“Florinda Chan deve ser a primeira a ser demitida”

É a posição do novo presidente da Associação Novo Macau, reiterada pelos deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San. Jason Chao justifica a onda de protestos contra a secretária e diz que a sátira é a arma política dos jovens.

Sónia Nunes

Apareceu na cena política nas eleições legislativas do ano passado, aos 22 anos e como número dois da lista de Au Kam San. Hoje é presidente da Associação Novo Macau e não pestaneja quando defende a demissão da secretária para a Administração e Justiça. Jason Chao fala em inovação e criatividade para legitimar o recurso a demónios e crucifixos para fazer opinião – mas não altera o discurso em relação aos trabalhadores não residentes. É a economia de Macau, diz, quem não está preparada para a mobilidade total da mão-de-obra.

– Foi eleito em Julho presidente da Associação Novo Macau, aos 23 anos e com cinco anos de casa. A que se deve esta ascensão?

Jason Chao – A Associação Novo Macau promove a democracia. Não é uma questão de experiência ou antiguidade. Está antes relacionada com o desempenho e o trabalho feito. Talvez haja quem esteja na associação há mais de uma década, mas não quer ser presidente. Há dois aspectos: a vontade individual de liderar e a forma como se é reconhecido pelos membros da associação.

– Tinha essa vontade de liderança? Está preparado para o cargo?

J.C. – Antes das eleições, apercebemo-nos que não conseguíamos encontrar uma pessoa da mesma faixa etária de Au Kam San ou Ng Kuok Cheong para preencher a posição. Há um hiato geracional – há poucas pessoas na casa dos 30. Segundo a explicação de António [Ng Kuok Cheong], está relacionado com a pós-transição: as pessoas com mais privilégios e melhor educação foram recrutadas para a Administração. Um funcionário público terá alguma relutância em participar em organizações políticas como a nossa. Hoje, mais jovens têm educação superior e sentem-se mais comprometidos com a sociedade. Alguém sugeriu que era tempo de a geração mais nova arriscar. Sinto-me disposto a tentar. Compreendo que isto é uma novidade sem precedentes na história da direcção das associações (particularmente, das com fins políticos). Quero transformar a associação, dar-lhe uma imagem mais jovem. A minha geração tem alguma resistência em relação aos assuntos sociais e sente, muitas vezes, que a política é um jogo sujo. E os pais querem que as pessoas da minha idade façam carreira no Governo.

– Presumo que assuma essa aproximação à juventude como o ponto de diferenciação entre a anterior direcção. Como é que vai transmitir essa mensagem?

J.C. – Estamos a tentar ser inovadores e criativos – levamos demónios para a frente da Assembleia Legislativa. Estamos a tentar obter a atenção da geração mais nova e queremos colaborar mais com outras associações – como a Juventude Dinâmica de Macau – para promover as questões que entendemos serem importantes, mas que ainda não são tidas como importantes pelos jovens. Fala-se muito na formação de quadros políticos na comunidade chinesa, mas parece-me que estão mais a preparar pessoas para serem deputados. O que nós fazemos é encorajar o pensamento crítico.

– Esta inovação de que fala, acções de rua com crucifixos e representações do Diabo, não pode ser lida como imaturidade política?

J.C. – A sátira é facilmente percepcionada desse modo. Brincar com símbolos, por vezes, funciona bem; outras, não. Até ao momento, não recebemos quaisquer queixas. Também não as esperava: deixamos muito claro que não pretendíamos ofender nenhuma religião ou associação. É uma prática comum nos Estados Unidos e na Europa.

– A actividade foi aceite pelos restantes membros da associação, que assumem publicamente um discurso cristão?

J.C. – Apesar de termos muitos membros católicos e protestantes, não somos uma associação religiosa. Temos crucifixos e imagens da Madre Teresa pendurados na parede, mas são propriedade de Ng Kuok Cheong. Chan Wai Chi também é católico; Au Kam San é ateu; eu, agnóstico. Ng Kuok Cheong deu valor ao que fizemos; Chan Wai Chi manifestou algumas reservas. Mais um vez, não tínhamos intenção de ofender nenhuma religião.

– E pensaram que poderiam estar a ofender Florinda Chan?

J.C. – Quisemos apenas ilustrar que havia demónios na proposta de lei [sobre o apoio judiciário para os funcionários públicos]. A ilustração é razoável. Adquirimo-la online, não é da nossa autoria, mas de um criativo que autorizou que a usássemos. Não dissemos directamente que Florinda Chan era um demónio.

– Desenharam uns chifres numa imagem da secretária para Administração e Justiça.

J.C. – Sinceramente, não me parece que seja uma grande questão. Se olharmos para o material de propaganda política dos Estados Unidos, reparamos que existe uma série deste tipo de brincadeiras com Barack Obama.

– Satirizar figuras políticas não é o mesmo que fazer política.

