O futuro está no mandarim

– Como divide o tempo entre o Fórum e a Associação de Trabalhadores da  Função Pública de Macau?

R.S. – Na hora de almoço, vou à ATFPM. Ao fim-de-semana também, para dar apoio e ouvir as opiniões dos associados e, assim, poder apresentar propostas ao Governo. Além de presidente da assembleia-geral, sou também responsável pela organização de actividades recreativas e culturais. Praticamente não tenho tempo livre. Tenho sorte porque tenho o apoio total do meu marido e do meu filho, que já está crescido e também está a montar o seu negócio. Espero que ele consiga qualquer coisa um dia.

– E a Rita Santos, sente que conseguiu alguma coisa?

R.S. – Houve uma coisa de que gostei bastante. Foi pena que os meus pais não estivessem vivos. Foi quando recebi a comunicação do Governo de Portugal de que tinha sido condecorada comendadora. Foi uma notícia bastante boa para mim, os meus irmãos, cunhados e sobrinhos. Não é a posição que determina a amizade – as pessoas não me chamam secretária-geral, coordenadora ou comendadora. Chamam-me Rita Santos. Tratam-me por pessoa amiga. Espero que, depois de me reformar, continue a ter esta camaradagem, que me dá vida. Sou Rato, as pessoas deste signo gostam muito da vida social. Estou feliz e gosto de viver em Macau, a minha terra, onde tenho as minhas raízes, todos os apoios e onde posso ajudar as pessoas.

– Gosta de ajudar?

R.S. – Muito, desde criança. Aos sete anos comecei a trabalhar pela comunidade. Levantava-me às seis da manhã, alternadamente com a minha irmã, para ir ao norte da cidade buscar dez pães, que eram para o pequeno almoço. Éramos dez irmãos. Nasci numa família muito pobre: a minha mãe era doméstica; o meu pai, polícia com quatro estrelas e pouco rendimento mensal. Tínhamos de trabalhar nas férias para contribuir para o sustento da família: fiz panchões, malas, flores artificiais, cortei fios das calças de ganga. Também trabalhei numa fábrica de brinquedos.

– Qual foi o primeiro trabalho que teve?

R.S. – Foi a fazer panchões. Tinha oito anos. As minhas irmãs mais velhas iam à fábrica buscar panchões e levavam-nos para casa. Era um trabalho perigoso, aquilo era explosivo. Quando recebia o produto do meu trabalho, parte era para a minha família; a outra, para eu poder comprar material escolar. Gostava de poder ganhar um bocadinho para conseguir comprar uma coisa nova. Foi por isso que ganhei esta ideia: só com trabalho é que podemos ganhar o pão de cada dia.

– Qual foi a primeira coisa que lhe deu mesmo gosto comprar?

R.S. – Um par de sapatos. Usava sempre os das minhas irmãs: tinha de pôr muito algodão para poder adequá-los ao tamanho do meu pé. Comecei a passear pela zona norte, a tentar mostrar que tinha um par de sapatos novos (risos). Eram vermelhos. Comprei também um boneco, que ainda guardo. Agora, que estou numa situação financeira mais folgada, quando vejo bonecos, compro. Era o meu sonho ter uma boneca bonita para me acompanhar durante a noite.

– E hoje qual é o seu sonho?

R.S. – Gostaria de influenciar mais pessoas a trabalhar nesta área. Que Macau continuasse a ter esta imagem de plataforma para sempre. Que a língua portuguesa e a cultura dos países lusófonos fosse cada vez mais forte. Que as pessoas, quando vissem Macau, dissessem: ‘Ah… Macau é um ambiente de encontro de culturas, onde podemos viver’.

– Tem essa capacidade de influência?

R.S. – Não é isso. Digo a quem se cruza comigo: ‘Aprenda mandarim’. Porquê? É um bom futuro. Sinto que estou a ser muito acarinhada pelos amigos da RPC e dos países lusófonos porque tenho a cultura portuguesa e aprendi a cultura chinesa. Fiquei tão contente quando falei mandarim com a minha sobrinha-neta. Olhei para ela e pensei: “Se quiser continuar a viver em Macau, terá um bom futuro”. É melhor os nossos amigos portugueses e macaenses aprenderem mandarim, sem desrespeitar a nossa língua portuguesa, a nossa língua do coração. S.N.

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