“Mourinho é o Cristóvão Colombo dos treinadores”

Calça as chuteiras depois de ter estado nas bancadas. António Caetano assume o comando do Sporting de Macau com consciência das “limitações”. Para trás deixou, com pena, um projecto que era para ser a três.

Catarina Brites Soares

Quando se fala de bola é do Sporting. Quando se trata de futebol não tem clube. Este ano bola e futebol juntam-se na mesma equipa. Agostinho Caetano é o novo treinador do Sporting de Macau. Dirigiu equipas durante 30 anos na zona das Caldas da Rainha. A Macau chegou há um ano. Da época passada ficou um projecto “por concretizar”. Da próxima temporada os jogadores do clube podem esperar um treinador consciente das “limitações” e os adeptos um veterano do desporto que só entra em campo quando é para ganhar.

– Como é que foi a vinda para Macau?

Agostinho Caetano – A minha mulher tinha estado a dar aulas em Macau de 1990 a 2003, depois teve cinco anos em Portugal. Em 2007 viemos a Macau e resolvemos voltar. Ela concorreu, foi colocada. Eu fiquei à espera um ano, em Portugal, para pedir a reforma antecipada. Estou em Macau desde Abril do ano passado.

– Já vinha com perspectivas?

A.C. – Não vinha com perspectivas. Quando equacionei vir para Macau pensei na hipótese de não arranjar nada, mas vinha sempre na esperança de poder ser útil dentro daquilo que sempre fiz, na educação física ou no futebol. Vinha com a abertura para se surgisse uma oportunidade poder aceitar essa ideia.

– Como é que começou a relação com o futebol?

A.C. – Licenciei-me no Instituto Superior de Educação Física (ISEF), com especialidade em futebol. Comecei a trabalhar com camadas jovens. Nunca abdiquei de ser professor para ser treinador. Já estava num escalão bom, portanto não ia arriscar o certo pelo incerto. Mantive-me sempre em equipas nos arredores das Caldas da Rainha. Passei por várias equipas da 2ª e 3ª divisões, que me permitiam estar no futebol em part-time e desempenhar a minha profissão. Também me dediquei ao atletismo muito tempo, cheguei a acumular as duas actividades. Fiz o último jogo três dias antes de me vir embora para Macau.

– Porque é que escolheu o futebol?

A.C. – Foi sempre uma paixão. Nunca tive grandes hipóteses de jogar futebol, se calhar o jeito também não era muito. Fui criado num espaço rural, onde não havia muitos miúdos. Depois na escola, foi no atletismo que mostrei mais jeito, mas o futebol ficou sempre. Isto do futebol é uma paixão. Quando surgiu a oportunidade de ir para o ISEF não tive dúvidas de qual era a opção que queria.

– Como é que foi a aproximação ao Sporting de Macau?

A.C. – O presidente do Sporting de Macau deu aulas comigo na Escola Secundária de Alverca, fomos colegas. Quando cheguei a Macau, foi um reencontro, estabelecemos uma relação de grande amizade. A certa altura, devido à minha disponibilidade de tempo, alguns membros da direcção decidiram fazer-me o convite para colaborar, mais ao nível de apoiar os dirigentes, e aceitei. Mas disse logo que nos aspectos técnico físico tácticos não daria qualquer opinião. Fiz algumas observações de jogos, algumas estatísticas e relatórios de equipas que ia vendo. No final da época, para surpresa minha, fizeram-me a proposta se estava disposto a trabalhar com o Sporting. Disse que sim, que não me importava. E depois sucedeu uma situação muito desagradável, que não vou falar sobre ela. É uma situação muito desagradável para mim, mas tenho a consciência tranquila, porque as pessoas do Sporting sabem como as coisas se passaram, e sabem qual era a minha posição sobre isso.

– Está a referir-se à saída da equipa técnica?

A.C. – Sim. Para mim é uma situação muito desagradável. Caí dentro dela quase sem querer. Mas tenho a consciência tranquila, as pessoas do Sporting sabem como as coisas se passaram. A única coisa que vou referir é que tenho realmente pena que as coisas não se tenham concretizado como eram para se ter concretizado. Mas realmente fiquei numa situação em que, a partir de um certa altura, não tinha como recuar.

– Como é que as coisas se deviam ter passado?

A.C. – Eu e os dois treinadores anteriores fazermos parte de uma equipa técnica, era assim que as coisas se deviam ter passado. Primeiro sim senhor, que estava tudo bem, e eu disse que sim, que podiam contar comigo. Depois as coisas deixaram de correr bem, mas eu já estava comprometido. E a partir daí era uma situação em que não podia recuar sem deixar as pessoas que tinham depositado confiança em mim numa situação aborrecida e de difícil resolução. Tenho pena que o projecto não se possa concretizar, mas paciência. As coisas não são sempre como nós queremos.