J.C. – Não se pode ter uma abordagem estanque. Não recebemos quaisquer queixas. Não há ninguém que nos tenha dito que está desiludido connosco. Defendemos que a sociedade seja mais progressista, mais aberta a diferentes tipos de manifestações e ilustrações. Os adultos, fora da associação, acharam que os demónios eram porreiros – incluindo funcionários públicos.

– Como é que contextualiza os recentes protestos contra Florinda Chan?

J.C. – Há muita gente desiludida com Florinda Chan. Ela nunca aceitou que as leis ficaram para trás: não fez o que devia ter feito. Criou vários organismos para a Reforma da Administração Pública, mas falhou em executar os compromissos que assumiu após a transferência. Quando promoveu esta proposta de lei [sobre patrocínio jurídico] disse um disparate mais ou menos como este: ‘Nós, os funcionários públicos, temos mais benefícios do que vocês. É aceitável que usemos dinheiro público para vos processar’.

– O que a secretária afirmou foi que se este apoio fosse estendido aos cidadãos, teria também de alargar os restantes benefícios da função pública a todos.

J.C. – Não sei se leu…

– … Estava na conferência de imprensa, com tradução simultânea. A secretária também falou em português.

J.C. – O que ela deu a entender aos chineses foi o que eu disse. As palavras da secretária foram muito mal recebidas pela comunidade chinesa – especialmente, a mais jovem. Ng Kuok Cheong e Au Kam Sam – especialmente Ng Kuok Cheong – estão a pedir a substituição de Florinda Chan.

– Para ser substituída por quem?

J.C. – O Chefe do Executivo e o Governo Central têm autoridade para a demitir. Florinda Chan foi proposta por Edmund Ho e, agora, Chui Sai On deve ser responsável e encontrar quem seja capaz de assumir compromissos.

– Porquê Florinda Chan? Podemos admitir que o programa da Reforma da Administração de Pública não foi cumprido, mas é uma governante sem as ligações ao mundo empresarial que tanto contestam.

J.C. – As ligações com o sector empresarial são apenas um dos aspectos negativos do Governo. Sabemos que ela não tem tantas aproximações ao mundo comercial como os outros. Mas, como uma pessoa que recebe um salário tão alto, sem fazer o trabalho de forma eficaz deve ser a primeira a ser demitida. Comparando com os outros gabinetes, Florinda Chan ignorou completamente muitas das reivindicações dos deputados e deu explicações muito más.

– Podemos fazer a comparação com o secretário para os Transportes e Obras Públicas. Lau Si Io também é responsável pelas áreas mais criticadas pelos deputados da vossa associação – da habitação pública à concessão de terrenos.

J.C. – Se pedirmos uma reunião com a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, recebem-nos. Já os serviços sob a alçada da Administração e Justiça colocam-se em bicos de pés e criam uma distância de poder – aceitam as petições, mas nunca reagem. Submetemos muitos comentários sobre as propostas de lei que foram rejeitados.

– Essa postura não pode estar antes relacionada com a vossa estratégia de comunicação com o Governo?

J.C. – No passado, era ainda mais pacífico. Entregávamos a petição e íamos embora. Florinda Chan devia consultar-nos antes de tornar as propostas de lei públicas, como faz com outras associações. Nunca falaram connosco. Não sei porquê. Há alguns responsáveis do Governo que nos perguntam ‘por que estão sempre a protestar? A lei já foi submetida à AL, se fizermos as alterações que pedem, vamos perder a face’. É uma atitude correcta? Falam ainda em ‘distúrbios’. Numa sociedade justa, o Governo deve aceitar ouvir qualquer opinião pública.

– Florinda Chan conduziu a consulta pública sobre a lei de defesa nacional, que é hoje tida como um bom exemplo de auscultação.

J.C. – Isso são tretas. Ng Kuok Cheong e Au Kam San foram convidados para as consultas destinadas aos deputados, mas nunca convidaram a associação. Excluíram-nos. Eles querem realmente ouvir-nos? Duvido que sim.

– E vocês, querem realmente ouvir o Governo?

J.C. – Estamos abertos. Por favor, falem connosco.

– Está consciente que existe um muro entre as duas partes?

J.C. – Compreendemos que essa é a ideia da maioria. Também se diz que estamos à margem, o que é exagerado. Estamos a tentar um nova abordagem; estamos a tentar marcar reuniões com os departamentos do Governo. Francis Tam [secretário para a Economia e Finanças] até nos encorajou a interagirmos mais. Já Florinda Chan é relutante. É por isso que queremos seja afastada.

– Sentem-se confortáveis no papel de vítimas?

J.C. – Dizemos que somos vítimas depois de termos feito tudo o que estava ao nosso alcance.

Au Kam San sabia das campas

Apesar de ter agora pedido a abertura de inquérito disciplinar, Au Kam San fez parte da comissão da antiga Câmara Municipal Provisória que debateu a atribuição de dez campas a título perpétuo, no cemitério S. Miguel Arcanjo. “Au Kam San não aprovou nada. A comissão apenas produziu um relatório para consideração superior”, ressalva Jason Chao. O deputado, continua o presidente da Associação Novo Macau, “não se opôs” ao regulamento interno porque, “na altura, não era tão sensível em relação ao regime de concessão de terras e não tinha consciência de que pudesse haver abusos”.

