Pedro Chiang entregou-se às autoridades portuguesas

221009O empresário Pedro Chiang, alegado envolvido no processo de corrupção do ex-secretário Ao Man Long, entregou-se às autoridades portuguesas, segundo apurou o PONTO FINAL. O seu defensor, João Miguel Barros, confirmou já o sucedido. A esta hora, as autoridades da RAEM já devem ter sido informadas por Lisboa. Mas é pouco provável que Macau consiga a extradição do alegado corruptor de Ao Man Long.

Isabel Castro

Foi um dos primeiros nomes a aparecer nos jornais como estando relacionado com o escândalo de mega-corrupção do ex-secretário Ao Man Long, e tem vindo a ser dado como estando em parte incerta pelas autoridades de investigação criminal do território, que chegaram mesmo a emitir um mandado de busca internacional.
Ontem ficou a conhecer-se o seu paradeiro: de acordo com fonte do PONTO FINAL, Pedro Chiang está em Portugal. O empresário, que tem nacionalidade portuguesa e cambojana, entrou no país sem qualquer problema e dirigiu-se voluntariamente à Procuradoria-Geral da República.
Ao que este jornal apurou, o facto já terá sido comunicado ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC) e ao Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância (TUI). Ontem, não foi possível, em tempo útil, obter a confirmação da recepção da informação por parte das autoridades da RAEM.
Já o advogado do empresário, João Miguel Barros, confirmou ao PONTO FINAL a decisão tomada pelo seu cliente. “Pedro Chiang está em Portugal, entrou legalmente no país. É verdade essa notícia”, disse. “Quando se apresentou às autoridades portuguesas, Pedro Chiang deu-lhes a conhecer que estava a ser divulgado um mandado da Interpol promovido pelas autoridades de Macau”, esclareceu o defensor do empresário. “Na sequência dessa apresentação voluntária, manifestou a vontade de ser sujeito a investigação criminal e eventual julgamento pelas autoridades portuguesas.”

Lisboa não extradita

A apresentação voluntária de Pedro Chiang à Procuradoria-Geral da República Portuguesa demonstra, por si só, que o empresário não tem qualquer vontade de que o seu processo seja avaliado pelas autoridades da RAEM. No entanto, será natural que as autoridades de Macau queiram trazer o arguido para ser aqui julgado, atendendo ao mandado de detenção emitido e aos acordos de cooperação em matéria penal.
Sobre esta questão, João Miguel Barros recorda que existem mecanismos de cooperação judiciária, mas prefere não antecipar qualquer cenário, até porque, nesta fase do processo, é necessário ver quais serão os passos dados pelas autoridades locais. “Não sei qual vai ser a decisão das autoridades de Macau. Há várias possibilidades para serem seguidas, depende da opção do Ministério Público”, diz.
Macau e Portugal celebraram, em Janeiro de 2001, um acordo de cooperação jurídica e judiciária, que obriga, entre outros aspectos, à comunicação de actos judiciais em matéria penal e ao auxílio na captura e entrega de arguidos. Porém, a Constituição da República Portuguesa determina expressamente, no seu artigo 33º, que “a extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo”.
Especialistas em Direito Penal e fonte da magistratura portuguesa contactados pelo PONTO FINAL entendem ser bastante difícil a Macau – se não mesmo impossível – conseguir a extradição de Pedro Chiang, precisamente por ter nacionalidade portuguesa. No entanto, “Estado que não extradita, julga”, realçou um dos especialistas contactados. Se as autoridades portuguesas entenderem haver matéria para levar Pedro Chiang a tribunal, Macau terá de enviar provas e daqui deverão sair também as testemunhas.

O mandado, o CCAC e o JIC

Na entrevista concedida ontem ao PONTO FINAL, João Miguel Barros voltou a lamentar a atitude do Comissariado contra a Corrupção em todo o processo que envolve o seu cliente. O advogado – autor de duas queixas-crime sobre violação de segredo de justiça e de uma petição à Assembleia Legislativa referentes, precisamente, ao CCAC – tem novas razões de queixa em relação ao órgão de investigação criminal liderado por Cheong U. Desta feita, na origem do desagrado do causídico está o conteúdo do mandado de detenção de Pedro Chiang.
O documento, promovido pelo CCAC, foi emitido através do gabinete da Interpol de Macau, que o difundiu a nível internacional. Segundo o mandato, o empresário é procurado por “crimes que envolvem o uso de armas/ explosivos, fraude e branqueamento de capitais”.
Ora, em Maio passado, quando se realizou o debate instrutório, a magistrada do Juízo de Instrução Criminal determinou que o mandado de detenção fosse alterado, por não corresponder à verdade que o arguido seja procurado por crimes que envolvem armas e explosivos. Acontece que, passado meio ano, no site da Interpol continua a estar publicado o mandado original.
“Pedro Chiang já foi acusado, já foi pronunciado, não há nenhum crime de armas nem de explosivos”, vinca João Miguel Barros. “O CCAC quis criar a imagem de que ele é um perigoso terrorista, para fazer esta pressão sobre as pessoas que é absolutamente insuportável, para dificultar os seus movimentos.” O advogado salienta que, apesar dos meses decorridos desde então, “a determinação do tribunal não foi cumprida”, acrescentando já ter alertado as autoridades da RAEM sobre a questão. “Fiz uma exposição ao Chefe do Executivo e, até agora, nada aconteceu.”

