Criatividade e mudança, propõe Agnes

250909Esteve quase para ser eleita, mas não é desta que Agnes Lam se sentará nos lugares reservados aos deputados da Assembleia Legislativa. Com 5386 votos expressos, correspondentes a quatro por cento da contabilidade final das eleições, a cabeça de lista do Observatório Cívico prepara-se agora para voltar a uma actividade de participação cívica e pretende retomar o seu trabalho enquanto comentarista em programas televisivos e na imprensa, que suspendeu para se candidatar. Aos 37 anos, a professora de Comunicação da Universidade de Macau tem como principais passatempos a leitura, a música – aprecia particularmente música clássica  – e também gosta de praticar tai chi e desportos como a natação e o ciclismo. Agnes Lam faz o balanço da sua participação nas eleições e afirma que vai continuar a bater-se pelo voto universal e pela dignificação das actividades culturais. A ex-jornalista promete que esta não foi a sua última tentativa de aceder a um lugar elegível.

Paulo Barbosa

Não foi eleita para a Assembleia Legislativa, mas esteve próxima. Muitas análises feitas às eleições de domingo vão no sentido de que o resultado alcançado pelo Observatório Cívico fará com que venha a ter um papel relevante na política de Macau. Como avalia a sua votação? Foi uma vitória?
A.L. – É lógico que queria ganhar, ser eleita. Essa era a minha ambição, mas aceito a votação e penso que foi um bom resultado.
– Foi a primeira vez que concorreu. Que lembranças vai guardar desta campanha e de todo o processo eleitoral?
A.L. – Mesmo que não tenha ganho o lugar de deputada, sinto que ganhei a esperança de que Macau pode mudar. Muitas pessoas, especialmente na comunidade chinesa, previam que eu não iria ter mais do que três mil votos. Mas a verdade é que muitas mais pessoas concordaram com a minha ideologia e que estão à espera de mais mudanças.
– A votação na sua lista, conjugada com os democratas, demonstra que se começa a manifestar uma tendência de voto mais irreverente em relação aos poderes instituídos?
A.L. – Acho que sim. Há cada vez mais pessoas que vão votar sem fazer as contas a quantos “vouchers” de compras no supermercado lhe oferecem.
– E quais são os seus planos agora, em termos de intervenção política?
A.L. – O Observatório Cívico foi constituído especificamente para estas eleições, não tem o estatuto legal de associação, portanto não poderemos voltar a concorrer com esta estrutura. Mas esta lista foi formada a partir da mesma pequena organização, chamada Energia Cívica. Voltaremos para essa plataforma política.
– Mas no período entre as eleições, como se vão fazer ouvir. Vão organizar debates ou outras iniciativas?
A.L. – Sim. Dado que não fui eleita deputada, o impacto será diferente. Mas vamos chamar a atenção para certos assuntos. Vamos tentar ser criativos, para atrair o interesse da opinião pública. Vamos criar uma agenda temática, escrever e intervir nos média – que são o único canal para veicular a nossa mensagem -, podemos pensar em iniciativas semelhantes à da caminhada que fizemos na campanha entre Coloane e Macau.
– As eleições do passado domingo ficaram marcadas por alguns incidentes, tais como práticas irregulares de listas candidatas e o atraso na divulgação dos resultados finais. Como avalia o trabalho da Comissão de Assuntos Eleitorais?
A.L. – Penso que a comissão fez trabalho no sentido de tentar melhorar a qualidade das eleições, ao nível das condições nas assembleias de voto. Mas noutros aspectos falhou. Não sei porque razão tivemos que entregar o programa até Julho e só pudemos começar a campanha a 5 de Setembro. O que é possível fazer nesses dois meses, se não podemos ter qualquer actividade de divulgação das nossas ideias? Isto enquanto outras listas ofereciam jantares e mais jantares, que não contam como actividade de campanha. Quanto à questão da recontagem dos votos, não me parece que a culpa seja atribuível à comissão eleitoral, mas sim a comissão de apuramento geral. A lei é clara quanto ao que são os votos nulos, mas essa comissão veio agora dizer que tem a última palavra quanto à definição do que são votos nulos. Estão a fazer uma interpretação parcial da lei, penso que de forma intencional.
