“Já se riram? Ok, então agora rio-me eu”

E Paulo Futre tem razões para isso. Depois do mediatismo que colheu à custa da candidatura à direcção do Sporting, a biografia “El Portugués”, lançada agora, faz sucesso. É mais um negócio da China, que mete polémica, futebol, mulheres e negócios.

Hélder Beja

Imaginemos um homem que anda fora do circuito mediático. Um jogador com uma carreira notável que arrumou as botas. Agora imaginemos que, de um dia para o outro, está numa das listas à presidência de um clube grande em Portugal e que vem com a ideia peregrina de contratar um jogador chinês, de fazer charters de chineses voarem até ao rectângulo europeu para o verem jogar. Se a isto juntarmos o carácter de Paulo Futre e o modo como se apresentou na muito famosa conferência de imprensa, está feita a receita para uma bomba mediática.

A força da comunicação social e, principalmente, das novas redes sociais online espraiou-se e de que maneira no caso de Futre. O antigo futebolista e a editora souberam aproveitar o momento para lançar a biografia “El Portugués”, que já vinha sendo preparada há mais tempo por Luís Aguiar. O livro está a vender muito e Futre está em todas as televisões e jornais – até neste, de Macau.

Em entrevista, o homem que levantou estádios em muitas cidades mas especialmente em Madrid, ao serviço do Atlético, fala do episódio que o atirou para a praça pública, da vida de futebolista, da passagem pelo Japão e dos perigos da vida de estrela, onde não faltam as mulheres.

– Porquê o lançamento do livro agora? Para aproveitar o momento?

Paulo Futre – Estava neste projecto já aí há dois anos. Estávamos a gravar aí há um ano e meio, temos 72 horas de gravação. Isto era só para sair em Dezembro em Espanha e em Portugal, mas depois do boom mediático que houve com a conferência de imprensa [antes das eleições do Sporting], quando disse aquilo do jogador chinês – uma situação que existe em toda a Europa menos em Portugal – quis fazer um bocadinho de ruído. Isto aqui foi uma autêntica surpresa, mas também foi uma estratégia minha, sabendo que o negócio existe há 13 anos na Europa menos em Portugal, claro. Aqui muitas vezes temos vergonha de ganhar dinheiro. Houve um boom mediático incrível, a editora falou comigo e disse que era o momento de avançar. Achei muito bem.

– Esse episódio, das declarações sobre o jogador chinês na famosa conferência de imprensa, também está no livro?

P.F. – Claro, está no último capítulo. O livro aqui já está em primeiro lugar. Lançámo-lo há uma semana ou menos e somos número um em vendas.

– Porque é que acha que esta história dos charters e do jogador chinês gerou tanto mediatismo?

P.F. – Eu sabia que ia fazer ruído para dois dias, que era o que queria, mas sinceramente não esperava tanto. Depois, mais tarde, passados uns dias, pensei: ‘Já se riram tudo? Ok, então agora rio-me eu de vocês’. Isto existe há muitos anos, desde que o Nakata saiu para o Perugia. Foi o génio [Luciano] Gauci, o presidente, que inventou este negócio. Vendeu o Nakata dois anos depois para a Roma por 15 milhões de euros. Claro que o Nakata era um grande jogador mas não valia 15 milhões em 2000. Só que todo o negócio Nakata valia 15 milhões de euros. E depois, em 2002, foi vendido para o Parma por 24 milhões de euros, a contratação mais cara entre clubes italianos. Isto sempre pelo mesmo motivo: era todo o negócio em si que valia dinheiro. Quando a Coreia do Sul fica em quarto lugar no Campeonato do Mundo, também em 2002, aí começa a grande invasão de jogadores asiáticos para a Europa. Hoje temos o Aki em Maiorca, o Uchida no Shalke 04, o Nagatomo no Inter, o [Chu-Young] Park no Mónaco, o outro Park no Manchester. Já é um negócio normal, mas aqui eu sabia que não. Falar num jogador asiático era igual a dizer que vinha um óvni para Portugal.

– E já havia de facto um nome? Chegou a olhar para o mercado chinês?

