A pequena crise de legitimidade política

Sonny Lo, analista político, sobre processo eleitoral e perspectivas de governação de Chui Sai On

Porque conta com o apoio de Pequim, Chui Sai On não terá, à partida, dificuldades para governar Macau, numa lógica que será sobretudo de continuidade. Quanto à inovação, dependerá de quem escolher para o seu Conselho Executivo. O futuro líder do Governo de Macau não deverá ter problemas de maior mas pode desde já contar com um certo cepticismo da opinião pública, que advém da inexistência de outros candidatos ao cargo. É esta a análise de Sonny Lo, professor da Universidade de Waterloo e especialista em política de Macau, que deixa um conselho ao futuro Chefe: há que trabalhar para ganhar a legitimidade política que lhe falta.

Isabel Castro

– Chui Sai On apresenta amanhã o seu programa político, sendo o único a fazê-lo, como candidato solitário a Chefe do Executivo. É um processo que acaba por não corresponder totalmente às suas expectativas, atendendo às análises que foi fazendo nos últimos meses?
Sonny Lo – Sim, é um processo de alguma forma inesperado, mas também não muito… A dada altura esperava-se que Ho Chio Meng assumisse publicamente o seu interesse em concorrer às eleições.
– Mas isso não sucedeu. O que poderá ter acontecido para que amanhã os membros do colégio eleitoral ouçam o programa político de um só candidato?
S.L. – Não conhecemos as reais razões da decisão de Ho Chio Meng, pelo que só podemos fazer um exercício de especulação. Há várias hipóteses, sendo que a primeira delas é ter decidido não concorrer por questões meramente pessoais. A segunda possibilidade é o apoio forte de Pequim e de Macau a Chui Sai On, por pensarem que será capaz de dar estabilidade e continuidade, sendo que a continuidade na administração de Macau é, nesta óptica, a característica mais importante. Em terceiro lugar, é possível que a estratégia de Chui Sai On tenha excluído a possibilidade de haver mais candidatos, uma vez que a sua campanha junto dos membros da comissão eleitoral para a recolha de assinaturas foi feita muito rapidamente. Todas estas hipóteses podem ser a explicação para haver apenas um candidato às eleições para o Chefe do Executivo.
– Deste sufrágio poderá resultar um candidato que, aos olhos da população, tem a sua legitimidade política enfraquecida, uma vez que o processo está longe de se assemelhar ao que entendemos como eleições?
S.L. – Pode continuar a ser entendido como um processo eleitoral na medida em que existirá uma campanha. Chui Sai On irá encontrar-se com a população e com os vários grupos da comunidade. Deste prisma, podemos continuar a entender o processo como sendo uma eleição. Mas Macau é uma sociedade cada vez mais competitiva e pluralista, pelo que me parece que muitas pessoas estavam à espera que houvesse mais do que um candidato. Da perspectiva da legitimidade, pode ser argumentado que a do futuro Governo será de alguma forma afectada pela natureza incontestada destas eleições. A nova Administração de Macau terá de, a partir de Janeiro de 2010, trabalhar com um bocadinho mais de afinco para ganhar a confiança da população para os anos que se seguem. Podemos dizer que dada a natureza incontestada destas eleições, o Governo de Chui Sai On terá, no futuro, de trabalhar mais.
– Como é que Pequim está a encarar a situação política actual de Macau? Chui Sai On conta com o apoio de diferentes alas, mas não de todas.
S.L. – Claro. Quando falamos de Pequim temos de ter cuidado porque pode ter vários significados: são os membros do Politburo? Ou as autoridades do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado? Estamo-nos a referir ao Gabinete de Ligação? Quando observadores exteriores ao processo olham para Pequim, continua a ser um mistério, porque as autoridades e líderes da capital têm diferentes agências e membros com visões distintas sobre Macau. Mas pode-se afirmar que o poder de Pequim está satisfeito com a candidatura de Chui Sai On a estas eleições. E isto porque tem um passado governativo e vem de uma família com uma papel crucial em Macau. Da perspectiva de Pequim, Chui Sai On vai permitir que haja uma continuidade essencial na governação de Macau. Pequim apoia, sem dúvida alguma, Chui Sai On.
– Mas os últimos cinco anos do Governo de Edmund Ho não terão ido ao encontro das expectativas de Pequim, pelo menos a dada altura. Aconteceu o caso Ao Man Long e, em Macau, a legitimidade política de Ho chegou a ser questionada, com as pessoas a protestarem e a manifestarem-se por um Governo mais limpo. Chui Sai On fazia parte dessa equipa e é da família política do actual Chefe do Executivo. Essa continuidade de que fala não poderá dar azo a uma opinião pública pouco satisfeita e deixar Pequim desconfortável?
S.L. – Pequim tem um entendimento diferente em relação a estas matérias. Apesar da Administração de Edmund Ho ter sido afectada pelo escândalo Ao Man Long, Pequim continua a acreditar que Edmund Ho tentou o seu melhor e que conseguiu bastante durante a sua governação. Deste ângulo, Pequim espera que um dos protagonistas da Administração de Edmund Ho, Chui Sai On, seja capaz de garantir estabilidade e continuidade para os próximos cinco anos. A avaliação de Pequim à Administração de Edmund Ho é, talvez, bastante diferente das críticas, que pensam que o caso Ao Man Long afectou a legitimidade do actual Chefe do Executivo. Do ponto de vista de Pequim, o escândalo Ao Man Long pode ser encarado como um problema menor da Administração de Edmund Ho, sem afectar efectivamente, de forma significativa, a legitimidade do sistema. Temos de nos lembrar que, depois do escândalo, Edmund Ho travou uma luta política para ganhar a confiança da população através da distribuição de subsídios e de rebuçados à população, providenciando mais bases de segurança social aos residentes. Assim sendo, Pequim está bastante contente com a administração de Edmund Ho.
