“A reforma ortográfica é o guarda-chuva da diversidade”

Macau era uma oportunidade que esperava já há algum tempo, mas sozinho ficava difícil fazer a viagem. Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, está cá para falar do Acordo Ortográfico, nos Colóquios da Lusofonia.

 

Hélder Beja

 

É considerado por muitos o mais importante linguista brasileiro vivo. Evanildo Bechara, 83 anos, quinto ocupante da cadeira número 33 da Academia Brasileira de Letras, teve por missão implementar o Acordo Ortográfico no Brasil. O autor da consagrada “Moderna Gramática Portuguesa”, publicada originalmente em 1961, está no território para participar nos Colóquios da Lusofonia. Hoje, às 15h, participa numa sessão ao lado de Malaca Casteleiro, da Academia de Ciências de Lisboa, e de Concha Rousia, da Academia Galega de Língua Portuguesa. Antes falou ao PONTO FINAL.

– Está em Macau para falar sobre o Acordo Ortográfico. Teve um papel importante na implementação na nova ortografia no Brasil.

Evanildo Bechara – O Brasil teve um membro da Academia [Brasileira de Letras], o professor António Houaiss, que trabalhou na redacção do Acordo, como trabalhou também Malaca Casteleiro. Quando entrei para a Academia, em 2000, recebi a incumbência de implementar o Acordo. A nossa Academia publica, por delegação do Governo, um vocabulário ortográfico, e a última edição do vocabulário estava esgotada. Então, tínhamos de publicar uma nova edição do vocabulário ortográfico quando começaram os movimentos da implementação do Acordo. Ficámos nesse dilema: ou fazíamos a quinta edição pelo sistema antigo, ou levávamos avante a quinta edição implementando o Acordo, que estava assinado desde 1990 e estava no limbo, ninguém falava dele. Mas a partir de 2008, tanto em Portugal como no Brasil, começaram os movimentos – uns contra, outros a favor – no sentido da implementação do Acordo. Na Academia achámos bem implementar a reforma de 1990.

– E que significado teve essa decisão?

E.B – Em virtude disso o Brasil sofreu duas críticas de Portugal. A primeira, no sentido de implementar o acordo com pressa. Mas não era problema de pressa. Tínhamos era de oferecer aos falantes de língua portuguesa no Brasil uma nova edição do vocabulário ortográfico. A quinta edição saiu em virtude de uma sequência de edições. Outra crítica que se fez foi que o Brasil estava muito açodado na implementação da reforma porque a reforma atendia muito mais aos hábitos ortográficos brasileiros do que aos hábitos portugueses.

– E isso é ou não verdade?

E.B. – Quem diz isso não leu o Acordo, porque podemos dizer que 90 por cento do Acordo repete a ortografia portuguesa de 1945, que era a ortografia vigente em Portugal e que era seguida pelos africanos. O Brasil teve de fazer mais cedências do que Portugal. A única cedência maior dos portugueses é não escreverem a chamada consoante muda. No Brasil tivemos de, primeiro, abolir o trema, segundo, abolir o acento agudo dos paroxítonos com os ditongos ‘ei’ e ‘oi’. Por exemplo, para os brasileiros seria impensável escrever ‘ideia’ sem acento agudo. Os portugueses já faziam isso desde 1945. Se prestarmos atenção, os brasileiros tiveram de ceder mais que os portugueses. E por que os brasileiros fizeram isso? Porque era ideia do académico António Houaiss que qualquer cedência que o Brasil fizesse seria pequena em relação à oportunidade de oferecer à língua portuguesa um sistema ortográfico unificado. A reforma ortográfica deu os seus primeiros passos em Portugal em 1885, quando o sistema ortográfico passou a ser examinado com olhos científicos, com dois grandes organizadores desse esboço de sistematização: Gonçalves Viana e Vasconcelos Abreu, dois grandes filólogos. Naquele tempo o acordo tinha uma finalidade pedagógica, de facilitar a escrita aos jovens que estavam começando a ser alfabetizados.

– E agora?

E.B. – Passados mais de 100 anos, a tentativa de unificação passou a ter outro sentido, tão importante como o peso didáctico-pedagógico da simplificação: o bloco lusófono passou a ter uma importância maior no concerto universal. Esse concerto precisava de uma língua escrita unificada. Nos grandes escritórios internacionais saía um texto em francês que servia França, Canadá e outros países francófonos, que tinham diferenças gramaticais, mas a unificação ortográfica sobrepunha tudo isso. A mesma coisa com Espanha. Aparecia um texto em espanhol, grafado unificado, e sabemos que as diferenças do espanhol da Europa e da América são muito grandes. Não saía texto em português, porque havia o problema: na ortografia brasileira ou na ortografia portuguesa? Agora não. A reforma ortográfica é o guarda-chuva da diversidade, mas ela, no seu sentido de unificação, vem facilitar a presença do bloco de língua portuguesa – oito nações – no grande debate universal da economia, da tecnologia, cultura, etc.

– No Brasil já há uma forte implementação do Acordo. Em Portugal o processo ainda decorre.

E.B. – Ainda, mesmo porque o Governo português fixou em seis anos a implementação do Acordo, que termina em 2014. O Governo brasileiro fixou em quatro anos, terminando em 2012. Mas posso dizer que toda a imprensa brasileira, os livros, os documentos oficiais – praticamente o Acordo está implementado a pelo menos 90 por cento. O papel da imprensa é fundamental, porque se para nós a grafia de uma palavra tem por trás de si uma história linguística, o falante comum escreve a palavra como a vê escrita, apela para a memória visual. De modo que a presença da imprensa, da televisão com as suas legendas, tudo isso serve de grande auxiliar para o grande público escrever.

