Debate PONTO FINAL/ Macau Closer no Clube Militar de Macau. Análise da campanha

Candidatos e eleitores gostariam que este processo eleitoral tivesse decorrido de forma menos conturbada. E que as eleições fossem disputadas de modo mais equilibrado e justo. Mas para isso, apontam uns e outros, seria necessário que a Comissão de Assuntos Eleitorais para a Assembleia Legislativa agisse de forma efectiva. A equipa de Vasco Fong foi muito criticada num debate em que se falou de democracia, da falta dela, da relevância da Internet nas legislativas de 2009 e no que falta a Macau quando o discurso é político.

Isabel Castro

Paul Pun é o cabeça-de-lista da última candidatura, a nº 16, e não deixou de brincar com o facto, uma ironia que revelava, pouco depois do fecho das urnas, a consciência de que esta participação eleitoral não passava disso mesmo: o secretário da Caritas Macau entrou na corrida sabendo que não seria fácil ganhar. Mas nem por isso deixou de o fazer.
Ontem à noite, no debate que o PONTO FINAL/ Macau Closer organizou no Clube Militar, Paul Pun foi o primeiro a usar da palavra para falar das suas causas sociais, do que o motiva, do que esperava destas eleições. “Alegria”, riu-se, manifestando-se feliz por ter participado no processo.
Com um estado de espírito bem diferente estavam Pereira Coutinho e Rita Santos que, embora com algumas reservas e uma certa dose de nervosismo, acreditavam num bom resultado. Experiente nas andanças políticas, o líder da Nova Esperança fez uma comparação com as eleições de 2005 (ano em que conseguiu a eleição) para lamentar que os programas das listas não tivessem sido enviados por correio para os eleitores.
Mas o deputado e candidato (reeleito) tinha mais razões de queixa. “Recebi muitas chamadas de pessoas a perguntar onde é que iam votar, porque não sabiam qual era a sua mesa de voto, não receberam a carta no correio, apesar de não terem mudado de casa”, explicou.
Ainda assim, considerou, o balanço da campanha foi “positivo”. O advogado Frederico Rato, um dos analistas que aceitou o repto do PONTO FINAL/ Macau Closer para moderar o debate de ontem, instou Coutinho a comentar possíveis alianças na Assembleia Legislativa. A resposta do deputado foi clara: “É muito difícil fazer alianças, porque a maioria dos deputados recebe subsídios do Governo ou da Fundação Macau. Ou seja, no fim acabam por não poder tomar decisões livremente”. Por isso, defendeu, “o mais importante é ter deputados eleitos independentes, tanto em termos políticos, como no contexto financeiro”.
Rita Santos, a nº 2 da Nova Esperança, quis deixar bem expresso o seu protesto em relação ao facto de “uma das listas ter usado táxis para levar os eleitores a votar”. Além disso, contou, houve uma lista que não se absteve de “usar t-shirts” no dia do acto eleitoral.
“Entre as 18h e as 20h vimos muitos votos a serem comprados”, disse, acrescentando que “talvez eu tenha de esperar pela próxima vez” para ser eleita. A lista encabeçada pelo presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau já apresentou queixa ao Comissariado contra a Corrupção. Da campanha a candidata nº2 leva boas memórias, principalmente “o contacto com a população”.

A cultura o quê?

Agnes Lam elegeu a cultura como um dos principais cavalos de batalha da sua campanha eleitoral. Um tema que, descobriu a lista Observatório Cívico, infelizmente diz pouco a muitas das pessoas que foram encontrando nas ruas de Macau, durante duas semanas de intensa campanha eleitoral.
Em termos gerais, o balanço feito pela ex-jornalista e académica foi positivo. “A equipa sente-se muito bem com a campanha. Foi mais duro do que esperávamos”, confessou com uma gargalhada, acrescentando que a lista conseguiu introduzir algumas novas formas de fazer política em tempo de eleições.
“Tentámos, de forma muito árdua, promover a nossa plataforma política. Queríamos ainda que as pessoas alterassem o modo como escolhem os candidatos”, referiu, fundamentando que, em Macau, a escolha eleitoral é sobretudo feita de forma identitária e não pelas ideias que determinada lista advoga.
O processo de criação de uma nova cultura política a que Lam se propôs não é fácil, reconheceu a candidata, que contou alguns episódios da sua campanha. “Demos o nosso melhor”, assegurou, manifestando a esperança de que a próxima AL seja, em termos políticos, mais consistente do que tem sido.
O artista plástico James Chu, o nº 3 da Observatório Cívico, mostrou-se satisfeito com o facto de terem conseguido, através deste envolvimento eleitoral, fazer com que mais gente passasse a olhar para a cultura com outros olhos. “É que, e lamento dizê-lo, a grande maioria dos residentes de Macau não quer saber de cultura, o que se pode ver, aliás, na Assembleia Legislativa, pois não se fala muito do tema”.
Na distribuição de panfletos, a lista de Agnes Lam foi confrontada com a pergunta “Mas porque é que têm este tipo de ideias?” O facto de terem tido uma oportunidade de passar a mensagem satisfaz James Chu. “Esperemos que no futuro haja um maior interesse”, rematou.