– A equipa técnica é que recusou esse trabalho conjunto?

A.C. – Não recusou, porque se tivesse recusado a situação tinha ficado imediatamente resolvida. Primeiro aceitou, depois não chegou a acordo com a direcção, por razões com as quais não tenho nada que ver. As pessoas é que sabem da sua vida, nunca me imiscuí nisso. Uma coisa que deixei sempre bem claro é que não tinha nada a ver com esses assuntos, as pessoas que lutassem pelos seus interesses. As coisas não se concretizaram, mas a verdade é que eu já me tinha comprometido. Se a equipa técnica não tem aceite a situação proposta, esta situação nem se tinha colocado.

– O que é caracteriza o seu método de trabalho?

A.C. – Sempre me interessei bastante, sempre li muito sobre futebol e treino desportivo. Este último ano, que não tenho tido nada para fazer, dediquei-me mais. Não trouxe quase roupa nenhuma, trouxe as malas cheias de livros e DVD. Pela formação profissional e pelos 30 anos, tenho uma certa dificuldade em ver um jogo sem estar a fazer nada, vou tirando uns apontamentos.

– Do que observou quais são as equipas fortes?

A.C. – Quem ganhou a 4º divisão foi uma equipa chinesa. A Casa de Portugal foi à final. Do que vi, a Casa de Portugal é uma equipa que tinha jogadores com muita experiência, e essa experiência fazia-se valer quando chegavam às situações. Agora, equipas com grande ascendente sobre as outras não vi. Vi equipas muito fracas, e depois equipas com uma certa homogeneidade.

– Como é que vai ser a prestação do Sporting na Bolinha?

A.C. – Como estava a tentar formar equipa para a 3º divisão, para o futebol de 11, o Sporting achou por bem rodar os seus elementos no Campeonato da Bolinha. Como o limite de elementos são 14 por cada equipa e o Sporting tinha mais, para dar oportunidade aos jogadores e nós os observarmos, decidiu-se entrar com duas equipas. Como um clube não pode entrar com duas equipas, uma está com o nome do Sporting e a outra são os Papatudo.

– Como é que vai ser feita a adaptação ao futebol de 11?

A.C. – Hoje em dia a maneira como se treina não difere muito. O treino é essencialmente baseado em pequenos jogos, em pequenas estruturas onde os jogadores toquem muitas vezes na bola. Raramente na semana se treina onze contra onze. O futebol é dissecado para que um jogador possa ter o máximo contacto possível com a bola durante os treinos. Hoje em dia o treino passa muito pelos pequenos jogos, portanto penso que não é um problema. Um jogador que sabe os princípios do jogo facilmente faz as adaptações dos pequenos grupos ao futebol de 11.

– Quais vão ser as principais dificuldades dos jogadores nessa adaptação?

A.C. – Uma das grandes dificuldades é ocupar racionalmente o terreno de jogo – quanto maior, mais difícil é de ocupar. O jogador tem de saber nas diversas fases do jogo quais são os comportamentos que tem de ter. Tem de saber jogar com o número, com o espaço e com o tempo.

– Quais vão ser as linhas orientadoras?

A.C. – Tenho de conseguir transmitir aos jogadores as concepções de jogo, os princípios que acho fundamentais, nas diversas fases e situações de jogo. É nisso que vou apostar. E dar-lhes a condição de desempenho suficiente para que possam pôr em campo as suas capacidades. De certeza que foi isso que os treinadores passados fizeram.

– O que é que o caracteriza enquanto treinador?

A.C. – Cada pessoa tem uma interpretação do futebol. O que é fundamental é que consigamos ser coerentes com as nossas concepções de jogo e que os nossos jogadores consigam exteriorizar isso, sem esquecer que os jogadores também tem a sua concepção. Depois é fazer um trabalho de equipa. Se a equipa não for um todo, se não houver uma solidariedade entre todos os jogadores, não há hipótese. Depois também tem de se ter em conta a realidade de Macau. Os espaços que tenho, os jogadores que tenho, a disponibilidade que têm, tudo isto é um mundo imenso de variáveis que não sei como é que vai ser. Ainda não tive um treino, há jogadores que ainda nem conheço. Os jogadores aqui em Macau, do Sporting e de outras equipas, são pessoas que trabalham e que gostam de futebol. Só podem dispensar ao futebol o tempo que têm livre, se é que têm tempo livre. Vi como foi o ano passado, havia muitas faltas aos treinos, e não era porque queriam faltar. Tenho toda a consciência que tenho de aproveitar os tempos que têm. Vai afectar o trabalho de certeza, mas vamos ver como é que conseguimos conciliar isso. Tenho a noção do que vai acontecer. Ainda não sei como, mas sei como é que quero que seja.

