O oráculo avisa: Chui Sai On que se cuide

Cumprimos a tradição Kau Cim, que ajuda a prever a fortuna que cada um pode esperar no novo ano chinês, e perguntámos por figuras influentes na RAEM. O Chefe do Executivo tem “pessoas a conspirar nas suas costas” e o melhor para Agnes Lam é “não tentar nada ambicioso, porque este será um período muito mau”. Já o magnata Stanley Ho está para as curvas: “A sua saúde vai melhorar e deixará de ser um problema”, garante o intérprete de oráculos do Pagode Sam Cai Vu Cun.

Hélder Beja

Os prognósticos valem o que valem. É  assim no futebol e também neste caso em que astros, culto religioso e sabedoria popular chinesa se combinam para dar pistas sobre a nossa vida ou a dos outros. Sim, a dos outros, porque o PONTO FINAL recorreu ao complexo sistema Kau Cim para saber como vai ser o Ano do Tigre para Fernando Chui Sai On, Stanle Ho, Agnes Lam, Lau Cheok Va e Guilherme Ung Vai Meng, tudo gente influente em Macau.
Para que esta empresa seja bem sucedida não basta meter pés a caminho de um dos templos da RAEM, onde nos espera a preparação espiritual e restantes etapas. Antes, uma dose de pragmatismo: datas de nascimento dos nossos visados apontadas numa folha e, na cabeça, as perguntas que queremos ver respondidas. Sem querer cometer heresias, seja o que deus quiser.
Estamos à porta do Templo de Ling Fong, na Avenida do Almirante Lacerda. Deste edifício, diz-se que foi construído durante a dinastia Ming (1368-1644) e dedicado à Deusa Tin Hau (Deusa do Céu) e à Deusa Kun Iam (Deusa da Misericórdia). Mas, de acordo com a inscrição numa laje pendurada no seu interior, foi edificado em 1723 por oficiais e negociantes chineses, explica o site do governo da RAEM sobre o monumento classificado.
Deixámos para trás o frenesim do trânsito. O vermelho e o dourado predominam na arquitectura do espaço e nas inscrições auspiciosas que podem ler-se por aqui. Há muito incenso no ar. Para começarmos a preparação que nos levará a escrutinar o futuro do Chefe do Executivo da RAEM e das restantes figuras que elegemos, temos de iniciar as ofertas aos deuses. Não trouxemos fruta, bolos, chocolates ou outros géneros que vemos espalhados pelos altares. Um bom punhado de incensos comprados por seis patacas são suficientes, explica o nosso cicerone.

Arranca o ritual

Um monge reza a viva voz enquanto gatos e uma tartaruga se passeiam pelo chão a velocidades diferentes e mulheres fumam nas escadas. Não se ouve mais nada. Agora temos de queimar os incensos ma sem deixá-los arder – e para conter o fogo nada de sopros, apenas abanos de mão. Oferecemos vários trios de incenso à Deusa dos Céus, no átrio central do templo budista, e fazemos três vénias na sua direcção de cada vez que repetimos a operação. Percorremos os três blocos e os respectivos altares, vamos queimando paus de cheiro e as mãos às vezes, seguimos à risca os procedimentos.
São quase 17h e não há muita gente no templo. Os que estão rezam, queimam incenso como nós. Completo o périplo, voltamos à nave principal do edifício, onde nos espera a caixa cilíndrica de bambu com 100 paus numerados no interior. Já  homenageámos os deuses, agora é tempo de “cobrar” e fazer perguntas.
Enquanto agita a caixa da qual, a correr bem, cairá um primeiro pau numerado, o crente deve concentrar-se, pensar na pessoa e na pergunta que vai fazer, repeti-la e esperar que a fé faça o resto. Sacudimos a caixa cinco vezes, formulando o mesmo número de interrogações – das quais falaremos mais adiante – acerca de um magnata dos casinos, uma mulher da politica e líder associativa em ascensão e outros mais.
Colhemos os oráculos – pequenos textos em papel correspondentes aos números dos paus atirados ao chão – e metemos a sorte de gente poderosa de Macau nos bolsos. É tarde e não teremos intérprete por aqui, mesmo que paguemos por isso. O pagode Sam Cai Vu Cun é o próximo destino. Levamos cinza nos ombros.

