Prémios para referências arquitectónicas de Macau

A Associação dos Arquitectos de Macau deu ontem a conhecer os vencedores do Prémio de Arquitectura, uma iniciativa criada no início dos anos 90 e agora recuperada. A reedição dos prémios, entendem os arquitectos premiados com medalha de ouro, servirá para estabelecer padrões de qualidade para os novos espaços projectados na RAEM. Carlos Marreiros, com um projecto de habitação e outro de conservação, é um dos distinguidos. Rui Leão, Manuel Vicente e Carlotta Bruni são premiados pela intervenção no projecto público do Parque Sai Van.

Maria Caetano

A residência do artista Konstantin Bessmertny, em Coloane, o Parque Urbano Sai Van, junto à Torre de Macau, e os edifícios que compõem o Albergue da Santa Casa da Misericórdia, no Bairro de São Lázaro, são os projectos distinguidos com delaha de ouro no Prémio de Arquitectura de Macau 2009-2010, promovido pela Associação dos Arquitectos de Macau (AAM).
O prémio que reconhece projectos de arquitectura nas categorias de habitação, projectos públicos e conservação foi criado na década de 90, mas acabou por ser descontinuado ao final de uma única edição. A ideia foi recuperada pela nova direcção da AAM com o objectivo de divulgar referências de qualidade para a arquitectura de Macau.
Na categoria de projecto de habitação, é distinguida com medalha de ouro a “Villa Konstantin”, da autoria de Carlos Marreiros sob encomenda do artista plástico, que aí habita com a sua família. Recebe também menção honrosa o edifício Kingsville, projectado pela arquitecta Mimi Cheong Han Kuen.
Já na categoria de projectos públicos, vence o Parque Urbano Sai Van, da autoria dos arquitectos Rui Leão, Manuel Vicente e Carlotta Bruni. O júri atribuiu também três menções honrosas à Academia de Ténis e Centro de Bowling da Nave Desportiva do COTAI, do gabinete de Carlos Marreiros, à Subestação da CEM, no NAPE, do arquitecto Wong Chung Yuen, e ao Quartel de Bombeiros dos Lagos Nam Van, de autoria de Luiz Filipe Andrade e Sá Machado.
O projecto de restauro do Albergue da Santa Casa da Misericórdia, de Carlos Marreiros, recebe a medalha de ouro na categoria de conservação, onde há ainda uma menção honrosa para a Sala de Leitura da Escola Portuguesa de Macau, que tem como autores Rui Leão e Carlotta Bruni.
Os vencedores e projectos distinguidos com menção de excelência foram seleccionados de entre catorze propostas submetidas, por um júri composto pelo Presidente da Assembleia Geral da AAM, Eddie Wong, pelo director regional da União Internacional de Arquitectos e vice-presidente da Associação dos Arquitectos de Hong Kong, Joseph Kwan Kok Lok, pelo presidente do Instituto de Estudos Europeus, José Luís Sales Marques, pelo director geral da Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial, Lao Weng Seng, e pelo presidente da comissão de instrução da AAM, José Maneiras.

Parâmetros de qualidade

Para Rui Leão, vice-presidente da Associação dos Arquitectos de Macau e também um dos vencedores, na categoria de projectos públicos, a recuperação deste prémio por parte da organização irá contribuir para a criação de novas referencias de qualidade arquitectónica no território.
“É um tipo de distinção que é muito importante, porque vai estabelecendo parâmetros de qualidade – e a qualidade nem sempre está nos sítios mais óbvios”, lembra, afirmando que se trata de criar “uma cultura de mérito” que promova as competências dos profissionais.
Trata-se também para Carlos Marreiros, vencedor em duas categoria do Prémio, de “contribuir para uma cultura arquitectónica mais forte, numa terra em que os valores comerciais normalmente estão acima dos valores culturais”.
“A arquitectura faz parte da indústria da construção civil em geral, mas deve ser muito mais do que simplesmente o vector da indústria”, entende o arquitecto que vê este tipo de distinções como um estímulo a projectos de maior qualidade.
“Os prémios são um estímulo para melhorar a arquitectura a todos os níveis, por um lado, e para educação das pessoas em geral de que a arquitectura não deve ser só do domínio dos arquitectos. A boa arquitectura deve fazer parte do dia-a-dia das pessoas, deve promover a qualidade de espaços, a qualidade de linguagem, a contemporaneidade de vocabulário e também inovação no desenho, nas formas, nas funções e até nas energias alternativas”, defende.

