“É muito provável que volte a concorrer”

IMG_1932Apesar da derrota nas eleições de 15 de Setembro, Jason Chao conta voltar à corrida eleitoral dentro de quatro anos. No entanto, é possível que não o faça através da Novo Macau. Revela conflitos crescentes com Au Kam San e coloca a hipótese de, em 2014, todos os jovens abandonarem a associação, que pode eleger Chan Wai Chi como presidente. Ainda no rescaldo eleitoral, Chao aponta o dedo aos meios de comunicação chineses e reconhece valor no trabalho de Chan Meng Kam.

Inês Santinhos Gonçalves

– No início deste mês a Novo Macau reuniu-se para decidir o futuro da associação. Porque é que decidiu apresentar uma moção de não-confiança em si próprio?

Jason Chao – Ficámos todos muito tristes com os resultados das eleições. Alguns membros importantes queriam que alguém fosse responsabilizado. Não o manifestaram de forma muito clara mas escreveram no Facebook e num email interno, dando a entender que queriam que alguém se demitisse por causa dos resultados das eleições. Foi por isso que decidi apresentar uma moção de não-confiança contra mim próprio, mas a direcção decidiu não votar a moção.

– Quantas pessoas estão na direcção?

J.C. – Onze pessoas. Oito foram a favor de não se votar a minha moção. Assim sendo, fiquei como presidente. A Associação Novo Macau não é exactamente um partido político. Apesar de termos pessoas a concorrerem a lugares na Assembleia Legislativa (AL), o nosso objectivo principal não é ganhar assentos. As candidaturas à AL são apenas parte do processo no nosso activismo social.

– Acha que toda a gente na associação concorda com essa ideia?

J.C. – Acho que a maioria dos membros da direcção concorda. Alguns valorizam mais os resultados eleitorais. Para mim os resultados são importantes, mas não são tudo. Não devemos trabalhar com o objectivo de maximizar os votos, fazendo o que os cidadãos acreditam que devemos fazer. Quero promover as minhas ideias – a minha plataforma é relativamente liberal e nova na história de Macau. Quero que os cidadãos votem em mim porque concordam com o meu trabalho e com as minhas ideias.

– Que membros foram mais críticos dos resultados eleitorais?

J.C. – Preferia não dizer nomes, mas posso dizer que se trata de um membro antigo e que é até uma figura pública. Não foi Ng Kuok Cheong – ele achava que devíamos tentar e só assim saberíamos se o progresso ia ganhar popularidade.

– A estratégia de concorrer com três listas foi um erro?

J.C. – Se pudesse voltar atrás, continuaria a insistir em três listas. Ninguém podia ter previsto uma queda de votos na associação [em geral]. Com as três listas, esperávamos que os votos aumentassem.

– Considera que teve responsabilidade nessa descida?

J.C. – Parcialmente. Se pudesse voltar a Janeiro ou Fevereiro, pedia a um especialista que fizesse uma sondagem. Há muitos inquéritos [para prever os resultados eleitorais], mas nenhum feito por uma organização independente e credível. A informação que recebemos em Fevereiro era de que íamos ter entre 20 a 24 por cento dos votos – e não 15 por cento.

– O que é que acha que aconteceu?

J.C. – Só podemos especular. Alguns membros da associação consideram que nós, os jovens, somos radicais. Desde 2010 que temos novos activistas jovens e organizamos muito mais actividades e protestos. Acham que parte da sociedade de Macau não gosta deste estilo de activismo, que prefere o estilo de Ng Kuok Cheong e Au Kam San, e acha que continuar apenas a falar na AL é suficiente. A segunda especulação é sobre mim, que foi a minha homossexualidade que causou perdas. A terceira tem que ver com a cobertura noticiosa. No caso dos meios de comunicação em português e inglês não há problemas, mas o mesmo não se passa nos media chineses. Vou dar um exemplo: desde 2010, o noticiário da noite em chinês, na TDM, foi alargado a uma hora e muito frequentemente as notícias sobre nós surgiam apenas depois dos 45 minutos. A maioria das pessoas em Macau só vê meia hora de notícias, é um hábito. Durante a campanha muitos cidadãos disseram-nos que não viram Ng Kuok Cheong a organizar actividades, nem me viram a mim.

– Mais do que há quatro anos?

J.C. – Há quatro anos o noticiário tinha 40 minutos e as nossas histórias tinham mais cobertura. Depois de 2010, as peças sobre nós começaram a passar na mesma altura da entrega de petições de associações de trabalhadores – normalmente só escrevem um poema que entregam ao Governo, não há nada de significativo lá dentro. Acho que a cobertura noticiosa deu um grande contributo para a perda de votos. Os jornais chineses e a TDM escolhem as cenas de conflito e não mostram aquilo que dizemos. Por isso somos frequentemente considerados radicais. Mas se nos compararem com Hong Kong, não somos radicais de todo. Somos progressivos e abertos no que toca às ideias. Mas em relação à organização de protestos, não somos radicais de modo algum.