Descodificar o oráculo

Falaram-nos de um bom descodificador de oráculos neste pagode junto ao Largo do Senado, homem com anos de experiência nisto de cruzar caracteres chineses, anos de nascimento e interpretações mais ou menos subjectivas. Ele cá está, vestido de preto, ar sério. A conversa é curta e grossa: 20 patacas por cada interpretação, que o tempo é de Ano Novo e negócio “está  bom”, como nos dirá a seguir. Aceitamos.
À mesa, intérprete diante de nós, começamos por Fernando Chui Sai On, o Chefe do Executivo. Damos o papel com as inscrições em caracteres, ano de nascimento (1957) e a pergunta que repetimos sem cessar enquanto agitávamos a caixa de bambu: é um bom líder, vai saber gerir a sua equipa? Acrescentamos apenas que é um homem poderoso da RAEM.
Enquanto lê o conteúdo do papel, depois de verificar não sabemos bem o quê num livro velho e gasto, curva-se, como que canta as palavras. “A primeira metade do ano não será boa, encontrará muitos obstáculos. Ele nasceu no ano do Macaco e este ano do Tigre é-lhe pouco favorável.” Só começamos a achar que Chui Sai On está em apuros quando o intérprete nos diz que “apesar de ser uma pessoa inteligente, não é um líder natural e tem pessoas a conspirar e a criticá-lo nas suas costas.” Palpites? Não nos atrevemos. Chui Sai On, dizem os caminhos misteriosos desta crença, “vai ter dificuldades em fazer um bom trabalho e agradar aos seus superiores”. Ainda assim, a segunda metade do ano será melhor.
E se o ano do Tigre parece desfavorável ao líder da RAEM, o que dizer de Agnes Lam, docente universitária e presidente da associação Energia Cívica? Lançámos os mesmos dados ao nosso revelador de segredos e perguntámos pelo futuro de uma mulher com espírito de liderança e vontade de ascender. “É melhor que não faça nada, porque este ano é muito mau, de acordo com o oráculo que me mostram. Ela vai encontrar muitos obstáculos e, se quiser fazer algo ambicioso, terá de certeza problemas. Há muita gente a querer prejudicá-la”.O cenário não podia ser pior. Agnes nasceu em 1972, ano do Rato, e “por mais que se esforce para ganhar poder, será apenas uma perda de tempo”.
Queremos desconfiar deste homem mas seria mais fácil se desatasse a dizer-nos coisas fantásticas sobre a vidas que tentamos escrutinar. “Sou muito claro acerca do que as pessoas poderão esperar, porque conheço muito bem a minha religião. Então posso fazer bons julgamentos e decidir bem quando tenho de fazê-lo”, responde-nos quando o confrontamos. “Digo sempre às pessoas o que leio e interpreto do texto do oráculo. Não minto.”
Agora que se encheu de brio, perguntamos – sempre com ajuda de um tradutor, está claro – pelas sortes de Guilherme Ung Vai Meng, o recém-nomeado presidente do Instituto Cultural.  Homem num cargo importante, mudou recentemente de responsabilidade, elucidamos. “Este é um oráculo de muita sorte”, diz-nos o intérprete. “Será bem sucedido no novo ano e vai adaptar-se facilmente ao ambiente que o espera.” Os artistas de Macau agradecem.
De Lau Cheok Va, queremos saber se vai sair-se bem a gerir sensibilidades, a servir de fiel na balança do poder. Como em todos os casos anteriores, não referimos nome nem cargo. Lacónico, o nosso visionário diz que o presidente da Assembleia Legislativa “não pode pedir que toda a gente o trate bem, vai haver pessoas descontentes”. E acrescenta: “O negócio correrá melhor mais tarde”, frase que ainda estamos a tentar descodificar.
O negócio de adivinhar está famoso nestes dias que antecedem a chegada do Ano Novo Chinês, admite o intérprete. “Mais pessoas vão querer saber do seu oráculo e o que lhes vai acontecer no próximo ano. É uma altura única”, diz o homem que aprendeu a interpretar estas inscrições antigas ao longo de 30 anos. Nada de misticismos aqui: “Comecei a estudar este assunto porque a minha família era pobre e não existiam muitas oportunidades de trabalho”, confessa este homem quase a chegar aos 60. Aprendeu a descodificar oráculos e a ganhar dinheiro com isso. Da nossa parte vai arrecadar 100 patacas, não sem antes nos falar do que espera o milionário dos casinos da RAEM neste ano do Tigre.
No altar do templo, perguntámos convictos pela saúde de Stanley Ho – que, como se sabe, já teve melhores dias. Ao intérprete damos o ano de nascimento, 1921, e nada mais. “Ele está velho e teve uma doença muito grave, mas não terá de se preocupar com isso, porque nasceu no ano do Galo e o Galo e o Tigre não dão más influências um ao outro.” E esta, hein?
Queremos saber mais e a leitura continua. “Será uma época razoável e a sua saúde irá melhorar, não terá grandes problemas.  Claro que é uma pessoa de idade e depois de uma doença grave ficará mais fragilizado, mas basta que uma filha tome conta dele e ficará óptimo.” Recado família para Pansy Ho, pela certa.
Antes de sair, tradutor e jornalista ainda perguntam pela sua fortuna para o tempo renovado que se avizinha. Satisfeitos quanto baste, pagam (ou “oferecem”, conforme se prefira) e abandonam o pagode. O cheiro a incenso não desaparecerá tão cedo.

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