– E a proposta ontem avançada por Pereira Coutinho, de ter a comissão a funcionar numa base permanente?
A.L. – Penso que esse papel poderia ser assumido dentro dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), a comissão poderia passar a ser um dos departamentos nessa estrutura.
– Outras listas alegam que o Governo tentou interferir na campanha de forma deliberada, para as prejudicar. A sua lista alega o mesmo?
A.L. –  Não tenho provas que isso tenha acontecido. Quanto àquela questão que aconteceu com a candidata da lista de Au Kam San, parece-me que todos os documentos estariam na posse da administração e foram divulgados.
– Mas acha correcto o anúncio de políticas governamentais em plena campanha? Os democratas e a lista de Pereira Coutinho dizem-se prejudicados.
A.L. – Julgo que, no futuro, o Governo deveria ser neutral. É aconselhável que os departamentos governamentais evitem o anúncio de novas políticas em pleno período eleitoral. Isso não é justo.
– Edmund Ho sai em Dezembro. Que balanço faz do seu papel ao longo dos dez anos da RAEM?
A.L. – Fez coisas boas, tais como a liberalização da indústria do jogo. Tentou o melhor para manter uma boa relação com Pequim. No sentido económico, adoptou uma política de abertura. O mesmo não aconteceu em termos políticos. É por isso que, ao longo destes 10 anos, não se criaram mais lugares de eleição directa na assembleia, nem se alargou o colégio eleitoral para a eleição do chefe do executivo. Inicialmente, tinha-o como um líder muito aberto, um político do século XXI. Mas parece que não é, afinal.
– E espera mais do próximo Chefe do Executivo, Chui Sai On?
A.L. – Talvez o seu carácter não seja claramente visto pelo público. Não tenho muitas expectativas em relação à capacidade de liderança de Chui Sai On. Ao longo da campanha para a sua eleição, tentou dizer o menos possível, a maneira como geriu esse processo foi medíocre. Mesmo o seu programa político é… eu não vou dizer uma cópia, mas é muito semelhante ao de Edmund Ho. Não há ideologia política, não se sabe o que ele defende, excepto que defende a ‘harmonia social’.
– Uma das medidas que propunha era começar o caminho na direcção do voto universal. Quando é que pensa que teremos esse sistema implementado na RAEM?
A.L. – Idealmente, o meu plano era, caso conseguisse ser eleita, chegar a entendimento com outros deputados e começar a apresentar propostas nesse sentido. Primeiro, começaria pela tentativa de diminuir o número de eleitos pela via indirecta na assembleia. Como não fui eleita, não posso exercer tanta influência e não sei quando é que essa meta poderá ser alcançada. Mas vou continuar a tentar. Tenho confiança de que, no espaço de 10 anos, o eleitorado vá mudando lentamente os seus hábitos de voto e se possa ir nesse sentido. Também influencia o que acontecer em Hong Kong. Se houver uma eleição universal do Chefe do Executivo da RAEHK em 2017, seria triste que o mesmo não acontecesse aqui. Mas sem uma plataforma política que defenda essa ideia, nada acontecerá, nem mesmo em 100 anos.
– Tentou também introduzir na campanha as temáticas culturais. Há quem diga que isso foi recebido com alguma indiferença por parte do eleitorado. Foi mesmo assim?
A.L. – Não, foi bem sucedido. Muitas pessoas, especialmente as que trabalham nas áreas culturais, achavam que não tinham ninguém que os representasse e que nenhuma tomada de posição pública seria útil. Agora, tivemos muita gente a dizer-nos que, com a nossa candidatura, passaram a acreditar que era possível fazer algo no campo cultural em Macau.

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