“Todos os estados-membros da CPLP acolheriam Macau com muito agrado”

Domingos Simões Pereira está prestes a completar o segundo e último mandato como secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Em jeito de balanço, considera que o mais recente golpe de estado na Guiné-Bissau foi o dossier “mais complexo” com o qual teve de lidar. Já sobre a possível integração de Macau na organização, o diplomata guineense não vê entraves, mas lembra que é um processo dependente da iniciativa de Pequim.

Pedro Galinha

Não é a primeira vez que Domingos Simões Pereira deixa claro que Macau tem espaço para integrar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Mas para que isso aconteça, o secretário executivo da organização recorda que é necessário o Governo Central avançar com uma proposta formal.

Prestes a terminar o segundo e último mandato na CPLP, o diplomata guineense aceitou o convite do PONTO FINAL para fazer um balanço do trabalho iniciado em 2008. O dossier mais complicado que teve em mãos, reconhece, foi o do golpe de estado no seu país natal, a Guiné-Bissau.

Outro dos temas quentes com o qual Simões Pereira teve de lidar foi o processo de integração da Guiné-Equatorial. Um tema que se arrasta desde 2004 e que deve fazer parte da agenda da próxima Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.

O encontro terá lugar já no dia 20, em Maputo, e servirá para conhecer o novo secretário executivo, que será um diplomata moçambicano “com experiência”. Quanto à presidência da comunidade, que se faz de forma rotativa, também será assumida por Moçambique, substituição de Angola.

– Que balanço faz destes dois anos de mandato?

Domingos Simões Pereira – Foram quatro anos que coincidiram com o período da crise, primeiramente nos Estados Unidos e depois na Europa. Esta questão acelerou a agenda económica para a CPLP. Apesar de ser uma organização que se baseia na solidariedade entre os estados e que tem como eixos a cultura e a língua, a crise e os desafios que despoletou fez com que os países começassem a reclamar abertura para o domínio económico.

– Todos eles ou algum em particular?

D.S.P. – A minha entrada coincidiu com a presidência portuguesa. Talvez por isso, Portugal liderou o processo dessa abertura. Todos os estados-membros expressaram interesse em acompanhar este novo passo e, decorridos quatro anos, houve avanços assinaláveis, não só na criação de um ambiente favorável às trocas comerciais entre países, como também por parte dos próprios empresários de cada um dos estados-membros. Hoje, para além daquilo que tínhamos que era um conselho empresarial, temos uma confederação com mais dinamismo e aberta aos mercados.

– A vertente económica da CPLP deve ser cada vez mais efectiva (até para aproveitar a pujança de mercados como Angola, Brasil e Moçambique)?

D.S.P. – Espero que a CPLP continue a não ser uma organização especializada. Se a organização se especializar na componente económica, corremos o risco de começar a competir com os espaços de integração regional dos estados-membros. Enquanto a CPLP se definir como tem feito, que é tirar proveito dos espaços económicos de integração sem se assumir como actor económico, penso que estará bem alinhada.

– O ministro português da Economia e Emprego, Álvaro Santos Pereira, esteve na semana passada em Angola. Mal aterrou em Luanda disse que a CPLP deveria assumir-se como um instrumento para promoção de negócios.

D.S.P. – Concordo com essa visão. Mas a CPLP não deve resumir-se a isso porque não devemos cingir-nos à componente económica. Os países têm outras afinidades e outros valores que os aproximam.

– Em alguma imprensa de países africanos de língua portuguesa, vemos que há quem reclame mais acção social. Durante o seu mandato, houve progressos nesta área?

D.S.P. – Isso é muito interessante. Há criticas, ou seja, as pessoas despertaram para a CPLP, reclamando maior presença da organização. Mas a CPLP não se pode sobrepor à sociedade civil de cada estado. Todos nós devemos ser a CPLP e as diferentes entidades da sociedade civil devem procurar representar a organização. Temos tentado dinamizar este processo e existem alguns exemplos. Em São Tomé e Príncipe, no ano de 2009, desenvolvemos uma quinzena da CPLP onde transmitimos muita informação sobre economia e educação. No ano seguinte, fomos a Bissau e desenvolvemos actividades com foco para os negócios e formação no espaço da CPLP. Também realizámos o primeiro fórum de sociedade civil no Brasil e agora vamos ter o segundo em Maputo. Exige-se sempre mais e eu compreendo isso. O problema é que temos de ter atenção que não podemos substituir a sociedade civil. Há um risco de estatizar essas estruturas e com isso perde-se o que têm de melhor.

– Mas a questão social é ou não uma prioridade da CPLP?

D.S.P. – A nível dos estados é a nossa agenda permanente. Foi definida uma nova visão estratégica para a cooperação, mas há muito que temos planos estratégicos em diversos domínios, como na saúde. Na próxima cimeira de Maputo, por exemplo, vamos apostar na segurança alimentar e nutricional.

– Há países africanos da CPLP que não cumpriram com os Objectivos do Milénio. Como comenta isso?

D.S.P. – África precisa de ultrapassar os níveis de pobreza. Não basta que a economia esteja a crescer a dois dígitos. É preciso saber se os estados estão a atender às necessidades do país e se não estão a ficar dependentes da indústria extractiva. Precisamos de aprender a combinar as duas coisas. Mas os estados sabem o que estão a fazer.

– Consegue nomear o caso mais difícil que teve em mãos durante estes quatros anos como secretário executivo?