Concluir Sai Van

Para Rui Leão, o prémio recebido em conjunto com os arquitectos Manuel Vicente e Carlotta Bruni, permite também pensar em outras possibilidades. Designadamente, retomar o projecto de Sai Van, que – lembra – nunca chegou a ser terminado.
“O reconhecimento também é importante porque aquele parque acabou por ficar incompleto por muitas razões: porque havia prazos muito agressivos para completar a obra e problemas estruturais com os diques. A obra que foi construída ficou muito incompleta e isso fragilizou imenso o parque em termos de utilização”, admite.
Originalmente, o projecto recriava um circuito em passadiço de madeira que ligava a Torre de Macau ao Porto Interior, que acabou por não realizar-se, prejudicando hoje a vivência do espaço pelos residentes de Macau, segundo o arquitecto.
“Havia um passeio marginal, principalmente do lado do rio, que ligava a zona da Torre de Macau em deck de madeira até à rotunda junto à Pousada de São Tiago, onde depois estava prevista uma passagem superior que permitia continuar o passeio até ao Templo de A-Ma”, recorda.
“Deixou de ser um sítio de percurso”, diz sobre a intervenção numa das zonas privilegiadas da cidade pela localização marginal ao rio.
“A obra ficou enfraquecida porque hoje em dia não há nenhum daqueles percursos contínuos que permitam o jogging ou o ciclismo”, defende, acreditando que a visibilidade do prémio possa trazer perspectivas de uma retoma na obra de trajectos suspensos.
“O prémio também é muito bom porque ao dar visibilidade ao projecto pode dar oportunidade de se completar o projecto”, afirma, lembrando que “para qualquer arquitecto, ainda melhor que ganhar um prémio, é poder concluir o trabalho, poder ter o acesso ao trabalho”.
Com a não realização do projecto original, entende, ficou também prejudicado o monumento das Portas do Entendimento – uma obra escultórica que “podia ser um ponto turístico que funcionasse”, mas que é hoje praticamente  apenas vista de passagem por quem atravessa o tabuleiro da Ponte da Amizade, na chegada à Península.
“É um acontecimento urbano que ficou ali ao abandono e que faz todo o sentido qualificar em termos de paisagismo, defende Rui Leão.

Projectar um lar feliz

O outro vencedor dos prémios, Carlos Marreiros, não minimiza a distinção, mas confessa-se sobretudo agradado quando as suas obras deixam feliz aqueles que as encomendam – o que diz ter sucedido em ambos os projectos reconhecidos com medalha de ouro.
“Eu não trabalho para ganhar prémios. Mas quando vemos o nosso trabalho reconhecido, não somos masoquistas: eu e a minha equipa ficamos felizes por isso”, fala em nome dos profissionais que o acompanham também na MAA – Marreiros Arquitectos Associados.
Na residência criada para o artista plástico Konstantin Bessmertny, destaca a tentativa de procurar uma solução ecológica, algo que considera ser pouco comum na arquitectura e Macau.
“Tive o cuidado, como sempre tenho quando construo para Macau, de criar sombreamentos, varandas e dispositivos de controlo climático, para que haja poupança de energia no interior da casa”, lembra.
Marreiros recorda que o orçamento para o projecto até foi ‘curto’, mas  que lhe deu grande satisfação. “Beneficiei da liberdade que eles me deram e pelo facto de eles terem bom gosto. Porque nem sempre o cliente nos dá toda a liberdade”, diz.
“Procurei fazer o melhor para que eles fossem felizes e eles estão muito contentes com a casa”, revela. “A maior felicidade que o arquitecto tem é quando quem nos encomendou o espaço, seja ele uma casa ou um equipamento público, fica contente com o resultado”.