– Mas a reacção, do lado português, não tem sido a melhor.

E.B. – A reacção dos portugueses em abandonar as consoantes ditas não articuladas é uma reacção que fere a lógica. O não uso das consoantes mudas é um grande auxiliar no aprendizado das crianças para dominar e escrever a língua portuguesa.

– Macau ainda não adoptou o Acordo e ainda não há uma posição oficial. O que acha disto?

E.B. – Tenho impressão que Macau marchará como marchou Timor-Leste. Não foi chamado porque naquela época não tinha condições na sua individualidade histórica. Agora tem e por isso Timor-Leste entra no grupo dos países de língua portuguesa. Faz sentido que as pessoas aprendam o português já com o novo sistema ortográfico. Acho que o nosso encontro, além de ser um capítulo da grande história náutica portuguesa presente em Macau como em outros lugares do mundo, é também uma oportunidade de Macau reflectir sobre a necessidade da adopção do novo sistema ortográfico.

– Que vantagens vê na aplicação do Acordo?

E.B. – São vantagens de toda a sorte. Vantagens linguísticas, porque todos nós vamos olhar um texto e ver que apresenta uma unidade, uma língua que conseguiu depois de grande esforço chegar à sua maturidade cultural e política. A unificação de um sistema ortográfico representa uma unidade cultural e política. Repare que a ortografia oficial espanhola é defendida por 22 academias de língua espanhola. Isso representa uma maturidade linguística e também uma maturidade política, em virtude de ver que acima das diferenças que possam existir, existe uma unidade que precisa ser preservada.

 

4 comments

  1. Basta ler a última resposta para ver – quem souber do que está a falar, claro – a grande mentira que é este AO. Ortografia oficial Espanhola? Que é isso? Há tantas ortografias para o “espanhol” quanto há países que têm como idioma oficial o “espanhol” sendo que uma dessas ortografias é o castelhano.
    É uma ideia perfeitamente senil achar que o idioma português se pode “unificar”. Basta, aliás, ver ambos os VOLPs (brasileiro e português) para se verificar essa impossibilidade. Não é por retirar acentos agudos ou consoante mudas que se vai unificar coisíssima nenhuma; e as consoantes que são mudas em Portugal, mas que são ditas no Brasil? E a regras para utilização de maiúsculas e minúsculas? E as regras para a utilização do hífen?
    Não basta atirar postas de pescada, como faz este linguista sénior (junto com o seu colega luso), a ver se colam na parede, porque nem todos somos ignorantes nem aceitamos estas afirmações como se isentas de erro fossem. Porque não são isentas de erro, de muitos e infindáveis erros. É necessário, de facto, ler o texto do AO para ver as enfermidades que encerra, é preciso questioná-las e urge corrigí-las.

  2. Aliás, tenho mais uma pergunta: onde está o estudo científico que prova que “o não uso das consoantes mudas é um grande auxiliar no aprendizado das crianças para dominar e escrever a língua portuguesa”? Quero ver a prova de que as criancinhas brasileiras dão menos erros ortográficos que as portuguesas e as africanas só porque não têm consoantes mudas. Mas é que gostava mesmo de ver!
    É extremamente grave dar-se lugar a afirmações levianas e mentirosas deste calibre. Uma mentira dita muitas vezes tem a tendência a tornar-se verdade. Os incautos que se acautelem!

  3. Brilhante entrevista!
    Somente as gerações futuras poderão aquilatar, com precisão, o imenso serviço que homens como Bechara prestaram às nações e territórios lusófonos.
    Parabéns!

  4. Sou brasileiro.

    Quanto a entrevista e aos comentários já postados:

    Também não sei de onde ele tirou que uma criança vai aprender mais fácil com ou sem a consoante muda …

    Mas fora isso, vim parar nesse site porque estava lendo uma notícia em um site de portugal sobre a operação que resultou na morte de Osama Bin Laden (ora lia Usama … Ora Osama… enfim) e no final da notícia dizia “Este texto da agência Lusa foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.”

    Cheguei aqui pesquisando no google notícias sobre “Acordo Ortográfico”, pois apesar de eu achar “pouco comum” usar a palavra “abrigo” na frase acima, eu pude ler o texto todo da notícia de forma muito menos incomoda.

    Pra mim, ler assembleia, ideia, sem acentuação nem assusta tanto pois na internet muitas pessoas já esquecem que a acentuação existe.

    Mas escrever ainda vai demorar até 2012, risos :o)

    Fico feliz em ver que o acordo não esteja naufragando. Agora estou morando em Brasília, e eventualmente poderei tentar algum cargo público através de concurso. Assim que acabar o prazo, a ortografia atual não será mais aceita na correção destas provas.

    Espero realmente que se unifique a ortografia. O vocabulário empregado, como os dialogos acontecem, a pronúncia, o sotaque, enfim … existe tanta coisa que ainda confere difererenças entre o “português brasileiro” e o “português lusitano”.

    Para terem uma ideia (escrevi idéia e tive que corrigir… rs)
    na Universidade, os intercambistas que falam português lusitano, cheguei a pensar que estavam falando espanhol. É muito diferente.

    Que acham?

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