A história da lâmina e o anúncio no Apple Daily

270509Um dia depois da conturbada conferência de imprensa em que Chui Sai On apresentou o seu manifesto de candidatura, surgiram novas notícias sobre o movimento que não encara com bons olhos a hipótese do ex-secretário ser o próximo Chefe do Executivo. Um grupo de residentes que se organizou na Internet publicou um anúncio no Apple Daily. Já o Ming Pao, também de Hong Kong, recebeu uma estranha carta. A candidatura de Chui Sai On pondera processar a falsa jornalista.

Isabel Castro

Chui Sai On considera que é preciso analisar o fundamento destas críticas e perceber o quão representativas são, mas certo é – e o quase-candidato nem sequer o tenta negar – que há um movimento cada vez mais visível contra a possibilidade de o ex-secretário para os Assuntos Sociais e Cultura vir a governar os destinos da RAEM depois de 20 de Dezembro próximo.
A Internet tem sido o meio escolhido pelos contestatários para se organizarem e trocarem ideias. O Facebook e o fórum da CTM começaram por ser os locais de expressão de ideias divergentes. Porém, nos últimos dois dias, este movimento passou do plano virtual para a dimensão real. Na segunda-feira, uma pessoa que se identificou como sendo representante dos cibernautas fez-se passar por jornalista. Ontem, na imprensa de Hong Kong, o grupo ganhou outra visibilidade.
Em relação ao acontecimento da passada segunda-feira, o gabinete de candidatura de Chui Sai On não descarta a possibilidade de avançar para um processo judicial. “Reservamos o direito de responsabilização”, explicou ao PONTO FINAL o advogado Vong Hing Fai, mandatário do quase-candidato.
Durante a conferência de imprensa que serviu para apresentar o manifesto de candidatura de Chui, uma mulher – que se identificou como sendo jornalista da Asian Week para ter acesso à sala – interrompeu a sessão de perguntas e respostas para acusar familiares do ex-secretário de terem obtido terrenos a preços indevidos. A mulher acabou por dar, também ela, uma conferência de imprensa no fim da sessão. Acabou por ser levada para fora da sala pelo pessoal que assessoria Chui Sai On.
Em declarações a este jornal, Vong Hin Fai contou que, ainda na noite de segunda-feira, chegou à sede de candidatura um comunicado da Asian Week em que a publicação informa não ter enviado qualquer jornalista a Macau para a conferência de imprensa.
Fazendo referência aos dois indivíduos que preferiram contestar Chui Sai On em vez de colocarem questões (poucos minutos antes, um indivíduo que disse também ser jornalista tinha proposto que o clã Chui escolhesse outro representante para concorrer às eleições), Vong Hin Fai expressou o seu desagrado em relação ao sucedido. “A nossa sede de candidatura ficou muito insatisfeita com os actos destes dois indivíduos.”
Na sua edição de ontem, o South China Morning Post referia que, na noite de segunda-feira, a Asian Week emitiu um comunicado em que negava que a mulher em questão fosse jornalista do órgão de comunicação social. O matutino de Hong Kong em língua inglesa relatou ainda que, num fórum da Internet, uma cibernauta tinha dito que estava a planear colocar questões a Chui durante a conferência de imprensa. Depois da sessão, a mesma cibernauta escreveu que o seu plano tinha sido bem sucedido e alegou que alguns homens a tinham seguido depois de deixar a sala da conferência.

