“Macau não nasceu de uma pedra”

Pereira Coutinho refere o “conteúdo fraquíssimo” do pavilhão do território na Expo Xangai, Miguel de Senna Fernandes diz que “quem quer fazer história de Macau sem portugueses é efectivamente um complexado” e Jorge Fão considera que “faltou sensibilidade” a quem organizou a representação de Macau. O ‘Coelhinho’ continua a dar que falar.

Hélder Beja

A visita de alguns responsáveis dos meios de comunicação social a Xangai, a convite do GCS, veio reacender a polémica em torno do ‘Coelhinho’. Já não se trata da questão arquitectónica, que tem gerado uma acesa troca de palavras entre Carlos Marreiros e Cristina Ieong. Agora, o problema é o recheio.
Os artigos de opinião dos directores Ricardo Pinto (PONTO FINAL) e Carlos Morais José (Hoje Macau) traçam um cenário desanimador sobre aquilo que há para ver no pavilhão de Macau na Expo Xangai. “Uma espécie de história da carochinha, elementar nos propósitos e no conteúdo, quase infantil, para além de ignorar em absoluto o tema central da Exposição Mundial”, escreve Pinto. “Macau faz papel de região saloia, que nem compreendeu o tema da Expo e dispara completamente ao lado no seu afã, obsessão, de elogiar a Pátria”, considera Morais José.
As declarações não caíram em saco roto. José Pereira Coutinho afirma que “é uma pena que o pavilhão não reflicta o passado histórico de 400 anos de Macau”. E frisa que “Macau não nasceu de uma pedra, tem um passado. É pena que não tenha havido o cuidado de informar e instruir os visitantes”. Para o deputado, trata-se de “uma negligência por parte do secretário [para a Economia e Finanças, Francis Tam]. O mais grave é a ausência de referências ao passado. Macau só nasceu depois da RAEM?”, questiona-se.
Tudo começou mal quando, na opinião de Coutinho, “entregaram o pavilhão a burocratas que têm défice de informação, que não estão minimamente preparados, quando deveria ter sido o Instituto Cultural a assegurar os conteúdos”. “É ignorância de quem tem a responsabilidade de decidir. E pagamos caro a cada dia, com mais pessoas que não ficam a conhecer verdadeiramente Macau”, aponta o político. É “na qualidade de macaense, nascido nesta terra”, que Pereira Coutinho critica. Acha “fraquíssimo” o conteúdo da representação do território em Xangai e deixa mesmo um apelo: “Espero que alguma coisa ainda seja feita até Outubro [mês em que termina a Expo], para melhorar esta situação”.

Complexos do passado

“Ainda não vi todo o projecto multimédia que está a ser exibido no pavilhão, vi apenas parte, fiquei com uma ideia geral. Mas notei que havia qualquer coisa que não batia muito certo. Claro que tirarei as minhas conclusões quando estiver lá, mas de facto sem esta referência à comunidade macaense lusa, sem o mínimo de informação sobre a origem das coisas, peca.” Quem o diz é Miguel de Senna Fernandes, sublinhando que ainda lhe falta visitar a Expo para poder falar com maior propriedade.
Parece, no entanto, óbvio ao advogado macaense que o pavilhão, ao ter “a função de divulgar o que é Macau, obviamente que vai falar sobre o seu background histórico”. Não sendo assim, “informações incorrectas podem causar certas confusões”.
“As pessoas que estão envolvidas… muitas vezes percebo a sua mensagem: o ponto de vista da China, o que é que interessa à China. Só que uma coisa é o que interessa à China, outra é a História”, prossegue Senna Fernandes, para carregar na importância da herança lusa no território. “É absolutamente inolvidável que os portugueses tiveram uma presença absolutamente marcante no território de Macau, ninguém pode pôr isto em causa, nem que seja ao de leve. Não pode”, reitera.
Para Senna Fernandes, quando se omitem factos “é sinal de complexo, e é isso que chateia”. “Por mais que determinados factos causem incómodo a certas pessoas, é a História. Ninguém pode duvidar que as Ruínas de S. Paulo estão aí, ninguém pode duvidar que a Fortaleza do Monte foi construída, porque está lá. Estou a falar do aspecto arquitectónico, mas alguém esteve lá para fazer aquilo. E não foi de passagem, foi para ficar, para criar raízes. Isso aconteceu por mero acidente? Por amor de deus… Quem pensa assim, quem quer fazer história de Macau sem portugueses, é efectivamente um complexado.”
Jorge Fão, antigo deputado à Assembleia Legislativa, não está a par de tudo quanto se tem escrito e dito sobre o pavilhão de Macau. “Mas, se de facto é assim, acho que é triste”, diz. Sobre a quase total ausência de referências à comunidade macaense – apesar da presença de Casimiro Pinto no elenco do vídeo que anima o pavilhão – Fão defende que “apesar de pequena, foi com esta comunidade que Macau se foi construindo”.

Comida macaense omitida

Escreve Carlos Morais José: “Numa passagem sobre gastronomia em Macau é dito, por esta ordem, que existe comida chinesa, italiana, francesa (…) indiana e… portuguesa. E, pois bem, nem uma palavra sobre a gastronomia macaense”. Jorge Fão considera “triste e reprovável” a omissão da cozinha macaense, até porque “identifica a comunidade, a mestiçagem em termos de sangue, a fusão de duas comidas, chinesa e portuguesa, e a mistura com outros sabores”.
Para o co-fundador da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), “faltou sensibilidade à pessoa ou às pessoas que organizaram este certame em Xangai”.
Também Miguel de Senna Fernandes se mostra surpreendido. “Essa coisa é do mais escabroso que pode haver. É falta de informação. O grande problema de Macau é que envolvem pessoas com uma qualidade absolutamente duvidosa para fazer estes projectos importantes”, aponta. “Se o script tivesse passado pelo menos pelo crivo de quem se debruça sobre a História de Macau, mas do ponto de vista português – porque falar de Macau não se pode falar só de uma parte, mas de ambas as partes – de certo que levava um chumbo. Isto acontece com muitas coisas que nós sabemos”, prossegue o causídico.
Senna Fernandes lembra ainda a ideia de trazer o Coelhinho para Macau depois da Expo Xangai, já defendida por várias pessoas. “Aí é que quero ver como é o script e tudo mais”, preconiza.

1 comments

  1. Macaenses espero que consigam vencer esta batalha que se avizinha, contra a Chinezação de Macau.Força Irmãos Lusófonos

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