Em português nos entendemos

A importação de um modelo pedagógico de génese americana para Macau resultou num debate público entre alunos do curso de Português – Chinês do Instituto Politécnico. Treinar o agilizar e o uso da língua de Camões foram os principais objectivos. A experiência deverá repetir-se alargada a outros estabelecimentos de ensino.

Paulo Barbosa

O primeiro concurso de debate em língua portuguesa começou com os alunos a mostrarem a timidez natural de quem não está habituado a pisar palcos e terminou de forma  aguerrida, com seis equipas do curso de Português – Chinês do Instituto Politécnico de Macau (IPM) a discutirem acaloradamente as questões da emigração e da liberdade de expressão.
Com a participação activa de 19 estudantes e uma assistência de cerca de 40 alunos, o debate cumpriu os objectivos de “estimular o gosto pela língua e desenvolver capacidades linguísticas de todos os participantes”, opinou a coordenadora do curso de Português – Chinês do IPM. Para Graça Fernandes, trata-se de “uma experiência a repetir e a abrir para as outras instituições de ensino superior de Macau e muito provavelmente do resto da China”.
Ao longo das duas horas de discussão notou-se uma discrepância entre o nível do português oral dos alunos, algo que não estranha se se tiver em consideração que concorriam alunos de todos os quatro anos e provenientes do sistema de ensino secundário chinês e do sistema de ensino português. “Não quisemos excluir nenhum aluno a priori, quisemos dar oportunidade a todos”, resumiu Graça Fernandes no fim do certame.

Improviso sobre imagens

O debate, que emula um modelo norte-americano, pretendeu avaliar a capacidade de comunicar, a pronúncia e a divisão correcta das orações. Numa primeira fase foram projectadas fotografias e um elemento de cada equipa era convidado a falar durante dois minutos sobre a imagem. Por exemplo, foi assim que Erica improvisou discurso com base na foto de uma criança empunhando duas pistolas. “As crianças sofrem um abuso de informação por causa dos ‘médias’, uma bebedeira de informações, mas uma criança não tem uma sensibilização muito correcta, a criança pode estar envolvida em crimes.”
Já Estrela, da equipa de alunos visitantes oriundos da Universidade de Pequim que estão a estudar no IPM, comentou desta forma a imagem de um jovem sentado numa retrete com um computador portátil ao colo: “Hoje nós está muito dependentes das tecnologia, por exemplo computador, e há muitas razões para causar este problema, porque hoje em dia há muito stresses e usamos o computador para ver vídeos e ver informações, mas não é uma boa solução porque pode prejudicar a nossa saúde e qualidade de vida, acho que temos que ler mais livros e procurar hábitos mais saudáveis que pode melhorar a nossa vida”.

Debate acesso

O debate tornou-se aceso quando assumiu o formato de “prós e contras”. O moderador propunha um tema e as equipas decidiam se eram contra ou a favor e esgrimiam argumentos. A primeira questão avançada prendeu-se com saber se a presença de imigrantes é benéfica ou não. On foi a primeira a intervir, defendendo que “os imigrantes estão envolvidos em problemas sociais e económicos na maioria das vezes, como se vê pela questão da imigração ilegal, e são um fardo, embora também contribuam para a sociedade”. Vítor contrapôs, defendendo que as pessoas têm o direito de abandonar o seu país à procura de melhores condições de vida. “A imigração faz bem para os países desenvolvidos, dado que resolve os problemas de declínio demográfico, e para os em desenvolvimento”. Pela equipa um, Augusto argumentou que “os imigrantes podem roubar os postos de emprego aos residentes, o que faz aumentar a carga social”. E atirou: “É seu direito procurar a felicidade, mas é meu direito proteger o meu interesse”.
A assertiva Erica, uma das alunas mais desenvoltas no debate do IPM, deu o exemplo da imigração chinesa em Portugal para demonstrar as suas reservas. “Os chineses em Portugal trabalham ora nos restaurantes, ora nas lojas e com a crise há mais portugueses a consumir em lojas chinesas, mas em vez de isso ajudar ao desenvolvimento português, está a prejudicar o enquadramento económico tradicional de Portugal.”
Marília estava no grupo dos que consideram que há mais vantagens do que desvantagens no fenómeno e declarou que “não há coisas perfeitas e a imigração pode causar problemas mas, neste caso, o bom é mais forte do que o mau e a imigração beneficia o destino”.
O segundo tema colocado a debate foi a liberdade de expressão, que voltou a dividir fortemente as opiniões, com grupos a postularem que “a liberdade de expressão não é dizer o que quer, é dizer o que pode” e outros a concluírem que “se a liberdade de expressão é limitada, é preciso saber se a informação que lemos é a correcta e se os jornalistas podem dizer o que querem”. Mais puerilmente, a jovem On considerou que “muitas vezes, para não magoarmos os outros, não podemos defender a liberdade de expressão”.
No fim, e após um interlúdio musical interpretado por alunos do IPM, o júri constituído pelo director da Escola Superior de Língua e Tradução, Choi Wai Hao, e pelas professoras Inácia Morais e Ana Morgado atribuiu os prémios aos três melhores classificados. Entre os alunos, reinava a satisfação.
Tian Yuan confessou ao PONTO FINAL que aprendeu muitas coisas no processo de preparação do concurso, “principalmente como usar a língua portuguesa com mais coerência”. Estudante de língua portuguesa há três anos, Tian Yuan pretende vir a ser, como quase todos os seus colegas, tradutora. Mas porquê o português? “Sou da China interior e sempre quis aprender uma língua europeia. Depois de exame de admissão, a minha mãe ajudou-me financeiramente para vir estudar para Macau e eu acho que Macau é um ponto de mistura da cultura chinesa e portuguesa. Acho que é bom aprender uma língua no seu contexto”.
A próxima iniciativa do género organizada pelo IPM consiste num concurso de declamação de poesia, que decorre a 10 de Março.

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