A Nam Kwong é mesmo o melhor parceiro?

As autoridades portuguesas entendem que sim, mas os resultados das parcerias não mostram isso. Demasiado grande e demasiado política para a realidade dos negócios portugueses é o que mais vezes se ouve.

João Paulo Meneses

O entendimento não é formal, no sentido de que haja directrizes escritas para tal, mas nos últimos anos sempre, ou quase sempre, que uma empresa portuguesa quer entrar na China e precisa de um parceiro local, as entidades portuguesas em Pequim têm sugerido a Nam Kwong, sobretudo se a entrada se faz pelo sul da China.

O problema é que, como o PONTO FINAL tem constatado junto de diversos empresários, a Nam Kwong Company Limited (ou o grupo Nam Kwong Group, como é mais facilmente conhecido) tem diversas características que a afastam, em muitos casos, dos reais interesses desses empresários. E por isso há vários negócios que têm corrido mal.

De acordo com as fontes do PONTO FINAL, que por terem ainda alguma ligação ao Grupo ou por estarem ainda na China não se quiseram identificar, a Nam Kwong é uma super-estrutura, sobretudo política, incapaz de se adaptar às necessidades das pequenas e médias empresas. Trata-se de um grupo gigantesco, disperso em múltiplos negócios, com quadros quase só chineses e com decisões muito lentas.

Estas desvantagens como que anulam aqueles que são os grandes trunfos da Nam Kwong: fácil acesso ao crédito, excelente relacionamento ao mais alto nível político e um vasto património. O problema é que em muitos casos as coisas param antes destas vantagens potenciais se tornarem efectivamente úteis.

“Um parceiro relevante”

A agência portuguesa que promove o investimento externo, a AICEP, não assume nem o exclusivo da ligação à Nam Kwong, nem que essa ligação condicione o sucesso dos eventuais negócios.

Numa resposta enviada ao PONTO FINAL, a coordenadora da comunicação da agência, Ana Carvalho, explica que “a Nam Kwong é um importante conglomerado público chinês, com sede em Macau, e como tal, com bom conhecimento das relações com Portugal e de algumas empresas e sectores portugueses”.

“Os negócios da Nam Kwong com Portugal de que actualmente temos conhecimento são desenvolvidos entre esta e empresas privadas, sem a intromissão do Estado português e cobrem vários tipos de colaboração, como simples importação, joint ventures, memorandos de entendimento para participação na estrutura accionista, serviços de logística, etc”, desenvolve o organismo, aconselhando que “qualquer comentário sobre o desenvolvimento dos negócios entre a Nam Kwong e parceiros portugueses deverá ser realizado pelos mesmos, e não pela AICEP”.

Ainda assim, a AICEP adianta que, “dependendo das áreas de negócio e das valências pretendidas pelas partes, e sempre numa análise caso a caso, a Nam Kwong pode ser ‘um’ parceiro relevante a ter em conta nos contactos e negociações das empresas portuguesas”.

Mas o PONTO FINAL sabe que a primeira sugestão que muitas vezes é feita em Pequim é no sentido dessa entrada na China se fazer em associação com a Nam Kwong.

Só mais tarde (e se não se pode generalizar para todos os casos, em muitos) os empresários portugueses vão perceber que as decisões vão tardar, que os negócios vão demorar muito mais do que seria de esperar, dando sentido à expressão ‘paciência de chinês’.

Nam Kwong não explica

O PONTO FINAL também tentou questionar a Nam Kwong, mas sem sucesso. Após um primeiro contacto com Cheng Yingjun, gerente do departamento de trading da Nam Kwong Commercial em Macau, que pediu para as perguntas serem enviadas em inglês, as respostas nunca mais chegaram.

O que basicamente se perguntava era se o grupo tinha capacidade de resposta para um perfil de médios negócios como aqueles que, em muitos casos, as empresas portuguesas podem e querem fazer na China e que nos falasse de alguns desses negócios, apontando exemplos positivos e negativos.

Cheng Yingjun optou por não nos esclarecer e assim ficámos sem saber mais sobre esta empresa que em Macau todos conhecem, mas da qual se sabe pouco relativamente à vertente da ligação às empresas portuguesas.

Dois negócios aparecem desde logo associados (as plataformas logísticas decididas durante a última visita de José Sócrates à China e a Macau): o Centro de Produtos Portugueses que seria criado na fronteira com Macau e a Plataforma do Poceirão (zona de Lisboa), ambos, entre outros parceiros, envolvendo a Mota Engil.

A verdade é que o primeiro foi descartado, depois de diversas peripécias, e do segundo nada se sabe, embora um elemento da Mota Engil tenha garantido ao PONTO FINAL que o acordo com a Nam Kwong se mantém válido. Sobre este investimento foi-nos garantido, por outras fontes, que quando a Mota Engil sugeriu a necessidade de um parceiro chinês, o nome que surgiu de imediato foi a Nam Kwong. E fez-se o acordo em 2009 no sentido da Nam Kwong usar o Poceirão para colocar mercadorias chinesas.

Maus negócios?

Estes dois negócios simbolizam a ideia principal que este jornal foi recolhendo junto de diversos empresários directa ou indirectamente envolvidos nestes acordos: a Nam Kwong é demasiado grande para conseguir dar resposta a negócios de alguns milhões, importantes para as empresas portuguesas, mas irrelevantes na gigantesca massa que é o próprio grupo com sede em Macau.

Um dos empresários dizia mesmo que só ao fim de algumas reuniões tinha percebido que estava a dialogar com políticos e que na Nam Kwong serão raros os gestores.

Outro negócio sobre o qual há grande expectativa é o projecto da empresa de torrefacção de cafés SIM, que opera a partir de Macau, de se alargar ao mercado chinês. A Nam Kwong, mais uma vez, foi apontada como parceira.

Com tudo isto, uma pergunta faz sentido: porque aceitam os empresários portugueses estas parcerias se elas estão rodeadas de problemas? Em primeiro lugar porque elas são sugeridas por entidades oficiais portuguesas, em segundo porque são apresentados argumentos a que não é possível ficar indiferente: “conglomerado de grande dimensão”, “grupo estatal, ligado ao Partido, e que historicamente ficou com a responsabilidade dos negócios entre a China e Macau”, “enorme capilaridade comercial por toda a China, nomeadamente no aparelho de Estado” ou “trata-se de um grupo com grande músculo financeiro e idoneidade comercial” (frases retiradas de uma informação da AICEP).

Hoje em dia, a Nam Kwong estará sobretudo interessada em fazer negócios com os países de língua portuguesa, nomeadamente com Angola.

O bom exemplo?

Um negócio entre uma empresa portuguesa e a Nam Kwong a acompanhar com muita expectativa é o acordo feito entre a Dão Sul/Global Wines e o grupo chinês para distribuir vinhos portugueses na China.

A Nam Kwong Global Wines funciona desde o final do ano em Shenzhen em instalações do grupo chinês com uma particularidade que poderá fazer a diferença: a Dão Sul colocou o primeiro português a trabalhar na Nam Kwong.

Pedro Leite, que chegou a Macau em 2008 no âmbito do programa Inov Contact, pode ser a chave do sucesso deste novo negócio, como gerente para as operações na Ásia.

A Dão Sul é uma empresa com sede em Carregal do Sal (Viseu). É uma das maiores exportadoras de vinho português e, em 2009, já exportava 10 por cento da sua produção total para o continente asiático. J.P.M.

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