P.F. – Não, não. Era uma ideia e se tivéssemos ganhado de certeza absoluta que iria meter um jogador chinês, coreano ou japonês no Sporting. Ia fazer esse negócio. Se pudéssemos juntar o útil ao agradável, como no caso do Park no Manchester, melhor ainda. Um grande jogador e um grande negócio. Só ele tem dez sponsors asiáticos. Os sponsors do Liverpool, há um mês e tal, pediram que fosse contratada uma estrela asiática. Porquê? Porque assim têm muito mais facilidade em entrar no mercado asiático e fazer bons negócios. Já há bons jogadores na Ásia, que eu joguei no Japão. E há muito dinheiro – o Real Madrid, por exemplo, vai todos os anos à China. Este ano irá novamente. É um mercado completamente conhecido para toda a Europa e não para Portugal. É uma questão de perdermos a vergonha. Em Portugal as SAD têm 51 por cento e tem de haver sempre eleições, enquanto noutros países europeus a grande maioria dos clubes é dos donos, não há o risco de haver eleições.

– No livro aborda de certeza muitas questões da sua vida e da carreira. Quais são os temas que considera mais quentes?

P.F. – Isto não é um livro de um jogador de futebol, é uma história de vida, um grande exemplo para muitas pessoas, para os jovens. Esta é a história de um miúdo que vem de uma classe muito baixa e que consegue chegar ao máximo, e atingir todos os seus sonhos e objectivos. Depois também falo do primeiro autógrafo. É o primeiro livro que fala dos perigos, do suicídio que pode ser o primeiro autógrafo, quando um miúdo o assina pela primeira vez com 16 ou 17 anos. É um capítulo para estes miúdos mas especialmente para os pais e para o ‘entorno’ deles. Porque hoje, se cada miúdo escrever um autógrafo com esta idade, não consegue chegar lá, tem muitos problemas já não a nível profissional mas a nível pessoal. No primeiro autógrafo tu és Deus para toda a gente: para a tua família, para os teus amigos, e isto não é a realidade. É um capítulo que ainda ninguém escreveu. Também tenho vários capítulos para os universitários, por exemplo o negócio do Figo e da transferência do Barcelona para o Real Madrid, onde fui a peça crucial para aquele negócio e para que também se fizesse o Florentino Pérez presidente. Era uma operação de 60 ou 70 milhões de euros com IVA, em ‘cash’, a pronto. É a operação mais cara de sempre, porque a operação do Cristiano Ronaldo é paga em quatro ou cinco anos. Acho que é um capítulo para os universitários e para os miúdos que estão a estudar. Tenho também a liderança, quando fui director desportivo [do Atlético de Madrid] durante dois anos e meio. Foi a maior loucura da minha vida, era uma situação entre a vida e a morte. Entrei no clube quando o Atlético estava quase em último na segunda divisão. Se o campeonato terminasse ali era equipa de segunda B. Então é também uma pista para as grandes empresas e também para os universitários. Está ali a liderança, a motivação – como levantas um grupo completamente destruído e ameaçado de morte pela claque mais radical do clube, tanto que não podia sair à rua. É a minha situação de dois anos e meio de autêntica loucura, onde também está a minha história com o Dani, a minha primeira contratação. Tive de lutar contra tudo, contra todos e contra ele mesmo.

– O Atlético foi o clube mais importante da sua vida?

P.F. – Bom, acho que foi o Porto. Tirando o Sporting… Eu também conto no livro toda a história da minha saída do Sporting. Acho que é a primeira vez.

– E qual foi a razão?

P.F. – Foi o [John] Toshack. Ele era o treinador naquela altura, disse-me que não contava comigo, que eu não tinha espaço e tinha de ir rodar para uma equipa mais fraca. Pouco a pouco começa a sair nos jornais que vou emprestado para a Académica. Estava no pior momento da minha vida. Sempre fui um miúdo muito alegre e divertido, também traquina e rebelde, e foram os dias mais tristes da minha infância e adolescência. Só tinha 18 anos. É nesse momento que aparece o FC Porto. Conto tudo isto mas há um capítulo que adoro, que é o da tropa. A minha história com a tropa [para não ter de cumprir o serviço militar] é uma autêntica loucura. Quando falo com o Mário Soares… Foi um autêntico milagre o que aconteceu. Mas é um capítulo de dez anos de escândalos. Aí sempre me mexi bem. Entre a polémica era um peixe na água, durante toda a minha vida e com situações inesperadas. Mas com a tropa há situações que vão ao escândalo. Tenho um capítulo onde também explico um pouco o que é este mundo com as mulheres, um capítulo só de mulheres, com cinco histórias incríveis que me aconteceram. É também para dar o exemplo a estes miúdos do que vão apanhar se conseguirem ser jogadores acima da média.

