Um Chefe muito fora

Os politólogos analisam as deslocações do novo Executivo e a forma como Chui Sai On trata dos assuntos externos. As conclusões não são consensuais: se para uns o governante está a criar uma marca, para outros é Pequim quem está a falar.

Sónia Nunes

Em pouco mais de meio ano, o Chefe do Executivo desdobrou-se em contactos directos com os líderes de várias províncias chinesas e montou uma delegação de topo para se deslocar a Taiwan. Os assuntos externos são a imagem diferencial de Chui Sai On em relação ao antecessor Edmund Ho? Há quem diga que sim e destaque o desaparecimento das palavras ‘jogo’ e ‘entretenimento’ da projecção de Macau no exterior. Há também quem diga que não e defenda que tudo o que se passa, passa-se por causa dos planos do Governo Central para a região.

As viagens do Chefe do Executivo não estão a passar despercebidas – para o bem e para o mal. Se, na semana passada, o deputado José Pereira Coutinho, dizia “lamentar” ter um Chefe do Executivo “mais virado para uma política de negócios estrangeiros” do que para os assuntos internos, o governador de Guangdong, Huang Huahua, afirmava que o facto de Chui Sai On ter visitado 12 cidades da província, desde que tomou posse, era uma “prova das fortes relações” entre as duas regiões. Os politólogos também estão atentos às deslocações e, ao contrário do presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública, não encontram desvantagens na estratégia – as divergências só surgem na análise sobre o porquê da política.

A Lei Básica estipula que o Governo pode tratar dos assuntos externos desde que autorizado por Pequim. E, segundo Larry So, é esta premissa que tem vindo a validar a promessa de “inovação” do novo Executivo. “Vai além da diplomacia. Há uma diferença em relação a Edmund Ho: Chui Sai On está mais inclinado para a política externa”, vinca o sociólogo. Para o académico há duas razões plausíveis: “Primeiro, estudou durante vários anos nos Estados Unidos, o que lhe poderá conferir um perfil mais adequado para estabelecer este tipo de relações. Em segundo, a China está mais aberta à comunidade internacional. E, com esta mudança, Chui tem mais uma oportunidade”.

A leitura de Agnes Lam, dirigente da Energia Cívica e analista política, é diferente. “Não sei se está muito inclinado para os assuntos externos. Parece-me que está mais a fazer questão de dizer a toda a gente que assumiu o cargo”, afirma, céptica, a candidata às eleições legislativas de 2009. Aos olhos dos dois comentadores políticos, Chui Sai On fez viagens diferentes aos mesmos sítios.

“Alexis Tam é o nosso Kissinger”

Comecemos por Portugal, em Junho. “Estabeleceu-se um contacto próximo com o Governo português. O papel de Macau como plataforma e as relações com os países de língua portuguesa estão, sem dúvida, num patamar melhor”, observa Larry So. “Foi uma visita de cortesia. O que aconteceu em termos práticos? Nada. Não se assinou nenhum acordo”, relativiza Agnes Lam. Mais: “Lembro-me que Edmund Ho, no início do mandato, também foi a Portugal e saía muito. É, portanto, uma prática comum e não propriamente uma cooperação”, vinca a professora. Os sucessivos périplos de Chui Sai On pelo Continente também não reúnem consenso.

Os dois académicos concordam, porém, num ponto: as deslocações do Chefe do Executivo ao Continente estão no cumprimento da política, estabelecida pelo Conselho de Estado, de integração regional. “Os contactos com a região do Delta fazem parte do plano nacional, com o projecto de transformar Guangdong e Fujian numa nova zona económica”, diz Agnes Lam. “Não é nada de novo. Ho também o fazia”, concorda Larry So. Mas, ressalva, há diferenças entre os dois líderes na interpretação do ‘desígnio nacional’.

“O que mais me agrada é a imagem que Chui está a projectar na região: Macau não é só casinos. Há outras indústrias, há turismo, há cultura. Edmund Ho só falava no jogo e no entretimento – slogan que Chui não usa para promover Macau”, destaca o professor. “Está só a executar o plano estabelecido pelo Governo Central”, contrapõe Agnes Lam. “O Governo Central pode sublinhar um ou outro aspecto mas não diz ao Chefe do Executivo para dizer isto ou aquilo. Há um plano nacional que depende da forma como cada região vê o seu papel”, insiste So.

Esta manhã, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura Cheong U desloca-se a Taiwan numa visita histórica – que, por enquanto, está marcada pela caricata (e discreta) deslocação do chefe de gabinete do Chefe do Executivo a Taipé. “Alexis Tam é o nosso Kissinger. Ninguém soube que ele ia, só se soube que ele foi lá. Há muitos rumores sobre o silêncio. Um deles estará relacionado com a vontade quer de Macau, quer de Hong Kong de terem um gabinete de Taiwan. Tam terá ido discutir este assunto. Se não tivesse sucesso nas negociações, não falaria; se tivesse, falaria.” A teoria não é aceite por Agnes Lam. “Não faz sentido. No máximo, o Centro Económico e Cultural de Taipé em Macau será desenvolvido e terá um novo papel. Mais do que isto não me parece possível”, defende.

Se a académica espera que Cheong U “desenvolva uma cooperação ao nível das indústrias culturais”, o académico estima que a aproximação a Taipé signifique “mais investimento económico, na área das infra-estruturas, para a região”. Larry So não duvida: “O turismo ou o reconhecimento das licenciaturas são as questões superficiais desta deslocação”.

Vice-presidente da CPCC recebeu Chui Sai On

O Chefe do Executivo, Chui Sai On, esteve ontem reunido com o vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e membro do Gabinete Político do Comité Central do Partido Comunista, Wang Gang. O encontro decorreu à margem da VI Exposição do Comércio e Investimento do Nordeste da Ásia, em Jiling. Segundo nota de imprensa, Wang Gang considerou a deslocação de Chui Sai On como “prova da importância que Macau dá às relações económicas e comerciais com o país” e destacou o “desenvolvimento estável” e o “progresso económico” da RAEM “desde a tomada de posse do Chefe do Executivo”. Já Chui Sai On defendeu que a participação na feira era “uma excelente oportunidade de dar a conhecer os produtos de Macau” e agradeceu ainda o “apoio de Jiling” na promoção do programa “Macau Dinâmico”, que “se traduz em mais facilidades no intercâmbio comercial para os empresários do território”. Chui mostrou ainda “o desejo de reforço das relações bilaterais com a interacção oficial ao mais alto nível” – uma intenção também demonstrada junto do secretário do Comité Provincial do Partido Comunista Chinês, Sun Zhengcai.

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