– Considerou a hipótese de ter sido usado pelos seus colegas que saberiam, à partida, que ia perder?

J.C. – Isso não é verdade. Au Kam San quer sempre ter duas listas, mas a proposta dele não foi aceite pela maioria dos membros da direcção, que apoiavam as três listas. Ng Kuok Cheong achava que devíamos tentar três listas e experimentar ser liderados pelos jovens. Há várias teorias da conspiração.

– Quais?

J.C. – Lei Kin Iun espalhou um rumor de que tentei forçar Au Kam San a ser o número dois de uma lista onde eu seria o número um. Isso não é verdade. Mas como o rumor começou em Lei Kin Iun, há pessoas que acreditaram e isso foi prejudicial para nós. Foi exactamente o oposto que aconteceu. Em Maio encontrei-me com Chan Wai Chi e ele perguntou-me “Achas que mudemos a estratégia eleitoral?”. Eu disse-lhe que mesmo que tivéssemos de voltar a duas listas, eu concorreria na lista de Ng Kuok Cheong mas não de Au Kam San.

– Porquê?

J.C. – Temos demasiadas diferenças. Nunca poderíamos estar na mesma lista. Preferia ser o terceiro candidato na lista de Ng do que o segundo na de Au. Mas não podia dizer isso durante a campanha.

– Foi alvo de campanhas de difamação?

J.C. – Sim. Escreveram muitas histórias sobre mim online, algumas totalmente incríveis, outras mais credíveis. Entre as mais incríveis estava uma de que eu tinha tido um caso com uma croupier do Venetian, dormi com ela, deixei-a e criei uma associação LGBT para esquecer a relação. Outra era sobre a minha ida à feira de emprego do Venetian no ano passado, que fiz para testar se estavam a fazer correctamente o recrutamento de locais. A história foi alterada e dizia que eu dei informações falsas para procurar um emprego.

– O activismo pró-LGBT prejudicou-o?

J.C. – Um amigo disse-me que quando estava a encorajar os amigos a votarem em mim, um deles disse-lhe “Sei quem é o Jason Chao, mas não vou votar nele porque é gay”. O meu amigo sugeriu-lhe, então, que votasse no Ng Kuok Cheong ou no Au Kam San, ao que ele respondeu “É a mesma coisa, estão no mesmo grupo”. Sei que alguns padres católicos criticaram implicitamente Ng Kuok Cheong. Disseram que a Igreja não concorda com a homossexualidade e que Ng Kuok Cheong tinha mudado. Pode ter influenciado alguns eleitores católicos a não votarem em Ng Kuok Cheong. Acredito que a causa LGBT nos possa ter custado alguns votos, mas era a coisa certa a defender. A questão criou desentendimentos internos, mas pelo menos consegui determinar que não é correcto descriminar com base na orientação sexual.

– Nunca considerou adiar a exploração desse tema para depois das eleições, por motivos estratégicos?

J.C. – Comecei a falar da questão LGBT em Dezembro do ano passado. Coincidentemente, nessa altura o Instituto de Acção Social removeu a referência aos casais do mesmo sexo [da proposta de lei sobre a violência doméstica]. Mas tenho vindo a trabalhar no tema nos últimos dois ou três anos – fui a diversos seminários em Hong Kong sobre direitos LGBT e contactei os activistas de topo. Quando o momento chegou, tinha os recursos necessários e estava preparado para lançar a campanha. É verdade que é um assunto que não ajuda a ganhar votos, eu já sabia disso, mas foi a decisão certa.

– A campanha LGBT foi o factor principal que o impediu que integrar a lista de Ng Kuok Cheong?

J.C. – Sim, mas não só. Acho que os jovens da Novo Macau são mais progressistas que Ng Kuok Cheong e Au Kam San. Começámos a ter pontos de vista mais distintos, não só na questão LGBT. As diferenças entre nós têm-se acentuado. A forma como trabalhamos é muitíssimo diferente.

– Chan Meng Kam foi o grande vencedor das eleições. O que pensa dele?

J.C. – Tive muita pena que os dois maiores vencedores fossem de listas envolvidas em alegadas corrupções. Chan Meng Kam deu vouchers aos membros do seu clube de fãs. Mak Soi Kun deu presentes e até dinheiro – admitiu-o na rádio.

