Debate | Querer o Mesmo, com Estilos Opostos

070909Um reclama-se uma voz incómoda pelos que não têm voz na Assembleia Legislativa. O outro, se lá chegar, promete olhar pela nova geração que, espera, o eleja. O cabeça de lista da Nova Esperanca, José Pereira Coutinho, e Casimiro Pinto, que lidera a Voz Plural, discutiram políticas e programas em quase três horas de debate organizado pelo PONTO FINAL. Fica claro que, se ambos forem eleitos a 20 de Setembro, serão aliados em potência. A aprovação da lei sindical e de outra que regulamente o trabalho não-residente são apenas duas das matérias urgentes em que concordam. Até na organização da exposição fotográfica dos 10 anos da RAEM, consideram que a Primedia não precisa de gastar mais de três milhões de patacas. Mas se Pereira Coutinho defende que a palavra é uma arma eficaz para pôr o governo em cheque sempre que é preciso (com provas dadas, segundo ele), Casimiro Pinto diz que nada se consegue sem diálogo e consenso. Dois macaenses na luta por um lugar na Assembleia.

Ricardo Pinto e Nuno Mendonça

PONTO FINAL – Olá, boa tarde a ambos e bem vindos a este debate. Gostaria que começassem por nos dizer se se conhecem bem, se são amigos, e o que pensam um do outro, em termos pessoais e políticos.
José Pereira Coutinho – Nós somos amigos. Conhecemo-nos há muito tempo, na carreira profissional. O Casimiro é um profissional de categoria, pois já assisti a algumas intervenções dele em termos de tradução. É um exímio cantor; em várias actuações importantes, aqui e na China, tem dignificado o nome de Macau. Em termos políticos, é uma surpresa positiva. Em Macau, é importante que se criem condições para que os jovens possam ter mais intervenção política. É preciso criar uma classe de jovens políticos. A minha mãe ensinou-me uma coisa: ‘Quando escolher uma profissão, escolha aquela a que você tem amor, que não o canse e que sirva para alguma coisa na sociedade em geral’.
Casimiro Pinto – Eu conheço o Zé há muito tempo. É um homem que eu admiro, é um homem corajoso, que está à frente das coisas e que tem vindo a lutar por algumas coisas importantes em Macau. Admiro-o, em termos de personalidade.
PF – Devemos então depreender que se forem ambos eleitos, e mesmo que o Casimiro roube o segundo deputado ao Pereira Coutinho, estará tudo bem?
J.P.C. – Eu discordo da utilização da expressão roubo. Nas eleições estão 16 listas e ninguém sabe exactamente a intenção de voto do eleitorado. Daí que, uma vez candidatos, é preciso ter a noção de que estamos todos em igualdade de circunstâncias e que os eleitores são soberanos no sentido de escolherem de acordo com a sua consciência.
PF – É uma mudança de opinião da sua parte, porque a princípio achava que a lista do Casimiro Pinto, ou qualquer lista que aparecesse daquela área, seria apenas para lhe roubar votos.
J.P.C. – Eu gostaria de esclarecer o seguinte: naquela altura, quando proferi essas declarações, eu ainda não era candidato. Estava a falar como simples cidadão. Ou como conselheiro das comunidades, presidente da associação, deputado. Não era como candidato.
PF – E isso faz alguma diferença?
J.P.C. – Acho que sim. Porque a partir do momento em que me candidato, estou a entrar num sistema que obriga a que todos sejam tratados de forma igual. Num regime democrático, os candidatos têm que se saber respeitar uns aos outros.
C.P. – Numa democracia, todos temos direito a eleger e a sermos eleitos. Mas nós não estamos aqui para roubar votos a ninguém. Não é essa a nossa pretensão. Este ano, temos estado a assistir ao aparecimento de caras novas em várias listas e isso é muito importante para o desenvolvimento politico de Macau, porque é importante ter uma nova geração preparada para encarar os desafios do futuro.
PF – O Casimiro Pinto começou por aparecer como potencial candidato, depois disse que não estava disponível e acabou por ficar como cabeça de lista. O que justificou toda essa hesitação?
C.P. – Estavam em causa projectos diferentes. Quando eu disse não, não havia ainda uma aposta na nova geração, não havia dessa parte qualquer feedback. Foi depois de começar a falar com eles e ver que estavam receptivos, que acabei por aceitar encabeçar esta lista.
PF – Não houve, em todo o caso, alguma precipitação da sua parte ao afirmar-se indisponível?
C.P. – Não. Vou ser muito franco: eu comecei a pensar nesta ideia a partir de uma viagem que fiz a Pequim no ano passado. A amigos chineses costumava dizer que havia gente que andava a semear, para alimentar a geração que vem a seguir. E que achava ser altura das novas gerações, de todas as comunidades, começarem também elas a semear. Foi isso que justificou o aparecimento deste movimento, que não vai acabar com as eleições. É para continuar.
PF – O Pereira Coutinho tem uma actuação na Assembleia Legislativa (AL) que é marcada por um estilo confrontacional, sendo o governo o alvo principal das suas críticas. Quais as principais vitórias políticas que este estilo lhe trouxe nesta ultima sessão legislativa?
J.P.C. – Muitas vitórias. A mais importante tem a ver com o diploma que o governo apresentou na AL sobre as leis e os regulamentos administrativos. Na altura votei contra, porque achei que o governo se estava a intrometer numa área de reserva legislativa da AL. Não cabia ao governo delimitar a competência legislativa da AL. Nos termos da Lei Básica, é ao contrário: é à Assembleia que cabe definir o âmbito da sua reserva legislativa. A verdade é que o meu voto contra teve impacto e, em sede de comissão, conseguiu-se pela primeira vez na história fazer uma lei que define claramente quem pode legislar e o quê em Macau. É uma lei que eu acho que só tem outra mais importante – a Lei Básica.
