Silvério nega abuso de poder

O ex-presidente do Instituto do Desporto refutou ontem em tribunal ter exercido pressão na contratação de uma massagista que, entende o Ministério Público, não tinha qualificações para tal. Silvério não encontra mácula no que fez.

Isabel Castro

Conheceu a massagista Pun numa sauna de Macau e, contou ontem em tribunal, recorria aos seus serviços, bem como aos de outras profissionais do estabelecimento comercial, sempre que as suas dores de costas o exigiam. Até que, há cerca de oito anos, foi informado de que um dos terapeutas do Centro de Medicina Desportiva (CMD) – à altura sob a sua alçada –  estava prestes a abandonar o emprego. A substituição tinha carácter de urgência e não era fácil encontrar profissionais em Macau.

A solução foi apresentar a massagista Pun ao chefe de divisão responsável pela matéria, que conduziu a entrevista e elaborou a proposta para o recrutamento da mulher. A proposta foi aceite – Manuel Silvério, o então presidente do Instituto do Desporto (ID), assinou a documentação para que a massagista pudesse ter um contrato de tarefa.

Acontece que a mulher não tinha forma de provar as suas habilitações académicas, mas tal não constituiu qualquer obstáculo para a sua contratação. O Ministério Público (MP) encontra razões para considerar estar-se perante um crime de abuso de poder, imputando a Silvério benefícios em causa própria, que terão sido extensíveis a outros funcionários públicos ou indivíduos não trabalhadores do Governo. A acusação estranha o valor do salário (superior ao índice 400), a inexistência de qualificações de Pun e o facto de o ID não ter recorrido ao método que tinha sido utilizado na contratação do antecessor da massagista – um acordo com a entidade homóloga da China.

Ontem, perante o colectivo do Tribunal Judicial de Base (TJB) presidido por Ho Wai Neng, o antigo homem forte do desporto de Macau negou ter exercido qualquer pressão para que Pun fosse contratada. Manuel Silvério defendeu-se dizendo que se limitou “a sugerir uma pessoa que podia ser útil”. Explicou que a indicação da massagista para o CMD não foi sua, embora a conhecesse: a ideia foi de Cheong Vai Kei, à época deputado à Assembleia Legislativa e ligado ao desporto da RAEM. A sugestão partiu também de “outros atletas”. “Contaram-me que ela queria mudar de ambiente de trabalho e curar os atletas.” Terá sido ainda Cheong Vai Kei (entretanto falecido) que teve a seu cargo auscultar Pun no sentido de saber se esta estava interessada em trabalhar no CMD.

Massagem a quem?

O MP estranha que o ex-presidente do ID tenha ligado a um seu subordinado – o chefe de divisão Lai – num dia em que era feriado (segundo o que foi possível perceber da tradução). “Eu, Manuel Silvério, tenho o hábito de trabalhar sete dias por semana”, ripostou o arguido quando confrontado com a altura escolhida para sugerir a entrevista. O antigo dirigente referiu ainda não ter visto a documentação de Pun, tendo deixado isso a cargo de Lai. “Se fosse ilegal, não iria diferir ou aprovar” a proposta preparada pelo chefe de divisão, vincou. A instâncias do MP, relatou ainda que, a pedido de Lai, Pun “exemplificou as suas técnicas”.

A defesa, a cargo de Rui Sousa – do escritório de Jorge Neto Valente, que ontem esteve presente no TJB – tentou demonstrar que Silvério não lucrou com a contratação de Pun. “Actuei de acordo com as necessidades. Decidi em benefício dos atletas. Algumas dessas testemunhas farão justiça em relação não a mim, mas a essa senhora”, disse o arguido.

Das testemunhas que ontem passaram pelo TJB, destaque para o chefe Lai, autor da proposta de contratação da massagista. Embora tenha referido por diversas vezes já não se recordar com exactidão dos acontecimentos, o antigo subordinado de Manuel Silvério explicou que, durante a entrevista a Pun, esta referiu que, “por questões técnicas” e por ser do Norte da China, tinha dificuldades em entregar o certificado de habilitações. A testemunha disse não ter recebido indicações para preparar a proposta, mas afirmou igualmente que “pode dizer-se que foi ordem superior”. E isto porque “a senhora foi apresentada pelo superior, deve ser tratada como um caso especial”.

Inquirido pelo MP, Lai anuiu que, não tivesse Pun sido apresentada pelo então presidente do ID, e não teria sido contratada – “Não tenho condições para conhecer pessoas assim desse género”, disse – mas admitiu que os seus serviços não foram alvo de queixas e a qualidade seria equivalente à do seu antecessor. E foi neste ponto que se verificou a maior contradição da tarde, com Lai a negar que Pun lhe tenha exemplificado as suas técnicas. De acordo com o que foi possível perceber da tradução, a testemunha referiu mesmo que, ainda no dia da entrevista ou uns dias mais tarde (não se recorda da data precisa), viu Manuel Silvério entrar na sala de tratamento do CMD com Pun. O arguido levantou-se e tentou usar da palavra durante a inquirição desta testemunha, mas o presidente do colectivo não lhe deu autorização.

Pelo TJB passaram ainda os actuais dirigentes do ID, Alex Vong e José Tavares. Vong, que depois de vários anos na qualidade de substituto de Manuel Silvério (em comissão para preparar três eventos multidesportivos), assumiu plenamente as suas funções, esteve apenas dois ou três minutos na sala de audiências. A testemunha assinou a proposta de renovação do contrato de Pun sem ter colocado questões em torno da tarefeira. “A primeira vez que se assina um contrato há mais rigor, era apenas uma proposta de renovação”, justificou. O julgamento continua hoje.

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