– Quem não passou por isso não tem grande noção do que é ser um jogador de futebol de alto nível, e da panóplia de coisas que podem acontecer e estar à mão de um futebolista. É também isso que expõe nesse capítulo?

P.F. – Sim. Aí há de tudo. Quando começas a ser muito conhecido, quando começas a ser um ídolo para muita gente e a ser assediado em todos os aspectos… um deles também é esse: és solteiro, tens 18, 19 anos, 20. E, no meu caso, até mais tarde, já em Madrid. Há situações únicas que vives, que não estás preparado para isto e ninguém te ensinou a lidar com elas. Então conto cinco histórias incríveis que me aconteceram.

– Há alguma referência à sua passagem pelo Japão no livro?

P.F. – Sim. Conto de França e vou também ao Japão. Fui preso pela primeira vez na minha vida no Japão [por ter estacionado o carro onde não podia] e são histórias diferentes e engraçadas. A única vez que estive dentro foi no Japão.

– Há pouco acabámos por não ir à importância do Atlético de Madrid na sua vida. E da sua relação com o presidente Gil e Gil. É também um dos temas do livro?

P.F. – Sim, há um capítulo sobre isso, onde conto a minha relação com o clube e especialmente com o presidente mais polémico do mundo. Eu também não estava preparado, com 22 anos não estava preparado para ser capitão da terceira melhor equipa de Espanha, com o presidente mais polémico do mundo. Então conto as nossas brigas, a nossa história de amor e ódio. Naquela altura, e nunca mais, o Atlético de Madrid só conseguiu vender mais jornais que o Real Madrid quando estávamos à briga um com o outro, a chamarmo-nos de tudo, de filha da mãe para cima.

– Voltemos a Portugal e ao Sporting. Desta vez não entrou na estrutura directiva do clube. Vê-se a voltar a tentar?

P.F. – Estava preparado para voltar. Mas neste momento não conseguimos ganhar e o sportinguismo tem de estar unido. A situação é delicada, o Carlos Freitas e o Luís Duque têm um trabalho muito duro pela frente. O FC Porto está muito forte e o Benfica também, por isso não podemos pensar que vamos ser campeões já em Novembro. Vamos fazer tudo para ganhar no próximo ano, mas a situação não é fácil. Temos é de construir uma equipa para que, se não no próximo ano, nos próximos anos consigamos ter um ciclo ganhador.

– O novo treinador, Domingos Paciência, já foi anunciado. O que é que lhe parece?

P.F. – Parece-me uma grande opção. O Domingos fez um trabalho excelente no Braga. Depois é um homem que foi também um grande jogador, que conhece bem os balneários. Acho que é uma grande opção. Mas volto a repetir e nunca foi melhor dito: é preciso paciência.

– Outro feito da actualidade também relacionado com o Sporting: Cristiano Ronaldo, formado pelos leões, fez 40 golos na Liga espanhola. Já é um símbolo naquele país, como o Futre foi. Como é que olha para esta marca?

P.F. – Vejo-a incrível. Acho que o Cristiano, se tem a sorte de estar numa final do Campeonato do Mundo com Portugal – e é incrível o que vou dizer mas é verdade, e era impensável há uns anos –, acho que ele pode passar o Eusébio. Ele vem de Ferrari e se tem a sorte de ir a uma final de certeza absoluta que vai passar o Eusébio.

– Vem aí a final da Champions. O que espera desse jogo?

P.F. – Bom, acho que o Barcelona vai ter a bola. Não há equipa que possa ter mais posse de bola que o Barcelona. E quem tem a posse de bola normalmente tem mais possibilidades de ganhar qualquer jogo. Mas também temos de ver que o Manchester tem uma grande equipa, jogadores que podem decidir a qualquer momento. Só que o dono da bola é o Barcelona e para mim é favorito.

– Tem saudades de jogar futebol?

P.F. – Não. Quando fui director desportivo tinha muita vontade, quando ouvia os pitões no cimento do túnel. Aí dava-me uma vontade tremenda de entrar no campo. Mas já passaram uns anos, está mais que arrumado.

– Que projectos tem no imediato?

P.F. – Estou a fazer toda a promoção do livro aqui em Portugal. Depois está aí todo o mercado do futebol, em Julho e Agosto. Não sei ainda, estão a surgir várias coisas para continuar aqui em Portugal, mas vamos nas calmas. De momento interessa-me só a promoção do livro, que é o meu bebé.

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