O valor do português

Há cinco décadas que a China aprende português. Se no início os alunos eram poucos, hoje são cada vez mais. O ‘boom’ dos países lusófonos tornou a língua mais atractiva, principalmente no mundo empresarial.

O desenvolvimento económico do Brasil e de Angola está na origem do crescente interesse pela língua portuguesa na China. Esta foi uma das conclusões do fórum internacional que ontem reuniu, no Instituto Politécnico de Macau (IPM), oito professores do idioma, vindos de Portugal e da China.

A conferência surgiu no âmbito das celebrações do 50º aniversário da criação do curso de Português na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (BSFU, na sigla inglesa), o primeiro a leccionar esta língua no Continente.

Ye Zhiliang, professor associado do Departamento de Português da BFSU, explicou que a universidade – “o berço da diplomacia da República”, tendo formado mais de 400 embaixadores – se orgulha do seu departamento de português, que em 50 anos formou mais de quatro centenas de alunos. Actualmente estão inscritos 90 estudantes de licenciatura e três de mestrado, para seis docentes.

Num português fluente e adocicado, Ye Zhiliang elaborou sobre os “desafios do século XXI”, onde as “relações económico-comerciais com países lusófonos, com destaque para Angola e Brasil, estão a criar uma necessidade de intérpretes para o mundo empresarial”. Tendo em conta essa realidade, o curso passou a integrar, em 2001, uma disciplina de Temas Económico-comerciais em português.

O professor universitário diz que agora é necessário apostar na vertente  jurídica. “Pôr os alunos a ler a Lei Básica de Macau, por exemplo,” sugeriu.

As relações com outros países lusófonos, que não apenas Portugal, também obrigaram a uma adaptação dos currículos. Actualmente é comum que os alunos chineses sejam enviados para zonas do interior de Angola ou do Brasil e para isso precisam de aprender sobre “a geografia e hábitos” dessas zonas. Da mesma forma, passaram a ser introduzidos textos de autores de outros países de língua portuguesa, para facilitar o entendimento dos estudantes, que estavam apenas habituados à sonoridade e grafia portuguesas.

Choi Wai Hao, director da Escola Superior de Línguas e Tradução do IPM e um dos oradores da conferência, disse que o ensino do Português é “de primordial importância” na instituição, e que ao longo dos anos tem tentado – e conseguido – atrair alunos do interior da China para Macau. Apesar de estarem em menor proporção, os números têm vindo a crescer. “De 2000 a 2010, o IPM formou 159 tradutores e intérpretes. Destes, 18 eram da China, 141 locais.”

Ao PONTO FINAL Choi disse que “a procura de pessoas que falem português depende muito das relações económicas e comerciais entre a China e os países de língua portuguesa” e que não interessa só a Macau saber português, mas a todo o país. “Agora estamos no auge dessas relações e para aproximar os povos chineses e os povos lusófonos é preciso ter uma ponte – os tradutores e os intérpretes.”

Rumo a Coimbra

O interesse no português tem levado cada vez mais chineses a Portugal, para estudarem e aperfeiçoarem o idioma “in loco”. Uma das universidades que mais acolhe estes estudantes é a de Coimbra, onde já estão inscritos 72 alunos para 2012. O director da Faculdade de Letras de Coimbra, Carlos Ascenso André, explica que a universidade oferece uma multiplicidade de cursos de Português, que se adaptam às necessidades dos alunos: de férias, intensivos, específicos (para determinados grupos profissionais, por exemplo) e anuais – os preferidos pelos alunos de cá.

Apesar do programa Erasmus ter trazido muitos estudantes europeus, é da China que vem a maioria dos frequentadores dos cursos de Português, seguidos dos japoneses, timorenses e sul-coreanos.

Confiante no potencial do Oriente no que toca ao português, Ascenso André salienta a importância da RAEM: “A posição geoestratégica de Macau permite-lhe ser o centro de um projecto de aprendizagem de português no Oriente”.

Intrigado com a capacidade de atracção de Coimbra – uma cidade relativamente pequena – o director da Faculdade de Letras sugere dois possíveis motivos: o prestígio da universidade e o ambiente da cidade estudantil. “O facto de Coimbra ser pequena e menos cosmopolita obriga os alunos a falar português”, diz Ascenso André. Além disso, o facto de os estudantes chineses ficarem alojados em casa de famílias portuguesas facilita a integração e a absorção da língua e costumes.

Acordo sem discussão

Numa altura em que o inglês ganha terreno como língua internacional e o espanhol se afirma como idioma a aprender no âmbito europeu, o português pode não surgir como uma escolha óbvia. Mas Carlos Ascenso André salienta que as línguas não estão “em guerra” e há espaço para todas. “Seria utópico e disparatado tentar entrar numa lógica concorrencial com o inglês e até com o próprio espanhol.”

“O modo como vejo o interesse da China em relação ao português tem que ver com uma coisa muito simples: é uma questão de cultura e de mercado,” diz. “O Brasil cresceu muito e tem um grande peso político e peso económico. O mundo sabe que logo que se resolvam os problemas internos de Angola e Moçambique, eles também se vão tornar grandes Estados no contexto africano. O que significa que quem estiver a olhar para o mundo numa escala de 20 anos, reconhece que o português é a língua oficial de um conjunto de países importantes na cena internacional e importantes do ponto de vista económico.”

Neste contexto, Portugal assume pouca importância, pelo menos a nível económico, mas Ascenso André relembra que “é o país-âncora de toda essa lusofonia” e que devemos “assumir com orgulho essa história”, desde que com “com sentido das proporções”.

Se a China tem demonstrado interesse no português, o mesmo não se pode dizer em sentido inverso – pelo menos não na mesma escala. O director da Faculdade de Letras de Coimbra admite que “os portugueses ainda não descobriram a importância estratégica do chinês”, apesar de existirem bastantes cursos livres nas universidades portuguesas. “Talvez pensemos que o inglês resolve os problemas todos, o que não é verdade.”

Em relação ao acordo ortográfico, tão polémico em Portugal, este especialista em literatura é taxativo: “Já não há lugar para discutir o acordo ortográfico. Agora tornou-se inútil: está legislado, está decidido. Portanto, há toda a vantagem em utilizá-lo o mais rapidamente possível. Se está decidido, vamos à prática.”

2 comments

  1. Muito interessante.
    Gostei da opinião de q o acordo está decidido e legislado, já não vale a pena andar a discuti-lo.
    A importância do português no mundo, pode custar muito a “engolir” aos portugueses, mas deve-se ao Brasil e a Angola.
    Infelizmente em Portugal não se dá a devida relevância ao chinês e à China … ainda se diz e se pensa que “a China é o futuro”. Mas talvez seja normal. Nós andamos 20 anos atrasado em muitos aspetos, e este é mais um.
    Quanto a existirem bastante cursos livres nas universidades … não concordo muito. Não me parece q seja muito fácil ter acesso a cursos de chinês cá em Portugal. Eu frequentei o 1º ano do curso livre (pós-laboral) de chinês numa universidade, mas depois não houve alunos suficientes para formar uma turma para o 2º ano. E, escolas particulares q lecionem chinês, não conheço nenhuma 😦

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