A magia da transformação

Arquitectos Mauro Munhoz e Carlos Marreiros - Fto de Antonio Mil Homens (1)Mauro Munhoz, director da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), um sucesso incontornável no Brasil, explicou ontem como o festival nasceu para influenciar o plano urbanístico da cidade, transformando-se em onze anos no centro nevrálgico em torno do qual a cidade se afirma local e internacionalmente. A conversa com  a plateia, mediada no Lvsitanos por Carlos Marreiros, serviu também para um balanço do Rota das Letras. Entre “muitos méritos” e “alguns erros”, o “grande potencial” que tem em Macau mereceu consenso generalizado.

Paulo Rego

“Há uma magia” em Paraty, capaz de renuir largas centenas de pessoas seduzidas pelos debates entre duplas de escritores, mediados por convidados treinados para o efeito. Mauro Munhoz explica: “Chegámos à conclusão de que os debates entre dois escritores proporcionam uma experiência muito mais rica para o público”. Mas além da qualidade dos convidados, onde pontuam prémios Nobel, entre outros nomes de projecção mundial, é sobretudo o contacto directo entre autores e público que faz a diferença. “Porque sendo a escrita uma actividade solitária, a leitura também o é”, lembra o director do FLIP, desvendando parte da alquimia que flui em Paraty, num festival que ao fim de onze anos depurou conceitos estruturantes como o convívio, a informalidade e a interactividade, quer entre os convidados quer entre estes e a cidade. E não só através da “performance” das sessões, mas essencialmente através da criação de “um espírito”que para uma importante comunidade de artistas e intelecutais itosroitores, mediadosl de crescimento.ntros navr””, que seduz os escritores a lá irem e a cidade a acolhê-los, conclui Munhoz.

Cooperar com o Brasil

O arquitecto brasileiro e director do FLIP diz que o Rota das Letras tem “um enorme potencial para promover a interacção entre escritores chineses e lusófonos, até porque isso faz parte da história”, do território, frisa. Munhoz transmitiu a intenção de promover uma maior cooperação entre o FLIP e o Rota das Letras, o que merece reacção positiva por parte de do director do festival Literário de Macau, Ricardo Pinto, que ontem assumiu a estratégia de trazer “mais escritores e músicos brasileiros” para o ano, “até porque o mundo vai estar um pouco com os olhos postos no Brasil”, que primeiro organiza o Mundial de futebol e, depois, os Jogos Olímpicos. Quanto à cooperação com o festival literário brasileiro, admite que a ideia tenha caminho, admitindo explorá-la em conversas que decorrerão “nos próximos meses”.

Carlos Marreiros, avisando previamente que apoia o festival em “400 por cento”,  chamou a atenção de Ricardo Pinto para a necessidade de promover maior interactividade entre os escritores lusófonos e chineses, mas também entre estes e os escritores locais, para alem da população em geral. “Embora não tenha acompanhado esta edição, tenho informação de que, com a introdução das visitas às escolas, muita coisa melhorou; mas acho que se queremos futurar o festival é preciso corrigir esta questão”. Mauro Munhoz fala também numa dinâmica de crescimento e de correcção de erros, confessando que entre a própria organização já se comentava a necessidade de criar uma espécie de “ponto de encontro”, num local central da cidade, que permita que os escritores possam conviver mais uns com os outros, e com o público em geral”. Ricardo Pinto agradeceu os conselhos de Marreiros e admite ser preciso trabalhar melhor essa interacção. Contudo explicou a dificuldade este ano enfrentada na obtenção de vistos para os escritores chineses, o que impediu uns de vir e outros de estarem cá mais tempo. Por isso diz, decidiu “privilegiar o contacto dos escritores chineses com as escolas e a população local” no curto tempo que tinham para estar em Macau.

António Mil Homens, fotógrafo que acompanhou o festival por dentro, pediu a palavra para explicar a percepção que teve este ano da interacção com o público: “Embora a trabalhar, foi um privilégio ter assistido a tantos painéis e debates, e quanto à alegada falta de interacção, considero isso muito relativo. “A verdade é que fiquei espantado com o acolhimento e o entusiasmo que vi junto da comunidade chinesa, quer com os escritores chineses, quer nos painéis mistos, com escritores lusófonos. O festival está definitivamente no bom caminho; tem qualidade e participação do Público. Na minha opinião deu um salto brutal em relação ao anos passado.”

História semelhante com diferenças

Localizada a meio caminho São Paulo e o Rio de Janeiro, “essa distância”, bem como a sua relação com a água – está numa das pontas de uma enorme baía são pilares identitários de Parati, que por circunstâncias várias alheou-se do processo até aos anos de 1960. Razão pela qual “lá se vivia como há cem anos antes”. Para além da sua beleza natural e do património histórico, tornou-se também um porto de abrigo para uma importante comunidade de artistas e de intelectuais que ali se refugiavam da ditadura, ali se encontrando uns aos outros num ambiente colaborativo especial, que fez escola. Quando a estrada do progresso chegou, havia uma capacidade de resistência que impediu o desenho que atravessaria o centro histórico e a desviou para fora da cidade. Mas a cidade focou-se na estrada e virou costas ao mar, criando-se ainda uma linha que atirou os mais pobres para guetos suburbanos, “ou a parte invisível da cidade”, lamenta Mário Munhoz. É precisamente aí que se concentra o FLIP e,

Se Paraty tem “muitas semelhanças com Macau”, até pela arquitectura militar portuguesa e pelo património histórico em ambos os casos reconhecido internacionalmente, Mauro Munhoz encontrou nesta deslocação a Macau motivos para acreditar que o Rota das Letras pode também inspirar a intelectualidade e as comunidades artísticas a promoverem transformações importantes do ponto de vista urbanístico, arquitectónico e cultural, como aconteceu em Paraty. E num mundo em que “tanta coisa está errada”; Munhoz não confia nos políticos que, “regra geral, tomam decisões erradas e descoladas da realidade”; antes preferindo fazer fé na sociedade civil e na cultura organizada como fonte da transformação social e económica.

Carlos Marreiros aplaudiu a experiência em Parati, chamando contudo a atenção para as circunstâncias específicas de Macau, onde “há pouco espaço” e “o próprio governo é especulador”.

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