Jason Chao nega discurso xenófobo

– Como é que entende a liberdade de expressão?

J.C. – É baseada no respeito mútuo. Nunca devemos ofender as garantias dos outros quando usamos este direito.

– Parece que há uma diferença na forma como o conceito é entendido pela associação. Enquanto que Jason Chao fala em liberdade para satirizar, Chan Wai Chi censura a TDM por ter transmitido uma imagem em que se via uns seios.

J.C. – Se tivesse filhos, deixaria que eles vissem?

– Foi uma imagem ofensiva?

J.C. – Provavelmente é aceite no Ocidente. No Oriente não é. Para mim, não há problemas, mas conheço a comunidade chinesa. Por vezes, é preciso fazer-se uma edição, cortar o que pode ser considerado sensível, o que é intuitivo. Pressionar um jornalista pelas perguntas que faz e fiscalizar o que vai ou não para o ar (como aconteceu no 1º de Maio de 2007), já é censura.

– Essa edição intuitiva de que fala não é também válida para notícias do foro político? É necessário falar-se em auto-censura quando se discute o apoio judiciário para funcionários públicos?

J.C. – Os dirigentes do Governo devem ser fiscalizados.

– Os jornais não são órgãos de investigação criminal e têm direito a uma agenda própria.

J.C. – Certo. Mas o que ouvimos dos jornalistas é que têm orientações dos superiores para não publicar uma determinada notícia. Em alguns jornais, o destaque dado a determinados deputados é bastante grande – para três, o espaço reservado é o rodapé da página, ainda que os assuntos sejam os mesmos. Os jornais dizem que são neutros – se assim é, o tratamento noticiosos deve ser igual.

– O que é, para si, a democracia?

J.C. – É um produto do liberalismo, baseado na liberdade, no respeito mútuo e no Estado de Direito. O sistema eleitoral não é o mais importante.

– Há, porém, sectores, mais atentos às questões laborais, que entendem que o único aspecto democrático que a associação tem é a defesa do sufrágio directo e universal.

J.C. – A questão dos trabalhadores não residentes é uma questão universal. Muitos defendem que, na era da globalização, os operários devem poder movimentar-se livremente. Mas, neste momento, a escala da economia local não pode sustentar tantas pessoas a trabalhar em Macau. Sob o princípio da justiça, todos devem ser livres e iguais, mas o mundo ainda não chegou a esse nível. Há ainda uma fronteira nacional para proteger os direitos dos indivíduos.

– Isso legitima que se defenda que os locais não têm melhores condições de trabalho por causa da mão-de-obra migrante? Ou se que faça um cartaz em que se diga “Filipinos, vão para casa”?

J.C. – Nunca dissemos isso. Alguns manifestantes podem ter dito isso, mas não a nossa associação. Não somos xenófobos e pergunto-me por que há quem ache isso.

– Talvez porque defendem que os migrantes não devem trabalhar em Macau e misturam trabalhadores ilegais com não residentes?

J.C. – O que criticamos são as práticas do patronato, não os operários. Os empregadores dão um uso errado às quotas para mão-de-obra não residente.

– Por que não lutam antes, então, pelo aumento dos direitos dos trabalhadores?

J.C. – Acreditamos que, num mercado livre, se estipularmos um vencimento rígido para os locais vai criar-se um novo problema. O mercado deve auto-regular-se, com uma condição – todos os trabalhadores devem viver nas mesmas condições. Mas os locais e os não residentes não vivem nas mesmas condições: os não residentes não têm família, podem dividir apartamentos e mandar o dinheiro para os países de origem; as pessoas de Macau têm de alimentar uma família, pagar uma renda e educar os filhos. Não é justo.

– É melhor reduzir os direitos dos cidadãos do que consentir a intervenção do Governo no mercado?

J.C. – Não estamos a reduzir nada – não são cidadãos de Macau. O fenómeno é global. Aumentar os direitos pode fazer com que o patronato opte por não recrutar locais. Por outro lado, é preciso um salário mínimo – é muito difícil. A melhor saída é controlar a mobilidade dos trabalhadores migrantes. Recebemos muitas queixas de locais que não conseguem arranjar um emprego a tempo inteiro, de empregadores que despedem residentes para contratar não residentes, que são mais baratos. É legítimo que o patronato tente aumentar os lucros. É preciso encontrar meios para empregar a população local – quando todos os residentes tiverem trabalho e, ainda assim, houver falta de mão-de-obra, aí sim, pode importar-se. É o que o Governo deve fazer.

– Qual é o seu sonho para Macau?

J.C. – Se é para falar de sonho, falo do mundo. Todos devemos ser tratados de forma igual; cada pessoa deve poder sustentar-se, viver feliz e em paz.

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