Sem fuga nem esconderijo

João Miguel Barros realça ser importante esclarecer algumas ideias sobre Chiang para que se “evite a confusão que o CCAC quis criar na opinião pública”. Para começar, atesta o defensor, “Pedro Chiang nunca fugiu de Macau”. O empresário “saiu legalmente, pelas fronteiras do território, quando nem sequer tinha sido chamado para prestar declarações ao Comissariado contra a Corrupção, pelo que não sabia das suas diligências”.
A mesma situação se aplica à mulher de Chiang. “O CCAC fez uma campanha maldosa à volta do nome da mulher, dizendo que ela tinha fugido, quando não é verdade”. O advogado explicou que a cônjuge do empresário “estava fora de Macau, a gozar férias, quando soube que o Comissariado contra a Corrupção queria ouvi-la no âmbito das investigações. Encurtou as férias para vir a Macau apresentar-se voluntariamente” ao órgão de investigação criminal.
Ao contrário do que “o CCAC fez crer à opinião pública”, vinca também, “Pedro Chiang estava em parte certa e não em parte incerta”, o que leva o advogado a afirmar que, “nessa medida, o Comissariado omitiu deliberadamente a verdade”. O defensor sustenta a acusação explicando que o CCAC tentou – de uma forma que considera ilegal – trazer o empresário para Macau. “Nunca conseguiu. Fez passar sempre esta ideia para a opinião pública de que o Pedro Chiang era um perigoso fugitivo, quando sabia exactamente onde é que ele estava”.
João Miguel Barros reitera ainda que, no que ao seu cliente diz respeito, “o CCAC violou grosseiramente o segredo de justiça”. E fê-lo porque, mal se soube dos (à época ainda alegados) crimes de corrupção passiva cometidos por Ao Man Long (entretanto confirmados pelo TUI), foram necessárias várias pessoas para serem “crucificadas em praça pública”. Para alguém ser corrompido, é suposto haver um corruptor.
“A história irá dizer, quando for o julgamento, até que ponto Pedro Chiang é culpado das malfeitorias que o CCAC diz que ele cometeu”, prossegue o advogado, que prefere não se pronunciar, para já, sobre o julgamento do ex-secretário em que os factos em análise estão relacionados com o empresário de origem cambojana.
João Miguel Barros tem vindo a defender, desde o início do processo, que foram usadas provas ilegais para a condenação de Ao Man Long, por terem sido obtidas por meios que violam o disposto no Código do Processo Penal de Macau. A maioria dos documentos exibidos em tribunal foi retirada da casa do ex-secretário pelos investigadores do CCAC, sem que o arguido estivesse presente ou se tivesse feito representar. Mas a matéria é alvo de recurso que está pendente no Tribunal de Segunda Instância, razão pela qual o defensor prefere deixar comentários para mais tarde.
Não obstante, o advogado não deixa de observar o quão “inacreditável” é todo este processo, atendendo ao facto de o TUI, aquando do segundo julgamento de Ao Man Long, ter dado como provados crimes de corrupção passiva que têm, na dimensão da corrupção activa, Pedro Chiang. É que, embora a prova feita e as convicções do TUI não tenham, em termos teóricos, peso nas decisões judiciais que venham a ser tomadas em primeira instância, certo é que, pelo facto de o ex-secretário ter sido julgado separadamente dos vários empresários alegadamente envolvidos, existe a ideia de que, tal como Ao foi condenado por ter sido corrompido, quem o corrompeu conhecerá a mesma sorte.
“Como se já não bastasse todas as presunções de culpabilidade que foram lançadas para a opinião pública, Pedro Chiang vai ter ainda uma dupla presunção de culpabilidade”, diz João Miguel Barros sobre a mais recente condenação de Ao Man Long.
“O que se está a passar em Macau é extraordinariamente grave porque promove-se o linchamento das pessoas. As pessoas são culpadas antes de serem pronunciadas, antes sequer de serem levadas a julgamento e muito antes de serem sentenciadas. Tudo isto não oferece garantias a ninguém”, defende. Por isso, atendendo ao desenrolar do processo, “Pedro Chiang entendeu que o lugar dele para se defender não era aqui, era em Portugal”.
O defensor refere que o empresário, “por não acreditar no modo em que estava a ser feita a investigação criminal em Macau, através do CCAC, e por entender que havia violações grosseiras dos seus direitos de defesa”, percebeu que a melhor maneira de se defender era não regressar a Macau. O que não significa que tal não venha a acontecer. “Pedro Chiang voltará quando entender que tem condições para voltar, que pode ser sujeito a uma avaliação justa e imparcial dos seus actos.”

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