Meia página a negro

Sobre a materialização das contestações a Chui Sai On, o jornal Apple Daily publicou ontem um anúncio de meia página (o matutino é impresso em formato broadsheet) em que é veiculada a opinião nada simpática que um grupo de residentes de Macau tem sobre o ex-secretário.
O movimento auto-intitula-se “Um grupo de pessoas que não podem continuar em silêncio em Macau”. No protesto que publicaram no espaço dedicado a publicidade, estes contestatários aos “candidatos vindos das grandes famílias de empresários” dizem estar “muito zangados, ansiosos e desesperados” com as intenções do antigo governante. Referem ainda que “o futuro de Macau é muito preocupante”.
No texto escrito sobre fundo negro faz-se um balanço muito negativo dos dez anos de RAEM: o desenvolvimento da economia fez com que surgissem os mais variados tipos de contradições sociais, apontam, explicando que há problemas com a habitação e com o emprego, “um número de compromissos políticos não foram cumpridos, a qualidade de vida da população piorou”. Além disso, “as contradições entre as camadas mais baixas e os interesses económicos atingiram um ponto de ruptura”.
O caso Ao Man Long é chamado à colação, não só para recordar o escândalo de corrupção, mas para apontar que o ex-secretário e os seus familiares foram julgado sozinhos, apesar de o antigo governante ter “utilizado todos os meios possíveis” para levar a cabo a sua estratégia.
Há outro assunto que, diz o grupo neste seu manifesto, “causa a fúria da população de Macau”: os Jogos da Ásia Oriental 2005 e a “séria derrapagem orçamental”. “Ninguém foi responsabilizado”, notam.
Mas há mais razões na origem do descontentamento. O “grupo de pessoas que não podem continuar em silêncio em Macau” mostra-se perturbado com a política seguida pelo Governo da RAEM em relação ao património do território, sendo o Farol da Guia um dos vários exemplos apontados.
É feita uma referência aos serviços prestados ao nível da Saúde – área particularmente próxima de Chui Sai On. Os cidadãos autores do protesto escrito queixam-se daquilo que entendem ser a degradação das unidades hospitalares de Macau.
“Se continuarmos a ter um empresário local como Chefe do Executivo, como pode esta pessoa lutar contra a corrupção?”, perguntam, não deixando a questão sem réplica. “Esta pessoa só poderá agravar a situação de conluio com o Governo!”, acusam.
A rematar o comunicado, o grupo reitera estar contra o cargo de Chefe do Executivo vir a ser ocupado por alguém oriundo das grandes famílias de empresários, que “dizem amar a pátria e Macau para cobrir os seus interesses”. Os contestatários não querem igualmente pessoas com este tipo de perfil como chefias dos serviços públicos da RAEM.
O espaço publicitário foi pago através de um depósito na conta do Banco da China do Apple Daily. A cópia do talão circulava ontem na Internet e indicava que a publicação do anúncio custou aos seus autores 37.500 patacas.
Recorde-se que, no final da passada semana, o ICBC em Macau fechou por “decisão comercial” a conta de um grupo de cidadãos do território para angariar dinheiro para contestar na imprensa de Hong Kong o alegado controlo político de Macau por empresários.
Desconhece-se se o anúncio ontem publicado no Apple Daily teve na origem o mesmo grupo de residentes. Mas há um facto incontestável: desta feita os opositores conseguiram cumprir o seu primeiro objectivo.
O gabinete de candidatura de Chui Sai On preferiu não se pronunciar sobre o anúncio que enche meia página do jornal de Hong Kong.

X-acto na carta

O Ming Pao, jornal em língua chinesa publicado em Hong Kong, deu ontem conta de um estranho acontecimento relacionado com Macau e as eleições para o Chefe do Executivo.
Num texto intitulado “Descontentamento crescente em Macau contra a candidatura de Chui”, o diário conta que recebeu uma carta com ameaças num envelope que continha a lâmina de um x-acto.
Na missiva, o autor anónimo “expressa a sua fúria em relação à corrupção em Macau, aos conluios entre o sector empresarial e ao monopólio detido pelas grandes famílias de empresários nas eleições”.
A rematar, fica o conteúdo mais assustador. Em caracteres simplificados, lê-se na carta que “o protesto será feito em forma de suicídio”. O macabro autor utiliza a mesma frase que serve para identificar os responsáveis pelo anúncio do Apple Daily – “Um grupo de pessoas que não podem continuar em silêncio em Macau”.
Segundo o jornal, o envelope tinha selos de Macau e carimbo com data do passado dia 21. O Ming Pao entrou em contacto com as autoridades policiais, que levaram a carta e a lâmina para investigarem o caso.

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