Académicos frustrados

Num debate em que estiveram presentes vários académicos e politólogos, foram várias as queixas que se ouviram de pessoas que olham para as eleições como tema de estudo.
Bruce Kwong, docente da Universidade de Macau (UMAC), lamentou aquilo que entende ser a inflexibilidade das autoridades perante práticas correntes em qualquer parte do mundo. Ou quase.
O politólogo tinha uma equipa de alunos destacada para fazer sondagens à boca das urnas mas, segundo relatou, os estudantes foram impedidos de realizar o seu trabalho pelos funcionários que se encontravam nas secções de voto.
O mal-entendido lá acabou por se resolver; no entanto, contou o académico para quem “a intervenção do Governo foi a maior de sempre até à data em processos eleitorais”, restaram apenas algumas horas do dia para que a tarefa a que se propôs pudesse ser cumprida. Resumindo e concluindo: ainda não foi desta que pôde ser feito um estudo do género em Macau.
Angus Cheong é também docente da Universidade de Macau e tem vindo a dedicar-se, nos últimos 10 anos, à relação entre Internet e política. O professor universitário também tinha razões para lamentar a atitude das autoridades responsáveis pela fiscalização do acto eleitoral.
Revelou Cheong que fez um estudo sobre as eleições que queria ter divulgado antes do fim da campanha. A ideia não era perceber qual a tendência de voto, explicou, mas sim compreender o comportamento político dos residentes de Macau. “Entretanto, li nos jornais que este tipo de sondagens são proibidas por lei, pelo que escrevi um e-mail à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL)”, datado do passado dia 14.
A resposta tardava e Angus Cheong percebeu que seria difícil tornar públicas as suas conclusões académicas. A réplica chegou apenas no sábado, assinada pelo presidente da CAEAL, Vasco Fong, mas foi uma desilusão. “Pedi um esclarecimento sobre o artigo 75º. Recebi uma resposta da CAEAL em que se fala do artigo 76º!”, exclamou, dizendo-se muito desiludido. O docente acabou por adiantar ontem algumas conclusões do seu estudo (ver texto nestas páginas), numa intervenção que explicou ainda qual a influência que a Internet na campanha eleitoral.
Eilo Yu, também ele docente da UMAC e analista político, disse no Clube Militar entender que houve este ano um esforço do Governo para “aumentar a justiça das eleições”. Porém, contrapôs, “quando vemos como a CAEAL lida com as irregularidades, temos de ver com muita atenção se tem a coragem e a capacidade para lidar com as irregularidades” da campanha eleitoral.

