm um ditador, mas é um bom ditador. Não é o sistema, são as pessoas. É claro que não devemos olhar para o modelo de Hong Kong. Olhe para eles agora! Tudo depende do momento e da pessoa no poder, só depois depende do sistema político e da macroeconomia. Eu vejo um conjunto de mudanças nos novos secretários: eles partilham o que pode ser feito, o que está a acontecer. Este comportamento é promissor.

– Quais são os desafios que enfrenta por liderar a 2.ª Comissão da Assembleia Legislativa?

C.C.M. – A questão mais importante é como os deputados votam na generalidade. Se a minoria votou contra, digamos dois deputados, fica mais fácil, pede-se para o Governo explicar, tirar dúvidas. Mas se houve muitos votos contrários na generalidade, o trabalho será duro. A parte mais difícil é quando não se conhece bem a legislação, são precisas muitas reuniões com os assessores, entre os assessores da AL e os do Governo. É claro que está escrito na lei, mas não será o mesmo quando a lei for executada e é preciso fazer as perguntas certas. É óbvio que temos discordâncias com o Governo, mas em algumas coisas conseguimos convencê-los.

– Porque é que o Governo precisa de quatro anos para generalizar o salário mínimo?

C.C.M. – O problema não é o Governo. O problema coloca-se entre os trabalhadores e os empresários: é preciso que haja acordo na concertação social. É um problema político, não é uma questão técnica. As coisas não andam porque há sempre conflito na concertação social. Agora espera-se que não haja mais discussão.

 

– O deputado Pereira Coutinho defende que os deputados tomam as suas decisões no hemiciclo de acordo com os seus interesses económicos…

C.C.M. – Ele tem razão. É claro, todos têm interesses. No meu caso eu represento um sector, eu falo por eles, é claro que eu falo pelos meus. Isso acontece em todo os lugares.

– Com imagina Macau depois de 2049?

C.C.M. – Vai ser uma transição mais suave do que em Hong Kong. Eu penso que em alguns aspectos vai acontecer em poucos anos, mas espero que não. Num período de 15 anos eu creio que a China vai estar muito mais avançada em termos económicos e Macau não vai ter qualquer problema. Definitivamente, Macau vai integrar-se totalmente na China, até antes de 2049. A maioria das pessoas na China está feliz com a vida que leva, independentemente do sistema político.

– Que estimativa faz da sua fortuna?

C.C.M. – Eu não sei. Eu não conto. Digo-lhe a verdade.

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