Congregações missionárias apostam em Macau para chegar à China

Combonianos, claretianos, franciscanos ou dehonianos. Dezassete anos após a transferência de soberania do território entre Portugal e a República Popular da China são cada vez mais as congregações religiosas representadas no território. Macau não é o destino final: a China comunista continua a ser o prémio mais apetecido pelos missionários das diferentes ordens.

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Há cada vez mais congregações missionárias em Macau, na esperança que o berço do catolicismo na Ásia seja uma porta de entrada na República Popular da China, o gigante comunista que permanece por evangelizar.

São “nove ou dez” as congregações missionárias presentes em Macau, mais do que no passado, em parte devido à falta de padres na Diocese, mas também pelo interesse crescente na China, onde apenas a ‘igreja patriótica’ é autorizada, fazendo com que Macau seja o ponto mais próximo para chegar ao outro lado.

“Neste momento, em três ou quatro paróquias, são praticamente os religiosos [missionários] que estão a tomar conta. Há dez anos não era assim. Não é que tenha havido um aumento numérico muito grande, mas houve uma diminuição do clero diocesano e quem está a assumir os trabalhos pastorais são os religiosos”, conta à Lusa o chanceler da Diocese de Macau, Manuel Machado.

Quando chegou a Macau, há 20 anos, estavam na cidade “jesuítas, salesianos, paulistas”: “Depois os dominicanos regressaram, os [missionários] do verbo divino, claretianos, tudo isso”, conta. Hoje há mais, “nove ou dez” congregações e muitas irmãs religiosas.

Machado é dos missionários combonianos, mas o seu trabalho é com a Diocese: “Viemos para cá à espera que as coisas pudessem abrir um pouquito [com a China]. Macau era uma entrada, uma diocese e um território que de alguma maneira podia facilitar a relação com a China”, explica.

Será essa “a perspetiva” das congregações que se têm estabelecido em Macau, algumas pela primeira vez, considera. Com fortes limitações ao funcionamento da Igreja na China, é em Macau que funcionam escritórios, arquivos e a formação de padres.

Jojo Ancheril, indiano, tornou-se claretiano aos 16 anos e as histórias que os missionários contavam sobre a República Popular da China influenciaram-no: “Impressionou-me muito as pessoas estarem a ser perseguidas, mortas, devido à sua fé. Soube no meu coração que queria ir para a China e morrer na China”, admite.

Chegou em 2007 e depois de um ano a estudar cantonês em Hong Kong estabeleceu-se em Macau, onde dá apoio à Igreja de São Lourenço: “Pelo menos duas vezes por mês vou à China. Fico uma noite e volto no dia seguinte. Quando vim, muitos padres disseram-me que não podia dar missa na China. A regra é essa, é verdade, mas posso fazê-lo. Claro que não vou perguntar se posso, mas tenho podido fazê-lo”, conta.

Nos últimos seis anos tem levado pessoas em peregrinação à ilha chinesa de Sanchão, onde morreu São Francisco de Xavier. Também costuma “ir para as leprosarias, fazer algum trabalho missionário”.

O brasileiro Daniel Ribeiro é dos mais recentes missionários em Macau. Ao contrário de Ancheril, o dehoniano, chegado em Fevereiro deste ano, nunca tinha pensado na China.

Estudou grego e latim para se especializar em patrística, o estudo dos primeiros séculos da Igreja, em Roma. No entanto, oito meses após ser ordenado, o seu superior deu-lhe “uma nova missão” para “15 a 20” anos.

A congregação queria suprir a lacuna de não ter uma missão na China, “pela importância da evangelização do maior país do mundo”.

O pouco tempo que conta em Macau e a aprendizagem da língua ainda não lhe permitiram ir ao outro lado das Portas do Cerco: “A gente pensa que um dia o relacionamento pode melhorar, porque o interesse da Igreja não é destruir o Governo nem a China”, afirma.

Macau surgiu como uma surpresa na vida da franciscana portuguesa Maria Lúcia Fonseca. Tinha 67 anos, preparava-se para se reformar, quando a sua superiora geral lhe disse: “Irmã, tenho pensado tanto em si para Macau”.

Chegou em 2013 e já arranha cantonês e mandarim – o ‘Pai Nosso’ e ‘Ave Maria’ já os sabe recitar: “Nós, franciscanas, viemos para Macau com intuito de entrarmos na China. Estamos aqui só há sete anos”, conta. Também ainda não passou a fronteira, mas contacta com jovens do Continente, que participam nos cursos de verão que ministra, de música em português: “Tenho contacto com mais de 40, muitos deles não têm fé, mas têm alguma noção do transcendente”, comenta.

Ir à China “é um sonho” para a franciscana, que gostava de conhecer a Grande Muralha e “sentir o espírito que se vive em relação ao transcendente”: “Não ia lá falar de Deus, tiro aquilo que for indício de religião porque eles são comunistas, mas posso levar a minha forma de ser, alguma coisa que faça mexer as pessoas”, assegura.

Ao fim de duas décadas em Macau, Manuel Machado concede que “há coisas que vão mudando”, grupos da República Popular da China que vêm à cidade para formação, missionários fazem trabalho social e religioso no outro lado da fronteira, mas salienta que, tendo em conta o tamanho da China, “não é nada, uma gotinha de água”.

“Quando se vai é sempre com aquela interrogação, não fazer ondas, ver se não fazem muitas perguntas. Normalmente há convites, temos de ter cuidado, a gente não quer ir e causar problemas”, explica.

 

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