Bailarico erudito

Para saber por onde começar o Festival Internacional de Música, socorremo-nos dos conselhos de quem já sabe que bilhetes comprar. A festa dos sons arranca domingo e vai até Novembro.

Maria Caetano

A música não é um mundo, mas muitos. E o programa do Festival Internacional de Música de Macau (FIMM), que arranca no próximo domingo, cobre vários, ainda que se possam apontar ausências. Dos clássicos eruditos aos populares, passando pelo jazz, tango, pela ópera tradicional cantonense, pelo cancioneiro latino renascentista, pela pop, e por fenómenos inclassificáveis, como os portugueses Blasted Mechanism – a cruzar sonoridades populares balcânicas com a electrónica – e vá-se lá saber o que mais.

Para aqueles a quem as palavras música de câmara provocam um imaginário sombrio, e para os que ainda não conhecem repertórios populares como o de Teresa Teng, diva eterna das baladas em mandarim e ‘hit’ de qualquer casa de karaoke, podem muito bem estar reservadas algumas surpresas. Para conhecer novos mundos, há que arriscar.

Mas também quem queira referências antes de partir em descobertas, pode recorrer a conselho. A abertura do festival reserva um dos dois grandes momentos a não perder no que toca ao repertório sinfónico clássico: a filarmónica de Colónia Gürzenich-Orchester, que chega da Alemanha, toca a primeira sinfonia de Brahms.

Tiago Pereira, organizador dos ciclos de música de câmara do Clube Militar, já segurou o bilhete para o espectáculo de estreia do FIMM e recomenda: “O programa é muito bom. Vão tocar a primeira sinfonia de Brahms, que é uma das mais bonitas. E, depois, é uma excelente orquestra”.

Este concerto, o recital de piano de Yundi Li, o concerto da Orquestra de Macau com Jiang Wang, as óperas “Dido e Eneias”, de Henry Purcell, e “Il Tovatore”, de Verdi, as actuações de Cello Project e do Quarteto de Cordas Sine Nomine com Oliver Triendl são os espectáculos “que estão na primeira linha” das preferências deste engenheiro com um fraquinho pela erudição musical.

O segundo grande momento sinfónico do cartaz é protagonizado pela Orquestra de Macau, em parceria com o violoncelista Jian Wang, num encontro “romântico”, dirigido pelo maestro Lu Jia, que acontece a 9 de Outubro. Do programa fazem parte o Concerto para Violoncelo e Orquestra em Si Menor do compositor checo Dvořák e a primeira sinfonia do austríaco Gustav Mahler.

“As duas sinfonias, a de Brahms e a de Mahler, são consideradas por muita gente como as grandes primeiras sinfonias de sempre. São peças especiais, e vão ambas ser tocadas neste festival”, destaca Tiago Pereira.

Vasco Passeira, melómano interessado por repertório antigo, não falhará também este concerto, precisamente “pela 1ª de Mahler, pela densidade harmónica do romantismo tardio”. “A obra é longa e por vezes difícil para o ouvinte, pelo que não tolera interpretações sofríveis”, ressalva.

Sobre esta parte do programa da actual edição do FIMM, Tiago Pereira destaca ainda a presença de Jiang Wang, cujo prodígio foi descoberto durante a gravação de um documentário sobre o violinista Isaac Stern. Tem desde então tocado com as principais orquestras mundiais. “Já esteve cá no ano passado e deu um excelente concerto, na abertura da temporada 2009/2010. Este é o retorno dele a Macau, e vai tocar o concerto para violoncelo de Dvořák, que é também uma das grandes peças do género”, avisa.

Celebrar Chopin

Das escolhas de Vasco Passeira, há ainda mais que saber. Inclina-se também para o recital de piano de Yundi Li (segunda-feira), para a actuação do Quarteto Henschel (na terça), para o concerto da Orquestra de Câmara de Munique (a 24 de Outubro), para o Cello Project de Eckart Runge e Jacques Ammon (a 26 de Outubro), para o português Concerto Atlântico (10 de Outubro) e também para a mistura “bizarra” de Blasted Mechanism (a 1 de Novembro).

Passeira confessa não conhecer Yundi Li, mas o selo da Deutsche Grammophon com quem o pianista já gravou costuma ser sinónimo de “qualidade garantida”, aponta. Por outro lado, o programa deste que é o segundo dia de concertos do FIMM apresenta cinco peças de Chopin, de quem se comemora este ano o 200º aniversário de nascimento. “As obras escolhidas, apesar de tecnicamente muito exigentes, possuem uma beleza etérea que a obra de Chopin sempre traz consigo – especialmente os Nocturnos”, defende. “A Grand Polonaise Brillante – também incluída – é empolgante!”, sublinha vivamente.

“Yundi Li é um dos grandes intérpretes de Chopin”, recorda também Tiago Pereira sobre o vencedor do Concurso Internacional de Piano Chopin – primeiro pianista a sê-lo num período de 15 anos, e primeiro músico chinês a recolher a distinção. “Um concerto a não perder!”, insiste o próprio programa redigido pela organização do festival de Macau.

