A nuvem de palavras de Chui

Paulo Barbosa

A RAEM viveu na terça-feira mais um momento histórico, quando Chui Sai On se deslocou à Assembleia Legislativa para apresentar aos deputados o extenso “Relatório das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2010”. Sem recurso a tele-ponto, embora a cerimónia estivesse a ser transmitida em directo pela TDM, o novo chefe do Executivo leu monocordicamente um longo discurso. Esmiuçando o texto, disse 10.067 palavras. Mas que palavras proferiu mais vezes? Se é ele que governa, naturalmente que foi “Governo” a palavra que mais lhe saiu da boca. Ao todo, foram 130 vezes. E se há uma coisa que os governantes dizem que querem, é o desenvolvimento. Portanto, Chui Sai On falou em “desenvolvimento” 95 vezes.

O amor à “Pátria” (7 vezes) não está em causa, mas as linhas de acção governativa têm jurisdição apenas neste pequeno território. Natural, por isso, que “Macau” seja referido 83 vezes e que a expressão “RAEM” seja mencionada em 64 ocasiões ao longo do discurso. Para a China sobraram oito alusões, enquanto Portugal nem aparece directamente referido. Há referências a “portuguesa” (3) e “macaense” (1), enquanto comunidades. Já os pandas oferecidos aquando da visita de Hu Jintao são abordados por três vezes.

Quem atentou no discurso de Chui Sai On talvez se admire com a quantidade de vezes em que a palavra “científico” (ou derivados desta) é referida. Ao todo, são 23 vezes. Ele é “materializar medidas e estratégias científicas”, ele é “investir os nossos maiores esforços na identificação das reais necessidades dos cidadãos, apoiando-os na resolução científica e gradual das suas dificuldades”, ele é a necessidade de ter em conta “o desenvolvimento científico global da região”. E a constatação de que a “tomada da decisão política com base em critérios científicos é determinante para a elevação da capacidade de governação”.

Consultado um dicionário de português, verificamos que política é definida como a “ciência ou arte de governar uma nação; orientação administrativa de um Governo; princípios directores da acção de um Governo; arte de dirigir as relações de um Estado com outro”. Lá surgem a ciência e a arte. Será a política mais uma ciência do que uma arte? Ou o contrário? O termo “políticas científicas” pode transmitir a ideia de que existe uma verdade única e inquestionável. Que há um único caminho para gerir os destinos de um território. Esse mesmo, o “científico”. Mas, salvo melhores “estudos” (7 vezes), talvez seja tudo em prol de um “futuro” (10 vezes) com “estabilidade” (9 vezes) e “harmonia” (16 vezes).

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