Todos iguais, todos diferentes

“Fiquei muito desiludido quando Vasco Fong disse que não ia divulgar o nome das listas envolvidas em caso de suspeitas de corrupção eleitoral. Percebo a questão do segredo de justiça mas parece-me também que os eleitores têm o direito a saber o que está a acontecer para poderem decidir em quem vão votar”, lamentou Eilo Yu.
Neste ponto, o politólogo Eric Sautede – um dos oradores da noite – defendeu que a imprensa tem um papel a desempenhar. “Deve haver uma maior pressão dos jornalistas em relação aos casos de corrupção eleitoral”, vincou.
A corrupção eleitoral, mas também as artimanhas, truques, difamações e escapadelas à lei verificadas nos últimos dias – onde se incluem ofertas de jantares, boatos e propaganda eleitoral afixada fora dos locais para o efeito – indignaram alguns dos presentes no debate, como é o caso do advogado Miguel Senna Fernandes e de Nuno Lima Bastos.
O jurista começou por recordar que discorda da decisão da CAEAL em relação ao que os candidatos podem ou não fazer antes do início da campanha, salientando que têm menos liberdade de expressão do que qualquer outro cidadão. Mas o que o chocou mais foi, depois do início oficial da campanha, ver propaganda eleitoral afixada em toda a parte, das lojas às padarias. “Algumas a cem metros do Ministério Público”, frisou. “É natural que aqueles que cumprem a lei se interroguem sobre se valerá a pena respeitar as disposições.”
Para Lima Bastos, tudo o que aconteceu nos últimos dias adquire contornos ainda mais graves atendendo às preocupações governamentais do Governo em relação à corrupção eleitoral, que usou precisamente o argumento da necessidade de eleições transparentes e justas para não alterar o sistema político da Assembleia, mantendo o número de assentos pelo sufrágio directo e universal. “O que é que se vai dizer em 2013? Que não se altera outra vez o número de deputados eleitos pela via directa porque houve muita corrupção este ano?”, lançou o jurista e analista.

Democracia e conservadorismo

A democracia acabaria por estar presente em boa parte de um debate que não contou com a presença de qualquer membro da lista Voz Plural. Mas Miguel Senna Fernandes, apoiante da candidatura de Casimiro Pinto, aceitou o repto do PONTO FINAL e da Macau Closer, explicando que, embora o aparecimento do movimento tenha sido “tardio”, a campanha da Voz Plural foi muito positiva.
Senna Fernandes realçou que a candidatura “já não é só de um grupo macaense”, tendo conseguido passar a mensagem de que “Macau não é uma sociedade monocultural, mas sim multicultural”. O advogado disse ainda não acreditar que Casimiro Pinto tivesse “grandes ilusões sobre os resultados. Bom seria que o projecto continuasse”. O principal dinamizador do patuá no território aproveitou a oportunidade para revelar que, na eventualidade de Casimiro Pinto não ser eleito, gostaria que Agnes Lam conseguisse um lugar na AL. Porque seria “um novo rosto, uma nova energia”.
A sessão contou também com a presença de Patricia Cheong, que foi candidata pela lista de Angela Leong em 2005. “Não fui convidada desta vez”, contou a directora executiva de uma agência de publicidade. “Talvez concorra em 2013”, lançou.
Para o ex-elemento da equipa da mulher de Stanley Ho, nestas eleições “os empresários não estão representados”. Nem mesmo com tanta gente oriunda do sector do jogo. “Quem está representado são os junkets. Mas o jogo não são só os junkets”, frisou, acrescentando ter gostado de ver aparecer uma lista como a da Agnes Lam, por ser “um rosto novo”.
“Macau precisa de mudar”, sublinhou Cheong. “Precisa de crescer, de se modernizar. Ser empresário hoje em Macau não compensa. E o caso Ao Man Long tornou tudo muito mais difícil”, constatou, fazendo referência aos obstáculos com que se deparam as pequenas e médias empresas do território.
Uma vez que os resultados das eleições só foram conhecidos quase sete horas depois do fim do fecho das urnas, não houve oportunidade para falar de vencedores e vencidos. No exercício das previsões, Frederico Rato foi aquele que mais próximo esteve da verdade.
Avisando que se tratava de um “cenário conservador” – a condizer com a cidade em que a antevisão foi feita – o advogado calculou que, muito provavelmente, seriam eleitos 12 deputados através de candidaturas que têm na base movimentos já com representação na Assembleia. Num outro cenário, mais atrevido, haveria espaço para uma ou duas novas forças políticas. Ganhou o conservadorismo.

