Um coração chinês cheio de poemas em português

James Li, professor, jornalista e homem ligado à língua portuguesa há mais de 40 anos, arrisca a poesia com “Um Coração Chinês na Lusofonia”. Versos simples de um homem que foi das ex-colónias de África ao Brasil e a Portugal, enquanto “olhava e escrevia tudo”.

Hélder Beja

“Não sou poeta, / mas gosto de recitar versos; / Artisticamente, / não têm valor; / Politicamente, / são ingénuos; / No entanto, quero guardá-los, / para lembrar os meus passos.” É assim, com a um poema humilde escrito em 1973 na Tanzânia, que abre o livro “Um Coração Chinês na Lusofonia”, da autoria de James Li.

O livro, editado pelo Instituto Politécnico de Macau e apresentado ontem, reúne 227 poemas e mais de 20 ilustrações, também da autoria do professor, jornalista e tradutor. “Estou nervoso e emocionado. Aos 60 anos já não se deve ter vergonha, mas aqui francamente estou um pouquinho nervoso, porque este livro é feito em português e a língua portuguesa não é a minha língua materna”, começa James Li, 67 anos. “Antes da versão chinesa quis publicar esta versão em língua portuguesa, para fazer um balanço da minha vida lusófona.”

A vida lusófona de James Li, homem nascido na província de Jilin, no nordeste da China, começou há 47 anos, quando ingressou na Faculdade de Línguas Estrangeiras do Instituto de Radiofusão de Pequim. Sem grande poder de escolha ou conhecimento prévio, foi destacado para aprender português. “O meu destino começou a ter uma ligação muito estreita com a lusofonia desde então. Já passaram 47 anos e durante esses anos andei por quase todas as terras do mundo lusófono – claro que não para turismo, não para viajar, mas para cumprir uma missão”, conta. Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, Brasil e Portugal foram alguns dos destinos deste repórter e tradutor.

“Claro que em 47 anos o mundo mudou totalmente. Este itinerário e esta história complicada fizeram-me entender cada vez mais o que é a lusofonia, e isso é muito importante”, diz o autor.

Chamamento poético

James Li, depois de fluente em português, foi enviado para diversos destinos. Na Tanzânia, junto à fronteira com Moçambique, começou a escrever os primeiros versos. “Gosto de literatura desde pequeno, mas literatura chinesa. Com a língua portuguesa, quando estive na Tanzânia comecei a tocar nos livros, romances e livros de poemas em português, e comecei a aprender como é que se faziam poemas em português.”

Hoje, muitos anos volvidos, Li é cauteloso ao avaliar-se a si mesmo: “Claro que ainda não domino bem a técnica, porque em língua portuguesa o poema também tem as suas próprias regras, como o poema chinês”. Mas gosto de experimentar coisas novas em língua portuguesa. Por outro lado, a vida era difícil na Tanzânia. Trabalhava todos os dias na floresta. Para matar o resto do tempo, havia que ler e escrever”, refere.

Os temas de “Um Coração Chinês na Lusofonia” vão das revoluções – na China, em Portugal, nas ex-colónias africanas – aos Descobrimentos; da  História a “muitos recantos pitorescos de Portugal”. James Li, que deu aulas na Universidade do Minho, também tem Portugal no coração. “É um país que está estreitamente ligado ao meu destino. Posso dizer que para mim é a segunda terra. Conheço muitos lugares, a gente, o vinho…”, ri-se.

Da literatura portuguesa, James Li confessa preferir a poesia ao romance, e diz-se admirador de Fernando Pessoa. “Romance não li muito, porque tenho muito trabalho. Mas gosto muito de Fernando Pessoa. Claro que gosto de José Saramago, mas a gente quando vai ler romances tem de fazer um esforço. É um tipo de obra literária mais profunda, que reflecte a sociedade. ‘Os Maias’, de Eça de Queiroz, gosto muito. ‘Os Maias’ é muito parecido com alguns romances da China: três gerações que sofreram um destino diferente.”

Ao longo destes anos, Li foi espectador e agente de um mundo em mudança. “A China sofreu grandes mudanças, com a Revolução Cultural, a reforma e abertura. Uma pessoa, quando vive numa sociedade, reage sempre a qualquer acontecimento importante. Sou uma pessoa sentimental, que quando vê ou quando pensa alguma coisa quer rabiscar versos para manifestar esse sentimento”, assume.

O professor, que se classifica como “um Zé Povinho” e acrescenta que nas relações China-Lusofonia é um grão de areia que pouco representa, quis mesmo assim partilhar os poemas que vem escrevendo. “Durante 47 fiz tudo, todos os dias, todas as coisas ligadas à lusofonia. Só quero que este livro seja um testemunho nas relações entre China e lusofonia. Quero sublinhar que a língua portuguesa não é a minha língua materna. Este livro tem sem dúvida muitos problemas e erros, e espero que toda a gente faça críticas para melhorar este trabalho. De qualquer maneira, correcto ou errado, este é como um pequeno presente dedicado à lusofonia e aos chineses que querem aprender a língua portuguesa e querem continuar o trabalho.”

Mais poemas a caminho

O trilho de James Li com a língua portuguesa e com a literatura ainda não acabou. Para o professor do Politécnico de Macau, “o escritor, através dos fenómenos sociais, tem de escavar coisas essenciais”. “Acho que isso é muito importante e acho que é uma missão sagrada de um bom escritor”, refere.

Este primeiro livro reúne mais de duas centenas de poemas de um acervo que já ultrapassou os 900. “Alguns não podem ser publicados porque… vocês sabem, não é? Mas a maior parte sim. Se tiver tempo quero publicar mais. Não é para a gente me conhecer. É para a gente conhecer como é que um chinês tem um destino tão ligado à lusofonia.”

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