– Mas acha que foi por isso que conseguiram tantos votos?

J.C. – Chan Meng Kam fez como Thaksin [Shinawatra] na Tailândia. O partido de Thaksin deu dinheiro aos pobres, o que lhe rendeu apoio e popularidade no norte do país. Vou dar um exemplo: um cidadão veio ter connosco para pedir ajuda com uma fuga num cano. Fizemos o que podíamos fazer, referimo-lo à Direcção dos Serviços das Obras Públicas e Transportes. Mas acabou por ser passado de departamento em departamento como uma bola de pingue-pongue. Então, o cidadão decidiu ir ter com Chan Meng Kam, que enviou uma equipa para arranjar o cano. Chan Meng Kam fez o que era da responsabilidade do Governo. Não é algo que grupos políticos normais possam fazer. Chan Meng Kam investiu muitos recursos nos seus serviços sociais, a um ponto que excede a eficiência e a qualidade dos oferecidos pelo Governo.

– Reconhece valor nisso?

J.C. – Algum. Ieong Man Teng, o terceiro candidato na minha lista, é presidente de uma associação [a Forefont Macau Gaming]. Há um ou dois anos, Chan Meng Kam queria comprar, literalmente, a associação dele. Alguém [da equipa de Chan Meng Kam] abordou Ieong Man Teng e ofereceu-lhe um apartamento como sede para a sua associação. Provavelmente, Chan Meng Kam tentou comprar grupos populares de modo a expandir a sua rede de apoios. Mas Ieong Man Teng não cooperou e rejeitou a oferta.

– Como olha para a perda de votos dos Operários?

J.C. – O que os apoiantes da Associação dos Operários de Macau (AGOM) me disseram foi que Kwan Tsui Hang mudou a sua atitude e se tornou mais cooperativa com o Governo. Mas, pelo que sei, a AGOM sempre cooperou com o Governo e até com os capitalistas em questões laborais. Não é novo para mim, mas é provável que se tenham apercebido deste facto mais recentemente. É provável que Chan Meng Kam e Mak Soi Kun tenham atraído alguns votos da AGOM. Outra possibilidade está ligada ao facto de termos exposto o Centro de Estudos de Desenvolvimento de Qualidade dos Cidadãos de Macau, estabelecido por Lee Chong Cheng no prédio do jornal Ou Mun. As pessoas ficaram desiludidas com o facto de um auto-intitulado sindicalista estar a receber enormes somas de dinheiro do Governo. Não era nenhum centro de estudos, mas sim um clube privado – tem um ginásio, instalações desportivas, cozinha e um mini-cinema.

– De volta à Novo Macau, o que acha que vai acontecer depois de deixar o cargo de presidente, em Junho do ano que vem?

J.C. – É muito difícil de prever. Chan Wai Chi pode ser eleito novamente, ele era o presidente antes de mim. A segunda possibilidade é que Sulu Sou ou outro jovem seja eleito como presidente.

– Scott Chiang não?

J.C. – Scott Chiang está a estudar em Taiwan. Encorajamo-lo a terminar o curso primeiro. Não votaria nele para presidente porque para se ser presidente é preciso dedicar muita energia ao trabalho da associação. A terceira possibilidade é que todos os jovens se vão embora e, assim, os membros mais velhos podem eleger quem quiserem.

– Se isso acontecer, vai passar a realizar as actividades através do grupo Consciência de Macau?

J.C. – A Consciência de Macau é uma organização, mas não tem o estatuto de associação. Isso não é um problema, podemos registá-la. Actualmente, não há um líder, qualquer pessoa pode propor uma actividade. A Associação Novo Macau é, para mim, apenas um meio para participar nos assuntos da actualidade. Tenho muitas formas de trabalhar nas questões sociais, através da Arco-Íris de Macau, da Consciência de Macau e outros projectos. Posso até estabelecer uma organização ou partido.

– Parece já certo que vai deixar a Novo Macau.

J.C. – A decisão vai ser tomada a antes das eleições na associação [em Junho de 2014]. Há prós e contras em ficar na Novo Macau. Se ficar tenho mais recursos para usar no activismo social. Se sair tenho mais liberdade mas menos acesso a informação e recursos. Neste momento estamos numa boa situação: temos os recursos e informação e, ao mesmo tempo, se quisermos fazer algo controverso podemos fazê-lo em nome da Consciência de Macau.

– Vai voltar a concorrer a um lugar de deputado na Assembleia Legislativa?

J.C. – É muito provável que volte a concorrer, mas posso fazê-lo como número um de uma lista ou como apoiante de Sulu Sou ou Scott Chiang. Quero que os jovens sejam reconhecidos e aceites pelas pessoas.

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