– Ainda sobre as eleições, a forma como o sistema está definido demonstra que um cidadão comum dificilmente conseguirá ser candidato a Chefe do Executivo, uma vez que há um número mínimo de assinaturas para a propositura mas não há um limite máximo. Esta experiência é sinal de que as regras do jogo devem ser alteradas no futuro?
S.L. – Sem dúvida alguma. A comissão dos assuntos eleitorais e as autoridades de Pequim devem rever as actuais regras do jogo. Em primeiro lugar, a transparência em relação aos membros do colégio eleitoral – especialmente os endereços e contactos telefónicos – tem de ser garantida no futuro. Em segundo lugar, para que seja possível haver mais do que um candidato, as regras relativas às cinquenta assinaturas e à propositura de apenas um candidato têm de ser revistas. Em termos gerais, a comissão dos assuntos eleitorais, o Governo de Macau e as autoridades de Pequim terão de rever as regras para que haja mais espaço político e as eleições para o Chefe do Executivo se tornem mais competitivas no futuro.
– Desde que Chui Sai On assumiu ser candidato a Chefe do Executivo que tem optado por não tecer grandes considerações sobre o que são as suas ideias para o futuro de Macau. Justifica a posição com uma indicação da comissão de assuntos eleitorais que tem sido bastante criticada, por se entender que é uma restrição à liberdade de expressão do próprio candidato. Que análise faz deste fenómeno?
S.L. – Aparentemente, não pode falar do seu programa político, mas se olharmos bem para as suas actividades, os contactos que tem feito com grupos e personalidades depois da sua declaração de candidatura, podemos inferir das suas respostas qual será a sua postura política. A partir de amanhã, o seu programa político será muito mais claro, mas é possível, através de uma análise cuidadosa, perceber onde se situa.
– E que conclusões tira dessa análise?
S.L. – Em termos gerais, tem enfatizado a prosperidade económica, a justiça social, questões relacionadas com a qualidade de vida e a harmonia étnica. Esteve reunido com a comunidade macaense e com grupos de variados estatutos sociais. Por outras palavras, podemos compreender as suas ideias gerais de uma forma relativamente fácil.
– Como slogan para a sua candidatura, Chui Sai On escolheu duas palavras: continuidade e inovação. Espera um Governo sobretudo de continuidade? Onde poderá estar a inovação?
S.L. – Teremos de olhar para isto com muita atenção ao nível do Conselho Executivo e também no que diz respeito às nomeações políticas para as várias estruturas e conselhos consultivos. Mas o mais importante será a composição do Conselho Executivo. Se for composto pela maioria dos actuais membros, poderemos esperar continuidade, e não mudança. Mas se for formado por novos membros, poderemos ter algumas expectativas em relação à inovação ou, pelo menos, algumas mudanças. O Conselho Executivo será um barómetro crucial.
– Um dos actuais membros do Conselho Executivo, Ho Iat Seng, é visto como sendo o futuro vice-presidente da Assembleia Legislativa. Chegou a ser um nome apontado como forte sucessor de Edmund Ho, mas acabou por optar pelo poder legislativo em vez do executivo. Que comentário lhe suscita esta estratégia política?
S.L. – Esta mudança de estratégia pode ser entendida como uma jogada sensata no sentido da estabilidade política. Ho Iat Seng, que será eleito para a Assembleia Legislativa, irá assumir uma posição fundamental no órgão legislativo e, nessa condição, enfatizar a necessidade de estabilidade política. Esta jogada está em conformidade com a declaração da candidatura de Chui Sai On, está também em conformidade com o entendimento de Pequim e, por fim, conta com o apoio de Chui Sai On, na condição de futuro Chefe do Executivo.
– Podemos esperar grandes mudanças depois de 20 de Dezembro de 2009 ou Macau continuará a ser o que tem sido nestes últimos anos?
S.L. – Em termos de legitimidade da Administração, podemos esperar um certo cepticismo público em relação ao novo Governo. Isto sentir-se-á sobretudo no princípio. Dado o facto de não ter havido nenhum outro candidato, a população olhará com uma certa desconfiança para o desempenho do Executivo. No entanto, o Governo Central irá, sem dúvida alguma, dar a sua aprovação a Chui Sai On. Em segundo lugar, podemos esperar mais continuidade do que mudanças no que diz respeito ao estilo de governação, Chui Sai On dará continuidade ao que tem vindo a ser enfatizado – a reforma da Administração Pública, o recurso ao Comissariado Contra a Corrupção para punir problemas internos, e também um processo muito gradual de reforma política. Quanto à mudança, teremos de estar atentos para ver se os problemas no sector da saúde pública serão resolvidos. Nestas actividades de Chui Sai On com várias organizações, foi possível identificar um fenómeno: várias pessoas disseram esperar uma reforma no sistema público de saúde. Chui Sai On tem formação académica em Saúde Pública, pelo que será de esperar que os cidadãos exijam mais e melhor em termos do apoio à saúde.

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