D.S.P. – O golpe de estado da Guiné-Bissau, em Abril, foi o mais complexo. Estou convicto que o principal problema do país passa pela combinação terrível entre um analfabetismo pronunciado, níveis de pobreza muito grandes e a falta de preparação das forças armadas. Durante a independência, tiveram um papel muito importante, mas não se souberam adaptar aos novos tempos da reconstrução do país. A conjugação destes factores é terrível e tem reduzido os níveis de confiança dos cidadãos. As pessoas não confiam umas nas outras. A divisão dos recursos naturais do país também é muito discutível.

– A possível adesão da Guiné-Equatorial à CPLP foi outro tema em destaque durante os seus dois mandatos. Na cimeira de Maputo perspectiva-se alguma decisão?

D.S.P. – Sim, mas já temos tido decisões.

– Que adiam a integração do país.

D.S.P. – Sim. Isso acontece desde 2004, ano em que a Guiné-Equatorial apresentou o seu pedido de adesão em São Tomé e Príncipe. Desde aí, tem havido decisões com os nossos estados a não encontrarem um consenso. É preciso lembrar que as decisões da CPLP só se tomam quando há unanimidade. Ou seja, quando todos os países estão de acordo. Até agora, não tem havido essa unanimidade.

– Desde o pedido de adesão, nota mudanças na Guiné-Equatorial?

D.S.P. – Cheguei da Guiné-Equatorial há cerca de 15 dias e há quase quatro anos que estou a acompanhar a situação do país. [Hoje] vamos apresentar um relatório ao Conselho de Ministros da CPLP, que tomará uma decisão sobre a adesão ou não da Guiné-Equatorial. Penso que o mais importante é dizer que esta adesão, a partir de 2010, entrou numa nova fase. Uma fase em que estamos a trabalhar na integração paulatina do país. A instrução saiu da reunião de Luanda, quando o secretariado e a presidência da CPLP foram direccionados para assistir a Guiné-Equatorial nesse sentido. Esta decisão atrai muitas atenções, mas estou ciente de que o mais importante é que este acompanhamento tem resultado em algumas mudanças no país.

– A entrada da Guiné-Equatorial causa polémica. Já a possível entrada de Macau – sempre dependente da vontade de Pequim – é um tema mais pacífico?

D.S.P. – Arrisco-me a pensar que sim. Todos os estados-membro da CPLP acolheriam Macau com muito agrado e isso seria considerado como uma adesão natural. Mas evitamos avançar com qualquer agenda que possa ter uma interpretação política e menos consensual. A Guiné-Equatorial vem de uma linha espanhola. Só em tempos muito remotos está ligada à realidade portuguesa e, por isso, há elementos estranhos que têm de ser aplanados para integrarem a realidade da CPLP. O caso de Macau não é bem assim. Há muita coisa a aproximar-nos.

– Nunca houve movimentações nesse sentido?

D.S.P. – Nunca. Por isso é que não está na agenda. Mas em manifestações culturais, como os Jogos da Lusofonia, Macau tem participado. Eu próprio, antes da minha última deslocação a Macau, tive um encontro com o embaixador da China em Portugal. Pretendi perceber como a China vê a relação entre Macau e os países da CPLP. Fiquei agradavelmente surpreendido com a posição chinesa. Foi em 2010 e o embaixador dizia-me que a criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países Lusófonos é a expressão da vontade chinesa em cooperar com os países membros da CPLP.

– Crê que a criação do Fórum inviabilizou a adesão de Macau na CPLP?

D.S.P. – Não penso nisso. Até porque as acções das duas estruturas são perfeitamente complementares.

– O Instituto Internacional de Macau pertence à esfera dos observadores consultivos da CPLP. Porquê?

D.S.P. – A CPLP é uma estrutura em afirmação e pretende alargar a sua visibilidade. Portanto, organizações que se manifestem interessadas em acompanhar a organização são benéficas.

– Timor-Leste saiu no sábado de um novo processo eleitoral, com elogios sobre a maturidade democrática que apresenta. Concorda com a análise?

D.S.P. – Partilho dessa opinião e congratulo-me. Temos uma missão no país e estamos em contacto. O acto eleitoral decorreu com grande civismo e maturidade por parte do povo. Depois das eleições, tivemos logo uma projecção dos resultados que não foi acompanhada de contestações. Timor-Leste é o exemplo claro de um país que compreende a importância de dar uma oportunidade a si próprio. Isso merece o nosso apreço e aplauso.

– Depois de abandonar o cargo de secretário executivo, já tem planos profissionais?

D.S.P. – Vou voltar à Guiné-Bissau e colocar-me à disposição das estruturas políticas do país.

Domingos Simões Pereira

Nasceu na cidade de Farim, Guiné-Bissau, em 1963. Na antiga União Soviética, estudou engenharia civil e industrial no Instituto de Engenharia de Odessa (Ucrânia). Na Califórnia, tornou-se mestre em Ciências da Engenharia Civil.

Antes de assumir as funções de secretário executivo da CPLP, a partir da VII Conferência de Chefes de Estado e de Governo que teve lugar em Lisboa a 25 de Julho de 2008, ocupou diversos cargos públicos no país de origem. Entre 2002 e 2003, foi ministro do Equipamento Social, posição que antecedeu a experiência como titular da pasta das Obras Públicas, Construções e Urbanismo (2004 a 2005). Depois, foi nomeado conselheiro do primeiro-ministro guineense para as infra-estruturas por conta do Banco Mundial (2006 a 2008).

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