Intervenção de emergência

O projecto do Albergue, encomendado pela Santa Casa da Misericórdia como intervenção de conservação urgente para evitar a ruína do espaço, deu-lhe igual satisfação.
O espaço requalificado há cerca de cinco anos, necessitou de obras de consolidação da estrutura do conjunto de quatro edifícios, restauro conforme a traça original com intervanções minimalistas por parte do arquitecto, drenagem e repavimentação. O pavimento foi – lembra – recriado com elementos originais, cruzando calçadinha à macaense dos anos trinta, lajes de granito de estilo chinês e calçada à portuguesa moderna.
“Antes do nosso restauro estava a ameaçar ruínas”, recorda. Hoje é um dos espaços de iniciativa cultural da cidade, no seio do lugar proposto para servir de casa às indústrias criativas da RAEM – o Bairro de São Lázaro.
“Eu estava longe de imaginar que viria para aqui, embora sempre acalentasse o sonho de que o Bairro de São Lázaro – do qual o Albergue é uma pequeníssima parte – devesse ser para indústrias criativas. Este sonho tem mais de quinze anos”, recorda também Marreiros, que no Albergue tem actualmente o seu ateliê.

O bom cliente faz a obra
“Ganhar os prémios não significa só que nós somos extraordinários ou muito especiais. É preciso que vários factores se conjuguem para que a obra final seja boa. Nomeadamente, a inteligência e a boa aceitação do cliente”, que o arquitecto reconhece à Santa Casa da Misericórdia, proprietária do espaço.
“Em ambos os prémios tive também bons clientes, o que muitas vezes não acontece. Podemos produzir boa arquitectura, mas o resultado não ser o mesmo porque o promotor da obra altera desde o projecto original até aos materiais”, entende também.
Sobre o conjunto de edifícios envolventes ao Albergue, desenhados em 1903 para cumprirem o fim de habitação social pelo arquitecto José María Casuso, segundo recorda Marreiros, cai porém o risco de se degradarem a ponto de ruína, com alguns casos de desabamento de estruturas já ocorridos.
“Urge que o Governo faça qualquer coisa. Da nossa parte estamos a dar tudo de nós. Estamos a contribuir para que o bairro seja conhecido, e está cada vez mais conhecido”, defende o arquitecto macaense.
Muitas das casas do bairro pertencem a privados, “mas o Governo poderá encontrar formas de adquiri-las, ou por outro meio   proporcionar aos criativos que se estabeleçam aqui”, sugere Carlos Marreiros, um dos autores de maior currículo na arquitecura de Macau.

Premiar os novos

O arquitecto entende porém que é “absolutamente importante” criar também mecanismos de encorajamento aos profissionais em início de carreira, e revela que a AAM pretende também instituir um prémio para jovens arquitectos de Macau..
“Quem tem garra, toca guitarra”, lembra Marreiros, e por isso o Prémio da Arquitectura da AAM era aberto a profissionais de todas as idades, mas considera necessário haver um prémio especificamente para jovens.
Até porque, segundo admite também Rui Leão, alguns profissionais mais jovens poderão também ter-se sentido intimidados nesta primeira iniciativa do prémio, após ter sido descontinuado na década de 90.
Outra das razões para não haver entre a lista de vencedores projectos da novas gerações prende-se, para o vice-presidente da AAM, com o facto de estes terem actualmente poucas oportunidades de fazer obra em nome próprio.
“Muitos deles têm talento, mas trabalham para companhias e outros ateliês. Também se devia instituir um prémio para jovens”, lembra Marreiros.
“Se calhar – acrescenta Rui Leão – um dos motivos é haver pouco acesso ao trabalho por parte dos jovens arquitectos”.
“Seria importante começar a haver trabalho de uma nova geração de arquitectos, que já é bastante significativa em termos de número”, defende.

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