A jornalista espantada

Veio de Hong Kong para acompanhar o dia das eleições e fê-lo acompanhando o politólogo Eilo Yu em vários pontos da cidade. Ontem à noite, no debate que o PONTO FINAL e a Macau Closer promoveram no Clube Militar, esta jornalista da região vizinha falou do seu espanto quando chegou ao território e percebeu como é feita a política por estas bandas quando em jogo está um lugar na Assembleia.
A jornalista mostrou dois exemplares de jornais locais de ontem, dia de ir às urnas. Os matutinos em língua chinesa publicavam nas suas primeiras páginas artigos sobre listas concretas: um deles discorria sobre as virtudes da lista 10, a Nova União para o Desenvolvimento de Macau; o outro dava espaço à Associação dos Cidadãos Unidos e Macau do omnipresente Chan Meng Kam. “Em Hong Kong isto não poderia acontecer”, notou.
A repórter – que vem a Macau por altura dos acontecimentos políticos importantes, como a eleição de Chui Sai On – descobriu ainda o truque dos jantares. “Num só dia passei a ser apoiante de Melinda Chan e de Chan Meng Kam”, ironizou, contando que esteve presente em dois jantares “oferecidos” pelas listas destes candidatos.

Tímidos eleitores

Os eleitores de Macau têm grandes pruridos em revelar a sua intenção de voto. Foi esta a conclusão a que chegou o académico Angus Cheong, que fez um estudo sobre o comportamento dos cidadãos da RAEM em tempo de campanha eleitoral. O estudo, revelou ontem o professor da Universidade de Macau, mostrou que há uma enorme diferença entre os eleitores locais e dos de Hong Kong e Taiwan.
“Na RAEHK, cerca de 60 por cento dos inquiridos revela a sua intenção de voto neste tipo de inquéritos. Já em Taiwan, o número sobe para 70 por cento”, explicou.
Cerca de 60 por cento dos auscultados por Cheong explicaram que, quando chega a altura de votar, escolhem os candidatos que “fazem algo substancial pela população”, o que revela um espírito que privilegia a acção e não tanto a teoria.
Quanto à forma como os inquiridos tiveram conhecimento dos candidatos envolvidos nas eleições de 2009, 40 por cento soube pela propaganda eleitoral distribuída nas ruas do território, com apenas 27 por cento dos eleitores a serem informados pelos jornais do conteúdo programático das listas.
Angus Cheong dedica-se sobretudo à influência da Internet na esfera política. As eleições deste domingo foram, pelo avanço tecnológico, muito diferentes das de 2005, mas os efeitos concretos do recurso à rede global terão sido relativos.
Ainda assim há dados que convém analisar: Agnes Lam foi a candidata que mais tempo de vídeos gravou para disponibilizar online, tendo registado o maior número de visitas (mais de 10 mil).
Chan Meng Kam também não deixou escapar a oportunidade dada pela Internet – os Cidadãos Unidos de Macau fizeram vídeos com um total de 28 minutos vistos por 4500 utilizadores.
No que toca aos fóruns virtuais, o CyberCTM afirmou-se como o local por excelência para a troca de ideias políticas, com “debates acesos sobre questões sociais”.
Ainda assim, Angus Cheong considera que “o papel da Internet é limitado, sobretudo porque os candidatos têm pouco tempo por lei para poderem passar as suas mensagens”. O académico sugere que, daqui a quatro anos, o tempo de campanha eleitoral seja repensado e dilatado. Poderá então ser que a Internet passe a ser uma arma política com peso efectivo em Macau.

Em português suave

Foi um dos momentos mais quentes do debate e teve a questão da presença portuguesa – ou lusófona – nas eleições como tema central. A questão foi introduzida por Nuno Lima Bastos. Sales Marques não ficou agradado com as declarações do jurista e contra-argumentou veementemente.
Pensa então Nuno Lima Bastos que, a esta altura do campeonato político local, não faz grande sentido haver candidaturas de portugueses só pela questão da defesa de determinados valores, numa alusão ao movimento de Casimiro Pinto. E isto porque para português já há Pereira Coutinho na Assembleia Legislativa e existem outras listas que, mesmo sendo lideradas por candidatos de outras etnias, partilham os mesmos princípios, “sendo disso exemplo Agnes Lam”.
Sales Marques, candidato às legislativas de 2005 pela lista Por Macau, tem outro entendimento. “Fala-se na democracia mas depois, de cada vez que surge um novo grupo, as pessoas questionam o seu aparecimento”, começou por dizer. “Nem que fosse uma lista com duas pessoas e que só conseguisse dois votos. Talvez daqui a 10 anos consiga a vitória!”, exclamou. “A democracia é sobretudo acerca de participação, e o problema de Macau é a falta dela. Constituir uma lista é algo que se deve respeitar.”

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