Quanto ao Quarteto Henschel, chega da Alemanha com dois violinos, uma viola e um violoncelo e com a fama de ser “um dos mais importantes” agrupamentos de cordas da actualidade, premiados internacionalmente em interpretações de Mozart, mas também de autores mais contemporâneos. “O quarteto de cordas é a minha formação favorita e, só por esse facto, apetece ir”, explica Vasco Passeira, que apenas lamenta que o programa de concerto não inclua Beethoven, “cujos quartetos, em especial os tardios”, estão entre as suas “obras favoritas”.

As óperas do FIMM estão também entre as predilecções de Tiago Pereira. “Tanto uma como outra são peças de referência, embora diferentes”, diz sobre os libretos ocidentais “Dido e Eneias”, com música de Henry Purcell, e “Il Trovatore”, por Verdi.

Além destas, contam-se no FIMM duas histórias clássicas da ópera cantonense – “O Gancho de Cabelo Púrpura” e “O Pavilhão da Lua” – que serão interpretadas a 6 e 17 de Outubro por uma trupe de Hong Kong, dirigida por Leung Hon Wai. As óperas recebem também a recomendação de “a não perder!” da organização do festival.

“Bach é Bach”

Os Cello Project, com violoncelo do alemão Eckart Runge e piano do chileno Jacques Ammon, tocam a 26 de Outubro um repertório eclético, onde cabem Bach, Rachmaninov, o tango orquestral de Jacob Gadé e os clássicos de Gardel e Piazolla, bem com uma peça do pianista de jazz russo Nikolai Kapustin. Vasco Passeira vai “pela peça de Bach – Bach é Bach – e pelo Medley de obras de Piazzolla”. “Promete!”, antecipa.

Tiago Pereira reitera e explica por que não faltará também ao concerto do Quarteto de Cordas Sine Nomine e do pianista alemão Oliver Triendl, a 2 de Novembro. “Gosto muito do quinteto de piano [em Mi-bemol Maior] do Schumann e, além disso, são excelentes músicos”, diz. O programa inclui ainda uma peça de Mozart e outra de Ravel.

Já Vasco Passeira não quer perder, pela Orquestra de Câmara de Munique, a obra que vai ser executada de Bela Bartok e a quinta sinfonia de Schubert, “em especial o primeiro andamento – é daquelas obras em que se torna impossível não marcar o ritmo com o pé”. Diz que não é “doido por coros”, mas cede desta vez perante o Ave Verum Corpus de Mozart que o Coro do Teatro Nacional da Eslováquia leva à Igreja de São Domingos a 28 de Outubro. “Valeria, por si só, para sair de casa, nem que granize!”, garante.

E, por certo também, tentará estar na primeira fila do espectáculo dos Concerto Atlântico, dirigidos pelo músico e investigador português Pedro Caldeira Cabral. “Admiro muito o Caldeira Cabral e delicio-me com o que se fez em Portugal na música Antiga e no Renascimento”, explica. “Tenho pena que o programa não inclua o meus favoritos, Estevão Morago e Diogo Días Melgaz, mas são obras vocais e a formação do Pedro Caldeira Cabral não dava para isso”, assente.

E onde Tiago Pereira até dispensava presença – “há coisas muito melhores”, diz –, Vasco Passeira vê uma oportunidade imperdível. Blasted Mechanism primam, avança, por “um espectáculo irreal” por “uma concepção de indumentária bizarra”. “O vocalista canta numa língua inventada. Vale a pena ir!”, reforça sobre o idioma onde o popular “Nadabrovitchka” equivale – diz-se – a carrinhos-de-choque.

“Preços mais simpáticos”

As escolhas dos “consultores” do PARÁGRAFO não recaíram sobre a actuação do Coro Juvenil da Mongólia Interior, ou sobre o concerto comemorativo do 15º aniversário da morte de Teresa Teng, entre outros. O que não significa que não haja razões para estar presente.

O agrupamento de 48 jovens cantores trará danças e canções populares mongóis, sob direcção da maestrina Yalun Gerile, ao som de instrumentos tradicionais como o violino ‘morin khuur’ ou a cítara ‘yatga’. Já o concerto de homenagem a Teresa Teng, pela cantora Lily Chen, conduzirá à nostalgia uma plateia que tenha presenciado a década de 1980 da pop chinesa, com temas tão imortais como “Yue Liang Dai Biao Wo De Xin”.

“Nestas coisas não há dispensáveis”, aponta Vasco Passeira, que em podendo irá ver os concertros das suas preferências. Se tiver oportunidade, irei ver aquilo que mais me atrai. “O resto deixo para quem gosta. Quanto mais variedade, melhor!”.

O programa do FIMM, diz, “aborda várias épocas, estilos e formações”, e deixa elogios à iniciativa. “Pela minha parte, gostaria de ter mais recitais de instrumento solo. Eventualmente, uma coisa tipo Festa da Música, como a que o CCB [o Centro Cultural de Belém, em Lisboa] costumava organizar”. O advogado gostaria também de poder assistir a festivais temáticos “em torno de um só compositor, época ou instrumento”. E  acrescenta que “os preços dos recitais pagos podiam ser mais simpáticos”.

Tiago Pereira admite que “há uma preponderância de música erudita”, mas diz haver razões para isso: “Há de facto um público grande para a música erudita em Macau. E, dentro desta, a variedade é muito grande”.

“Seria interessante haver um bocadinho mais de música contemporânea, mas mesmo assim acho que o programa é bastante rico em termos de variedade”, aprecia.

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