– E como é que quer que seja?

A.C. – Claro que qualquer treinador quer que os jogadores possam estar todos, cheguem a horas, para que se possa fazer um trabalho sistemático e progressivo. Mas sei que é impossível, isso era quase a perfeição. Não tenho ilusões, sei perfeitamente como as coisas são e as dificuldades que vou ter. Sei que os jogadores vão dar o melhor que podem, mas sei que não podem fazer milagres. O futebol para eles é gostarem de jogar.

– Quais são os objectivos para a próxima época?

A.C. – Quando se joga é sempre para ganhar. E se não for para tentar ganhar não se joga. Vamos tentar ganhar, tendo a consciência que nem sempre isso é possível. Temos a equipa possível e vamos tentar aproveitar as suas capacidades, tendo a noção perfeita que não vamos ter jogadores de grande gabarito, porque não existem em Macau e, se existissem, não estavam a jogar no Sporting, estariam na 1ª divisão. Temos os jogadores que podemos ter, daqueles que conheço é um óptimo grupo em termos de espírito, de fácil trato e impecáveis. Vamos fazer o melhor possível e dignificar o nome do Sporting. Mas também penso que serão poucas as equipas diferentes – basta o facto de, em Macau, não haver futebol juvenil, não há campeonatos de camadas jovens. A pirâmide está invertida. Não há um alimentar dos escalões superiores com jovens que vêm de baixo. Quem faz isso é o Benfica. Mas também percebo. Se não há espaços, como é que pode haver?

– Quem são os seus treinadores de referência?

A.C. – Sou muito influenciado por aqueles que passaram mais perto de mim. Os professores Queiroz, Jesualdo e Nelo Vingada, que foram meus professores. O José Mourinho é um treinador de referência para qualquer português e, neste momento, estou convencido que para qualquer cidadão do mundo. Foi formado na mesma casa que me formou. Quando se fala em Mourinho toda gente sabe quem é, até porque é um treinador diferente. É único, é o Cristóvão Colombo dos treinadores. Fiz a formação toda no treino tradicional e o Mourinho também o fez, mas teve a capacidade de pôr o ovo em pé. Agora parece fácil, mas não é.

– Tem manias como treinador?

A.C. – Supersticioso não sou, nunca fui, sempre me ri disso. Habituei-me a trabalhar durante 30 anos com um determinado rigor, com exigência em termos de planeamento de trabalho, horários, salários. Mas sei que em Macau as coisas são diferentes. Se eu me apresentar perante os jogadores, com as limitações que vou ter, com a mesma exigência que tive durante estes anos, quem vai estar mal sou eu, porque não tive capacidade de perceber o grupo que tenho, com as limitações que tem. Posso dançar muito bem a valsa, mas se estiver a tocar um tango e eu começar a dançar a valsa, eu é que estou fora do contexto. Sei o que é que quero e o que pretendo, mas tenho de me adaptar à realidade que tenho.

– O que é a equipa pode esperar de si?

A.C. – Trabalhar o mais séria e arduamente possível. Tentar transmitir experiência e conhecimentos. Tentar, dentro da realidade, levá-los ao maior desempenho. A maior sinceridade e honestidade, seja em que aspectos for. Uma pessoa em quem podem confiar, que com eles vai fazer o melhor trabalho possível e tentar dignificar a instituição que nos acolhe.

– Em termos desportivos, o que é que lhe causou mais confusão quando chegou?

A.C. – Claro que é completamente diferente do que vinha habituado. Tentei perceber, mas sempre na convicção de que o desporto de Macau é o que as pessoas das instituições do deporto querem que seja. Não vim com o espírito de dizer às pessoas como é que o desporto de Macau deve ser. Se for solicitado para dar o meu contributo, dá-lo-ei com todo o prazer. Mas não sou eu que vou dizer como é que é, as pessoas de cá é que sabem.

– É sportinguista?

A.C. – Desde sempre. Mas costumo dizer que quando se fala de bola sou sportinguista, quando se fala de futebol não tenho clube. Quando se fala de futebol, não sou um bom companheiro, sobretudo para os sportinguistas, porque consigo olhar para o jogo de uma forma isenta. Não visto a camisola quando estou a ver futebol. Este ano obviamente que é diferente, sou treinador do Sporting.

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