E se uma bandeira de Taiwan fosse erguida no antigo Leal Senado?

Se um caso do género daquele que teve por protagonistas os autores do blogue 31 da Armada tivesse ocorrido em Macau e, ao invés de uma bandeira monárquica, tivesse sido hasteada uma bandeira de Taiwan, os protagonistas poderiam ser punidos pelos crimes de furto, entrada em local vedado ao público e ultraje aos símbolos do território. De acordo com a análise feita pelo jurista Nuno Lima Bastos.

Luciana Leitão

Imagine que um conjunto de indivíduos do território resolve, na calada da noite, hastear a bandeira de Taiwan, no edifício do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, recolhendo a bandeira da Região Administrativa Especial de Macau. Se o incidente que fez ontem as manchetes da imprensa de Portugal – e que teve por protagonistas os autores de um blogue intitulado 31 da Armada – tivesse ocorrido em Macau, que punição existiria? Num exercício de pura especulação, o jurista Nuno Lima Bastos afirma que não cairia no âmbito da lei da segurança nacional – que veio regulamentar o artigo 23º da Lei Básica -, podendo, porém, enquadrar-se nos crimes de furto, entrada em local vedado ao público e ultraje aos símbolos do território. Muito ao género do que poderá suceder em Portugal.
De acordo com Lima Bastos, as normas de Macau no que respeita a este caso são “praticamente iguais” às de Portugal, especialmente tendo em conta que o Código Penal do território foi, em grande medida, “decalcado do português”. Assim, baseando-se na análise que foi feita no jornal Público, em que se avançava com a hipótese de responsabilização penal dos autores do 31 da Armada, o jurista afirma que, a ocorrer no território, seria um crime de furto, punido, segundo o artigo 197º do Código Penal, com prisão até três anos ou multa. Poderia também considerado uma violação da proibição de entrada num local vedado ao público, incorrendo o seu autor numa pena de prisão de três meses ou multa até 60 dias.
No que toca ao crime de ultraje aos símbolos nacionais, Nuno Lima Bastos refere-se a “uma pequena nuance” em relação à lei portuguesa.
Na análise feita no jornal Público, considerou-se que “existia um ultraje aos símbolos nacionais, invocando-se o facto de o municipalismo ser um dos valores defendidos pelos ideais da República”.
Ora, sendo Macau uma Região Administrativa Especial, pelo contrário, esta justificação não pode existir, aplicando-se, pelo contrário, a norma de ultraje aos símbolos do território que consta do artigo 302º do Código Penal. “Prevê-se uma pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias. Uma situação que, por acaso, é semelhante aquela prevista no Código Penal português, pelo ultraje aos símbolos nacionais”, explica.
Continuando neste exercício de especulação, diz o jurista que caso, ao invés, tivesse sido colocada em causa a bandeira nacional chinesa, então teria outra solução.
De acordo com o anexo III da Lei Básica da RAEM, o conjunto de leis nacionais são aplicáveis a Macau, a partir de 20 de Dezembro de 1999, mediante publicação ou acto legislativo efectuado no território. “E um desses diplomas [publicados] é precisamente a lei 5/1999, que versa sobre a protecção dos símbolos nacionais”, de que são exemplo a bandeira e os emblemas da RPC.
Assim, mediante a aplicação do artigo 9º – uma disposição muito semelhante, na forma e conteúdo, ao artigo 302º do Código Penal -, quem cometer um ultraje aos símbolos nacionais é punido “com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Atenção que na estipulação da multa, “respeitou-se o limite máximo, definido no artigo 45º do Código Penal”.

Afastado artigo 23º
Segundo Lima Bastos, não existe no ordenamento jurídico do território qualquer norma que se refira especificamente a ofensas ou actos envolvendo símbolos de Taiwan.
Hasteando-se a bandeira desta ilha, num edifício público do território, será que se enquadra no âmbito da lei da defesa da segurança do Estado que regulamenta o artigo 23º da Lei Básica? Lima Bastos duvida. “Um ultraje a um símbolo nacional não está necessariamente ligado a questões de segurança nacional”, afirma.
Falando-se nesse diploma em traição à pátria, secessão, subtracção de segredos de Estado, subversão contra o Governo Popular Central ou sedição – incitamento pela violência à prática dos outros acto -, Lima Bastos duvida que se enquadre em qualquer um destes crimes.
Dentre estes cinco, porém, o jurista entende que um hastear da bandeira de Taiwan em Macau poderia, quanto muito, “enquadrar-se na secessão – separação de uma parcela do território”. Porém, esbarra na presunção de violência de que parte este crime e na cláusula que impõe o recurso a meios ilícitos graves. “Na norma onde se faz a enumeração taxativa do que são estes actos, não se encontra nada sequer comparável ao hastear da bandeira. Estamos a falar de actos contra a vida, contra a integridade física, destruição de meios de transporte ou vias de comunicação ou outras infra-estruturas”, descreve.
Quanto à traição à pátria, na sua opinião, também não é uma hipótese a considerar, por implicar integrar forças estrangeiras ou actuar em concertação com Estados estrangeiros. Parece-lhe que o “mero hastear da bandeira” não cairia neste item – ou, pelo menos, teria de ser provado.
Assim, resume, caso a classificação utilizada pelo Público vingue, então também essa seria a aplicável em Macau. “Claro que quando se faz a aplicação da medida da pena concreta – dentro desta margem dos dois anos, previstos como pena no artigo 302º -, medem-se todas as circunstâncias relacionadas com a prática do acto, a gravidade das consequências, os sentimentos manifestados, os fins, os motivos”, esclarece. E aí o juiz poderá, por exemplo, considerar que, por se tratar da bandeira de Taiwan, “o ultraje à população é superior”.
E se fosse uma bandeira portuguesa? Então, nesse caso, outras questões se colocavam. Mas, em última instância, tudo dependeria da análise casuística do juiz, tendo por base o artigo 302º.
Se o hastear da bandeira lusa desencadeasse uma reacção muito exacerbada ou se lhe fosse dado grande destaque nos jornais, haveria “especial valoração” na aplicação do magistrado.

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