Em Macau, como no Brunei

No mapa da Ásia, restam apenas dois pequenos pontos onde a negociação colectiva ainda não vestiu a forma de lei. Macau é um deles, alerta a OIT.

Maria Caetano

Além da monarquia islâmica do Brunei, Macau permanece o único território da Ásia onde ainda não foram regulamentados as organizações sindicais e o direito à negociação colectiva. A constatação parte do gabinete da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Pequim, que salienta o atraso da RAEM em relação ao que sucede no Continente, por exemplo, e insta os legisladores locais a actuarem.

“Praticamente todos os países asiáticos já definiram as regras e procedimentos para reconhecer os sindicatos e os seus direitos e para orientar a negociação colectiva. O Brunei é o único país onde não existem essas leis. Talvez seja algo em que é preciso pensar”, disse ao PONTO FINAL Chang Hee Lee, especialista em relações industriais e diálogo social do gabinete da OIT em Pequim.

O responsável foi um dos oradores convidados a participar num seminário que ontem reuniu representantes do Governo, empresários e trabalhadores para discutirem o actual mecanismo de concertação social. No encontro, a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) referiu que “o mecanismo tradicional de resolução de problemas” nem sempre funciona; a Câmara de Comércio de Macau deixou elogios ao actual sistema com que o Executivo consulta as partes. E o Governo, através da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) reconheceu a necessidade de “melhorar”. Tudo, sem ser reconhecida a necessidade de legislar sobre a matéria.

A OIT tem, no entanto, diferente entendimento. “Sem conhecer em detalhe a situação de Macau, posso dizer que não é muito comum não haver lei sindical ou uma lei para a negociação colectiva”, admitiu Chang Hee Lee. A organização emitiu também já há quatro anos recomendações para que Macau legisle sobre os sindicatos e a negociação colectiva – cuja regulamentação está prevista na Lei Básica. Até hoje, sem qualquer desenvolvimento.

Interacção ordeira

No Continente, os anos recentes têm assistido a várias iniciativas legislativas dirigidas à protecção dos trabalhadores: a Lei Sindical vigora desde 1992; a Lei Laboral de 1995, que instaurou o mecanismo de negociação colectiva; a Lei da Segurança no Trabalho de 2002; o Regulamento dos Contratos Colectivos de 2004; e, por fim, a nova Lei dos Contratos de Trabalho, em vigor desde 2008.

Nem sempre efectiva, como referem algumas organizações não-governamentais, o mecanismo legal da negociação colectiva tem vindo, no entanto, a ser promovido a nível nacional nos anos mais recentes. “Desde o início de 2000, e em particular a partir do último ano, o Governo Central fez um esforço tremendo para promover a negociação colectiva. De outra forma, é muito difícil gerir os conflitos. Quer que os conflitos sejam canalizados para uma forma de comunicação ordeira”, explica o especialista da OIT em Pequim, que reconhece as omissões da RAEM.

“Certamente posso ver que falta aqui qualquer coisa nesta região – as regras e procedimentos que permitam a interacção ordeira e a consulta entre trabalhadores e empregadores”, afirma.

Desde o início do ano, o Continente tem assistido a crescente contestação laboral, com a ocorrência de várias greves em fábricas do país na sequência do muito mediático caso Foxconn – empresa em Shenzhen onde uma onda de mais de uma dezena de suicídios de operários chamou a atenção mundial para a situação dos trabalhadores chineses. Algumas províncias do país optaram por decretar aumentos ao salário mínimo, que as leis laborais chinesas instituem.

Para Chang Hee Lee, as várias greves ocorridas este ano vêm mostrar que “os trabalhadores chineses estão mais conscientes dos seus direitos e de como os accionar. Pertencem a uma geração mais nova e melhor educada que aspira a partilhar da prosperidade criada pelos trabalhadores”.

Já a RAEM não consagra o direito à greve, ou tão pouco a um rendimento mínimo de trabalho – que, no entanto, começou a ser estudado este ano pelo Governo. O responsável da OIT considera que, neste capítulo, não basta realizar consultas. “O mais importante é que o Governo oiça as vozes da comunidade empresarial e dos trabalhadores de uma forma muito neutral e independente, para que haja legislação equilibrada sobre o salário mínimo. Isto tem de ser assegurado de forma institucional. Não basta falar com as pessoas e depois tomar uma decisão. São necessárias regras”, defende.

Encontrar, treinar e (talvez) importar

O Governo não pondera alargar as quotas para a importação de mão-de-obra ou flexibilizar as regras de contratação de não residentes em sectores específicos – pelo menos, para já. As queixas de falta de trabalhadores têm partido do grande tecido empresarial – como as operadoras do jogo – e também das pequenas e médias empresas, mas a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) mantém firme o discurso sobre a protecção do trabalho local. “O primeiro passo é encontrar mais trabalhadores locais, e o segundo é treiná-los. Só quando não conseguirmos encontrar ou treinar mão-de-obra local é que será altura de importar trabalhadores. Este processo deve ser feito passo a passo”, defendeu ontem o director da DSAL, Shuen Ka Hung, em declarações transmitidas pela TDM por ocasião de um seminário sobre negociação tripartida.

Leave a Reply