Outro exemplo: fizemos uma manifestação em prol de dois professores do sector público que já estavam despedidos, sem justa causa. Interviemos, conseguimos ter lá milhares de pessoas e o resultado foi terem readmitido ambos: um está na Universidade de Macau a trabalhar e o outro no Instituto Cultural. Podia avançar muitos outros exemplos, mas o importante é perceber que o facto de sermos uma voz incómoda produz resultados positivos e um impacto social extremamente importante para o futuro. Porque isto ajuda a criar massa crítica, ensina-nos a ser menos passivos, numa sociedade em grande evolução. Não é fácil ser uma voz incómoda em Macau, devido aos interesses instalados.
PF – O Pereira Coutinho elencou aqui algum trabalho que teve impacto na sociedade. No seu caso, sem nada para mostrar em termos políticos, o que acha que pode levar os eleitores a votar em si? Será só uma questão de frescura politica?
C. P – A frescura pode ser uma das razões e nós somos, é claro, mais uma alternativa para o eleitorado. Mas o que está aqui em causa é a aposta na nova geração. O que consta no nosso programa politico é que há muita coisa a fazer para melhorar Macau. O Coutinho tem feito muito trabalho, é reconhecido. Mas também é verdade que desde a transferência de administração o tempo tem sido insuficiente para se fazer tudo. Um tema que acho importante é a discriminação. Não falo só de raças. Falo, por exemplo, da discriminação das pessoas que só dominam uma das línguas oficiais na Administração Pública. E da discriminação na área da saúde, da educação. E os quadros qualificados que estão em falta? E a reforma administrativa e jurídica, que andamos a criticar por estar muito vagarosa? É por vontade da Administração ou é por falta de quadros qualificados e falta de bilingues? Acho que temos que encarar estes temas com mais seriedade. Eu já trabalho como tradutor-intérprete há 15 anos; antes da transferência, estive no gabinete do Dr. Rangel, onde acompanhei de perto todo o processo político da transferência; estive depois nos serviços de Turismo e mais tarde voltei aos SAFP – e por isso conheço por dentro muitos dos problemas da Administração. O que eu mais lamento é não haver mais quadros qualificados. E continuo a pensar que o português não pode ser visto como património colonial. Esta é uma das nossas bandeiras, porque a política linguística vai ser essencial em Macau. Hong Kong teve uma transição mais suave de administração porque o inglês há muito que estava lá implantado, ao passo que em Macau temos grandes dificuldades para manter uma Administração totalmente bilingue. Portanto, o problema não está só na máquina; está também na formação das pessoas. É por isso que a lista tem a composição que tem: nós temos médicos, arquitectos, educadores, professores na área do Direito, atletas, tradutores-intérpretes – tudo para demonstrar que é preciso apostar cada vez mais nos bons quadros técnicos.
PF – Sendo ambos macaenses, quais pensam ser actualmente os principais problemas da comunidade? E como acham que podem ajudar a resolvê-los?
J.P.C. – O grande problema dos macaenses é que a maioria está na Função Pública. E como bem diz aqui o Casimiro, são discriminados. Eu já venho dizendo isso desde o ano 2000. A partir do momento do estabelecimento da RAEM, os macaenses têm sido discriminados na acesso à função pública, no acesso à promoção, nos projectos internos. Estão por isso desmoralizados. O que é que se pode fazer? Em Hong Kong, eles têm um organismo chamado Equal Oportunities, vocacionado para receber queixas específicas na área da discriminação.
PF – Vai propor a criação de um organismo semelhante aqui em Macau?
J.P.C – Sabe, os deputados podem propôr muitas coisas, mas o governo está-se nas tintas. O que um deputado deve fazer na AL é fiscalizar a actividade governativa, apresentar projectos-lei e servir os cidadãos.
PF – Mas podia tê-lo feito já no período antes da ordem do dia.
J.P.C. – Com certeza. Mas se for ver a lista das intervenções nesse período, fui o deputado que apresentou mais interpelações escritas e orais, o mais interventivo. Fui incómodo e pressionei outros deputados para trabalharem mais em prol da população.
PF – Propõe-se apresentar a sugestão da criação de um organismo idêntico em Macau se for eleito?
J.P.C. – É evidente. Este governo não faz nada porque está amarrado aos interesses. Não soube delimitar o interesse público do interesse privado. Há um conluio e um tráfico de influências entre ambos. As pessoas não sabem se os governantes falam como governantes ou como empresários. Isto tem que acabar. E eu vou continuar a pressionar para que os titulares dos principais cargos políticos sejam assacados nas suas responsabilidades, pois isso é fundamental para acabar com o abuso do poder e a corrupção.
PF – A esse tema já lá vamos. Casimiro, a mesma questão.
C.P. – O que o Coutinho acabou de dizer é um meio de atingir os objectivos. Mas a nossa sociedade precisa de diferentes posturas. Para ensinar uma criança, pode educar-se com calma ou pode-se bater-lhe. Chega-se lá das duas formas. Como deputado, para alem das críticas que é necessário fazer, é preciso também fazer o máximo esforço para conseguir consensos, para se promover o diálogo, porque aqui em Macau sempre se trabalhou desta forma. A história de Macau, a sua harmonia e o seu desenvolvimento basearam-se sempre numa postura de diálogo.

(O debate completo encontra-se disponível na versão impressa)

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